Cordeiros

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O mais novo combustível que alimenta decisões restritivas em todo o mundo tem nome: ômicron.

Guilherme Baumhardt

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A Austrália anunciou há algumas semanas a criação de “campos de quarentena”. Antigas estruturas, usadas anteriormente por trabalhadores da área de mineração, foram convertidas em prisões. Sem exagero, poderíamos classificar os locais como campos de concentração, principalmente após um episódio recente. Explico. A polícia australiana saiu à caça de três pessoas que fugiram do lugar, localizado no norte do país. Elas foram capturadas e obrigadas a retornar. A informação mais importante, porém, é a de que no dia anterior elas foram testadas para Covid-19. O resultado do teste foi negativo. Faz algum sentido manter pessoas em cárcere mesmo assim?

Nesta semana, a Alemanha anunciou um lockdown nacional para os não-vacinados. Pessoas que não receberam doses dos imunizantes serão proibidas de acessar todo tipo de estabelecimento ou negócio, exceto aqueles considerados mais essenciais, como supermercados e farmácias. Estamos falando de Austrália e Alemanha. Países desenvolvidos, com economias pujantes, além de uma população esclarecida e com alto grau de escolaridade – e que agora, salvo exceções, têm comportamento semelhante ao de cordeiros que apenas aguardam o ataque da matilha.

Sim, a Alemanha ostenta índices de vacinação um pouco inferiores aos de boa parte dos vizinhos. Mas este é o melhor caminho? Se há desconfiança daqueles que não buscaram um imunizante, seja ele qual for, não é mais interessante trabalhar com a (boa) informação, no lugar de aplicar torniquetes naqueles que, por alguma razão (em alguns casos até de maneira justificável), decidiram não receber as doses disponíveis?

A Austrália é um caso à parte. Promoveu medidas restritivas que deram em nada. Fechou, limitou, trancou pessoas nas próprias casas. Até inaugurar os campos de concentração do século XXI. As imagens, prestes a completar um ano, de pessoas sendo arrancadas pela polícia de dentro da casa de familiares, no Canadá, também não podem ser esquecidas.

Sim, estamos em uma pandemia. Sim, durante muito tempo caminhamos no escuro, tateando, tentando encontrar soluções para um problema que apavorou o mundo – e que matou muita gente, infelizmente. Eu entendo que, diante do pânico inicial, houvesse uma espécie de anestesia geral, algo na linha do “estão tentando fazer algo e minha parte nessa história é colaborar”. Mas até para isso existe um limite. E o limite passa, também, por atestar ou não a eficácia de decisões do gênero. À medida que a pandemia avançou, ficou evidente o desperdício de tempo e energia de uma série de ações tomadas por governantes mundo afora, boa parte deles revelando um pendor déspota com pitadas de tirania e, não duvido, altas doses de sadismo. O mais chocante é que muitos seguiram aceitando passivamente o cabresto que cerceava a própria liberdade.

O mais novo combustível que alimenta decisões como as descritas acima tem nome: ômicron. Identificada em países da África, a nova variante foi a justificativa para o fechamento de aeroportos e a circulação de pessoas entre os países. Para surpresa de ninguém, a cepa já foi encontrada em pacientes no Brasil (ao menos três casos confirmados) e em outros países do mundo. O trabalho para identificar uma mutação leva tempo e não necessariamente está atrelado ao local em que a descoberta ocorreu. Porque pesquisadores da África do Sul fizeram a pesquisa com pacientes locais, não necessariamente significa que a origem dela esteja ali. Embora pouco provável, pode ter sido algo que surgiu na Indonésia, na China, na Argentina ou até mesmo no Brasil.

Se leva tempo para identificar uma nova mutação e não necessariamente há relação direta entre o local da descoberta e a sua origem, por que diabos ainda seguimos fechando aeroportos para voos de determinadas localidades? Não aprendemos nada? O mais absurdo, pelo menos até aqui, é o seguinte: de tudo que se sabe (e não se sabe tudo, evidentemente) é que a tal ômicron tem alto grau de contágio, mas não se traduz em casos graves – leia-se aumento de internações, pacientes em UTI ou mortes. Isso é fruto da vacinação? Vamos descobrir. Se for, melhor ainda. Mesmo assim ela serviu como um prato cheio para os adoradores do caos.

O mundo conseguiu produzir gente assim. Como a turma geralmente escreve nas redes sociais: se é para ser assim, que “venha logo o meteoro” e acabe com tudo de uma vez. A humanidade faliu.


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