De que lado você está?

De que lado você está?

Ninguém em sã consciência gosta de ver a floresta amazônica arder em chamas

Guilherme Baumhardt

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Ninguém em sã consciência gosta de ver a floresta amazônica arder em chamas. Ninguém com um mínimo de empatia sente prazer ao ver animais mortos e vegetação queimada, no Pantanal brasileiro. Lamentar os fatos recentes e cobrar das autoridades brasileiras mais empenho no enfrentamento do problema é válido. Não enxergar que isso é munição para quem não consegue competir com o nosso agronegócio é algo que vai além de uma simples miopia.

Nesta semana o presidente Jair Bolsonaro falou na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Fez o que dele se espera: a defesa dos interesses do país liderado por ele. Disse ao mundo o que muito ativista da Champs-Élysées, em Paris, desconhece: o produtor rural brasileiro enfrenta restrições legais que não são vistas em nenhum outro lugar do mundo. No Rio Grande do Sul, existe a obrigatoriedade de preservação de um quinto da propriedade, uma área que deve permanecer intocada. Não se pode produzir, não se pode explorá-la. Na Amazônia é o inverso: 80% por cento deve ser protegida. É óbvio que há problemas. Nossa estrutura de combate a queimadas é precária. Faltam aviões-tanque, faltam brigadistas. Fala-se na criação de uma estrutura permanente. Tenho arrepios ao ouvir isso – fico imaginando algum ministro ou deputado de viés estatizante propondo a criação de uma “Bombeirobrás”. A criação de um fundo permanente, com recursos a serem utilizados em uma situação como a atual, parece uma solução mais eficiente, mas reconheço que talvez não exista outra saída: o governo provavelmente teria de arcar com infraestrutura e pessoal.

Voltando agora aos interesses econômicos. O Brasil está entre os maiores produtores mundiais de alimentos. Nosso produto é de alto nível e chega ao mercado com valor competitivo. Tivéssemos melhores canais de escoamento de safra, seríamos imbatíveis. Se nossas falhas estão concentradas onde o estado peca, da porteira para dentro fizemos a lição de casa. E tudo isso com um sistema de produção que há poucos anos popularizou e desenvolveu um razoável seguro agrícola, mas nem de longe conta com...
Ah, os subsídios europeus! Há alguns anos, o órgão que regula o setor no Velho Continente reduziu o montante destinado aos produtores em 5%. Houve grita geral, especialmente dos franceses, os principais beneficiários. Ainda assim, para o período compreendido entre 2021 e 2027, os países do bloco terão nada mais, nada menos que 365 bilhões de euros, ou algo como 2,3 trilhões de “bolsonaros” – na cotação desta sexta-feira – para despejar no setor primário. Isso significa que, graças à mesada estatal, o produtor pode plantar quase nada, pode ter perda de safra, pode enfrentar outros problemas, mas ele colocará o que produz no mercado custando o mesmo que o produto brasileiro. O subsídio é um muro injusto, torna a concorrência desequilibrada, penaliza a eficiência e premia a preguiça.

Sobre a fala de Bolsonaro na ONU, não faltaram críticas. Mas queriam o quê? Que o presidente brasileiro defendesse os interesses da União Europeia? Em tempos de Expointer, tratemos melhor homens e mulheres do campo. Se você tem comida na mesa, é porque alguém plantou. Dizem que um pé de tâmaras leva entre 80 e 100 anos para produzir. Se hoje comemos a fruta, alguém nada egoísta plantou uma tamareira décadas atrás. O benfeitor dificilmente lambuzou os beiços com o açúcar da fruta. Se temos arroz, feijão e carne na mesa, é porque nosso setor primário é bom naquilo que faz, aprimorando culturas, genética, aumentando produtividade e reduzindo custos.

Certa vez, em 2002, após os atentados terroristas nos Estados Unidos, nossa militância transformou em escândalo o fato de o então chanceler brasileiro, Celso Lafer, ter sido obrigado a tirar os sapatos antes de ingressar nos Estados Unidos, durante visita oficial. O mundo havia adotado protocolos de segurança mais rígidos e, poucas semanas antes, um sujeito havia sido preso após tentar explodir um “tênis-bomba” em um voo entre Paris e Miami. A diplomacia canhota tupiniquim viu na atitude um desrespeito com um ministro brasileiro. Dentro do Itamaraty houve relatos de urticária e a defesa de uma nota de repúdio. Será que seriam os mesmos que hoje aplaudem o protecionismo europeu em detrimento dos negócios e interesses brasileiros?

Aquele que neste debate levanta a bandeira, por exemplo, da França, me faz lembrar de uma expressão bastante nossa: não passa de um abobado da enchente.


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