Discurso fácil, vida difícil

Discurso fácil, vida difícil

Nossa cultura gosta de delegar a terceiros o resultado do nosso fracasso, quando na verdade nada mais somos do que o reflexo das nossas escolhas.

Guilherme Baumhardt

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A recente revogação de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) significou para os catastrofistas de plantão o fim da fauna, flora e da existência de qualquer forma de vida no Brasil. Nenhuma surpresa. Para esta turma, o fim do mundo está sempre previsto para o dia seguinte. O país se transformou em terreno fértil para a histeria, para o “gritedo” sem fim, em especial para aqueles que alimentam a ideia do quanto pior, melhor. Se analisarmos com calma, porém, veremos que não é bem assim.
Manguezais e restingas continuam protegidos por lei. Aliás, mais de uma. São áreas resguardadas pelo Código Florestal e pela Lei da Mata Atlântica. A diferença é que no lugar de uma regulação federal há agora a intenção de delegar aos estados as definições que não são feitas em legislação, mas sim por regulações ou resoluções.

Invejamos os norte-americanos com a sua federação de verdade, com autonomia aos estados para decidir sobre pena de morte e prisão perpétua, sobre a idade mínima para obter a carteira de motorista, entre outros assuntos da vida em sociedade. Aqui queremos o mesmo, mas quando algo assim é sinalizado trememos as pernas. E por quê?
Será que temos medo de decidir? A responsabilidade nos assusta? Nossa cultura gosta de delegar a terceiros o resultado do nosso fracasso, quando na verdade nada mais somos do que o reflexo das nossas escolhas. Serei mais claro: se um determinado estado decidir ser menos rigoroso poderá colher eventuais frutos, quem sabe, de um maior número de investimentos e, consequentemente, da geração de emprego e renda. Mas talvez carregue consigo a pecha de respeitar menos o meio ambiente e promover maior impacto em fauna e flora. Em outro extremo, uma outra unidade da federação poderá muito bem adotar um regramento bastante restritivo, o que pode afugentar determinados setores da economia, correndo o risco de condenar uma região ao atraso econômico, com desemprego e falta de desenvolvimento. Mas terá feito uma escolha.

Mas não é possível conciliar as duas coisas? Este é o cenário dos sonhos, mas aqueles que bradam contra o setor privado esquecem que toda atividade produz algum grau de impacto. E algumas delas, mesmo as mais profundas, são muitas vezes necessárias. Querem um exemplo? Mineração.

Todos sabemos o que um garimpo é capaz de fazer com o meio ambiente, especialmente quando o regramento mínimo não é respeitado. Mas todos parecem esquecer que o ouro, fruto dessa atividade, é utilizado, por exemplo, para o tratamento do câncer e em outras enfermidades. O ouro é, ainda hoje, componente essencial na fabricação de componentes eletrônicos, como computadores e telefones celulares, itens indispensáveis atualmente.

Há excelentes exemplos na indústria, mas o melhor caso de exploração responsável talvez venha justamente do campo, logo ele, na figura do produtor rural, que tanto apanha da vanguarda do atraso. É a tecnologia movida a “capitalismo na veia” que garante menos impacto. É a pesquisa bem feita, com foco e objetivo, que permite preservar muito mais o solo do que antigamente, com técnicas já bastante difundidas, como o plantio direto. É o produtor, que não pode e não tem bala na agulha para aumentar área plantada, querendo aumentar seus ganhos. O caminho é um só: investimento.

Nossa federação de faz de conta tem lampejos de autonomia. Vou falar de um assunto de quintal, mas que serve como exemplo. Há algum tempo Canela, a cidade da Serra gaúcha, discute o que fazer com o chamado Parque do Palácio, uma área estatal. Há a ideia de ceder o espaço a um parceiro privado, que construiria um centro de eventos e um hotel. A contrapartida seria a conservação da área. Os moradores se mobilizaram e barraram a proposta. Um erro ou um acerto? Talvez seja cedo para saber. Mas houve envolvimento e posicionamento. Que façamos o mesmo neste caso do Conama e naqueles que vierem pela frente.


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