Erros e falta de ousadia

Erros e falta de ousadia

Em recente artigo, um médico que participou do grupo reconheceu que as decisões já chegavam prontas, com pouca ou nenhuma margem de influência dos integrantes convidados pelo próprio governo

Guilherme Baumhardt

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Na última quinta-feira tratei brevemente do impacto da redução das alíquotas de ICMS dos combustíveis (gasolina e etanol), telecomunicações e energia elétrica na economia do Rio Grande do Sul. É uma espécie de presente de Natal, uma boa notícia para 2022, porque, afinal, vai sobrar mais dinheiro no bolso do pagador de impostos. Mérito dos deputados estaduais, que não levaram adiante a prorrogação por mais quatro anos do chamado tarifaço, como desejava o Palácio Piratini. Ao final de algumas críticas e elogios, encerrei o último texto dizendo que o governador Eduardo Leite fez uma gestão interessante, mas poderia ter ido além, especialmente por contar com uma maioria na Assembleia Legislativa, muito mais simpática a reformas do que a composição anterior.

No mês passado, o governo do Estado anunciou a demolição do Presídio Central (hoje Cadeia Pública de Porto Alegre). Só agora? Às portas do último ano de governo? Vale lembrar: não é a primeira vez que isso ocorre. Na gestão Tarso Genro houve comunicado semelhante e até uma galeria foi colocada abaixo. Coisa para inglês ver, especialmente em ano eleitoral. A penitenciária continua sendo utilizada até hoje, sempre superlotada. Alguém acredita que o projeto anunciado há alguns dias pelo atual governo sairá do papel? O histórico recomenda cautela.

Na área prisional faltou ousadia. Com um Parlamento muito mais simpático ao setor privado (as bancadas que gostam das benesses do capitalismo, mas dizem odiar o sistema) são minoria. Por que o governo do Estado não implantou um sistema de parceria público-privada (PPP), como tentou a ex-governadora tucana Yeda Crusius? Na época, o projeto não foi adiante em função do resultado eleitoral. Os gaúchos resolveram eleger Tarso Genro, para quem o Estado deveria ser protagonista nos presídios. O resultado? Ficamos estagnados (e tem gente que acha que mais Estado é solução).

Sim, é um terreno pantanoso, difícil, mas se não houver uma ruptura, ele continuará assim pelos próximos anos e décadas, produzindo cadeias superlotadas, chance quase zero de ressocialização e um encastelamento de grupos e facções criminosas – cada vez mais próximas de se tornarem máfias. Salvo engano deste colunista, apenas Minas Gerais conseguiu efetivar uma PPP, com o complexo penitenciário de Ribeirão das Neves. Por que não tentamos algo semelhante?

Se o Central é um problema de longa data, o esqueleto que “adorna” a entrada/saída de Porto Alegre é obra exclusiva da atual administração. Para quem chega ou deixa a Capital do Rio Grande do Sul, as ruínas da Secretaria de Segurança Pública talvez sejam o reflexo de um governo que parece ter perdido o rumo em um determinado momento – talvez porque o governador estivesse mais preocupado em se apresentar ao país como potencial candidato à Presidência da República, algo que não se concretizou – embora, para o Colunista, ele tivesse mais potencial eleitoral do que o vitorioso João Doria Jr.

Sobre perder o rumo, Eduardo Leite criou um sistema de mapas e cores, uma espécie de guia para nortear ações diante da pandemia do coronavírus. Por algum tempo houve ali um caráter pedagógico, de orientar, avisar, alertar. Depois de alguns meses, o sistema caiu em descrédito, porque tentava transformar decisões humanas em algo impessoal – “são o sistema e o cruzamento de dados que estão indicando isso ou aquilo”.

Um comitê científico foi criado para a tomada de ações. Em recente artigo, um médico que participou do grupo reconheceu que as decisões já chegavam prontas, com pouca ou nenhuma margem de influência dos integrantes convidados pelo próprio governo. Algumas das determinações tomadas pela gestão estadual viraram, inclusive, motivo de chacota Brasil afora, como cobrir com lonas plásticas as prateleiras de supermercados nas quais estavam produtos considerados “não essenciais”, como se o vírus estivesse escondido atrás de uma garrafa térmica ou de uma tábua para cortar carne. Patético. Eduardo Leite poderia ter crescido na história se tivesse feito diferente, chamado o Parlamento a tomar as decisões mais importantes, em conjunto. Dividiria responsabilidades, remaria contra a corrente e não correria o risco de ser visto como um deslumbrado, com uma caneta poderosa nas mãos.

Nos próximos meses você provavelmente será alvo de uma avalanche, mostrando um “novo Rio Grande do Sul”, surgido após a atual gestão. Uma boa dose de cautela é bem-vinda nessa hora. Sim, reformas importantes foram feitas, privatizações finalmente saíram do papel, mas não houve revolução alguma. Para quem tinha apoio popular, possui o dom da oratória, se comunica como poucos e construiu maioria na Assembleia Legislativa, Eduardo Leite poderia ter feito mais.


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