Lições

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"Eduardo Leite não é um nome a ser desprezado na disputa. Mas tem uma tarefa árdua pela frente. O primeiro passo é não enxergar no eleitor um idiota. Pedir desculpas e dizer que mudou de opinião seria mais digno. 
As pessoas têm memória."

Guilherme Baumhardt

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Antigamente a frase era: o que seria da crônica política se não fosse o PDT? Como o trabalhismo virou peça de museu e só permanece vivo na cabeça mofada de alguns dinossauros, cabe agora uma adaptação: o que seria da crônica política se não fosse o PSDB? O partido que protagonizou seis eleições presidenciais (com duas vitórias e quatro derrotas) encarna agora o papel do galã decadente, que só arranja papel em novela de segunda linha.

João Doria Junior sai da política. E pela porta dos fundos. Prefeito de São Paulo bem avaliado, fez da maior cidade brasileira e da terceira economia do país o trampolim para governar uma locomotiva chamada Estado de São Paulo, responsável por quase metade do PIB brasileiro. Afoito, foi com muita sede ao pote e tropeçou no próprio ego, escorregou na própria soberba e morreu afogado, abraçado nas traições colecionadas pelo caminho. No início da semana, anunciou que abandona a vida pública para voltar ao setor privado. Uma pena. Sempre gostei da ideia de ver figuras de expressão do meio empresarial encarando funções públicas, para imprimir um novo ritmo, uma nova dinâmica. Doria agora é passado.

No Rio Grande do Sul os desafios são outros. Tal qual Nunes, o folclórico ex-jogador do Flamengo, Eduardo Leite “fez que foi, mas não foi e acabou ‘fondo’”. Nome cogitado pela terceira via ao Palácio do Planalto, o tucano não decolou. Restou a ele uma espécie de prêmio de consolação. De crítico feroz da reeleição, ele agora faz malabarismo retórico para dizer que não será candidato à... reeleição! Acredita quem quiser. O argumento é risível: a contrariedade à reeleição ocorre por ele não concordar com o uso da máquina e da caneta na condição de candidato. Tenha santa paciência. Para isso há remédio. Basta se licenciar do cargo, como outros políticos em situação semelhante já o fizeram.

Eduardo Leite não é um nome a ser desprezado na disputa. Mas tem uma tarefa árdua pela frente. O primeiro passo é não enxergar no eleitor um idiota. Pedir desculpas e dizer que mudou de opinião seria mais digno. As pessoas têm memória. Outro desafio a ser enfrentado por Leite: uma campanha coloca o “ex-governador em exercício” em uma condição com a qual ele pouco lidou durante o governo. Com maioria na Assembleia Legislativa, foram raros os momentos em que ele foi confrontado. E quando isso ocorreu, não soube esconder a irritação. Refresco a memória do leitor com dois episódios: a gestão da pandemia, com lonas cobrindo prateleiras e gôndolas de supermercados, e quando quebrou a promessa de campanha (mais uma) de não prorrogar o aumento das alíquotas do ICMS. Se em 2018 Leite entrava com ares de novidade na disputa contra um José Ivo Sartori bastante desgastado, o tucano agora tem telhado de vidro. Existem pontos positivos a serem mostrados, mas há também erros, tropeços, equívocos. A campanha vai colocar Eduardo Leite diante dos seus fracassos e quebras de palavra.

Para completar, os dados do portal da transparência do Rio Grande do Sul revelam que, tão logo deixou o governo, o tucano passou a receber pensão por ser ex-governador, um privilégio derrubado pelo parlamento, mas que sobrevive graças a um parecer da Procuradoria-Geral do Estado (um desserviço).

O pagamento já virou alvo de questionamento judicial. O partido Novo ingressou com uma ação. Se o desfecho for o mesmo de outros Estados, a pensão está com os dias contados. Independentemente do desfecho legal, há uma questão moral: é justo pagar pensão para um governador (seja ele qual for), por ter cumprido um papel para o qual ele livre e espontaneamente se colocou à disposição? Leite poderá responder isso na campanha.


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