Memes pra que te quero

Memes pra que te quero

Jornalistas fazem confusão entre piadas e fatos

Guilherme Baumhardt

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Enquanto escrevo estas linhas, Jair Bolsonaro está na Rússia, cumprindo agenda, que incluiu uma reunião com o colega Vladimir Putin. Ainda em voo, o brasileiro fez uma postagem em uma rede social: “Já estamos no espaço aéreo russo. Fuso + 6 horas. Bom dia a todos”. E, logo abaixo, uma foto de uma televisão sintonizada em uma emissora a cabo, com a seguinte informação: “Rússia anuncia retorno de algumas tropas na fronteira”. Pronto. O terreno fértil e infinito para a produção de memes (piadas) estava preparado.

À tarde, #bolsonaroevitouaguerra era uma das hashtags mais compartilhadas na Internet. Brincadeiras e montagens passaram a circular em grupos de WhatsApp e Telegram. Vídeos do presidente russo com legendas em português faziam troça da situação. E o que fez o jornalismo profissional? Apressou-se em desmentir um... meme, uma brincadeira, uma piada!

Gente graúda, com currículo longo, que ocupa generosos espaços, em empresas de mídia consolidadas, resolveu juntar energia para desmistificar o “fato”. Correram para as redes sociais para dizer que aquilo era uma fake news (notícia falsa), quando na verdade não passava de uma gozação. O que me permite concluir que estamos diante da turma que se preocupa com a barata que está atrás da geladeira, mas não enxerga o elefante que está destruindo a casa.

Exagero? Vamos a alguns episódios recentes. Dentre aqueles que identificaram em uma piada uma ameaça que precisava ser neutralizada, há gente que acha normal e saudável o Tribunal Superior Eleitoral formalizar um acordo com oito grandes redes sociais – do Facebook, passando por Instagram e WhatsApp – tudo em nome de um pretenso combate às notícias falsas. Como se o TSE fosse uma espécie de arauto da verdade. Curioso é que o Tinder, que é quem verdadeiramente nos f... erra, não entrou no acordo. Ah, ele e o Telegram, que não cedeu e agora é visto como o inimigo a ser combatido.

Querem mais um exemplo? Lula está dizendo aos quatro ventos, para quem quiser ouvir: se for eleito vai retomar a ideia de “controle social da mídia”, que nada mais é do que o nome bonito e cheiroso para “censura prévia estabelecida por coerção estatal”. Simples assim. Quem disser o contrário está desinformado ou está no mesmo barco do mais recente beneficiado por decisão do STF. O assunto, inclusive, já foi manchete: “Lula falou ao menos nove vezes em regular a mídia depois que foi solto”.

Isso, sim, é grave. Isso, sim, é uma ameaça. Mas entidades ligadas ao jornalismo e alguns profissionais de imprensa estão mais preocupados em contar o número de palavrões ditos pelo atual presidente, durante entrevistas. Falta de educação? Sim. Aceitável? De jeito nenhum. Mas enquanto um me agride, o outro quer me calar. Qual é a verdadeira ameaça? Um plâncton acertaria a resposta.

Quem acompanha este espaço sabe que nutro zero simpatia pelas agências de fact checking. Há várias razões, mas a ojeriza vem especialmente das doses cavalares de pedantismo em algumas publicações, associada a uma certeza que essa turma tem de que somos todos idiotas. Sim, só isso para explicar que uma “checagem” (sim, entre aspas) consiga ouvir “especialistas” (sim, entre aspas de novo) que concordam todos com a tese que interessava naquele momento. São nossos semideuses da notícia.

Com o trabalho realizado por alguns colegas de profissão e de determinados veículos, fica cada dia mais difícil defender o jornalismo profissional. E, para alguns deles, o problema sou eu, que emito opinião em um... espaço de opinião! Para deixar essa turma ainda mais apavorada, farei agora uma revelação bombástica: eu sou pago para isso! “Oooooooohhhhhhhh!!!!!! Meu Deus!!!!!!” E eu respondo: Sim, sim, sim! Durmam com isso agora!


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