Nós merecemos

Nós merecemos

Ainda teremos que ‘devolver’ o dinheiro da corrupção

Guilherme Baumhardt

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Prepare o seu bolso, tire um extrato da conta corrente, veja o saldo que você tem na poupança. O dia está chegando. No país em que poste faz xixi no cachorro, jornalista apoia censura e juiz da Suprema Corte tem a certeza de que é Deus, estamos cada vez mais próximos do dia em que todos nós precisaremos fazer o que Deltan Dallagnol foi condenado a fazer: indenizar Lula por danos morais.

Se você contar isso em um país minimamente sério e não em uma república bananeira como o Brasil, ninguém acredita. Se você contar a história a um alienígena recém-chegado ao planeta Terra, ele dá meia volta, embarca no disco voador e dá no pé o mais rápido possível, com a certeza de que não há vida inteligente por essas bandas.

E não vamos parar por aí. Assim como as condenações – em uma, duas, três instâncias, por colegiados e por diferentes julgadores – foram atiradas na lata do lixo; assim como um procurador da República foi condenado a indenizar um sujeito metido até o pescoço em histórias com cheiro de latrina, sim, vai chegar o dia em que você será obrigado a pedir desculpas e nós – todos nós – iremos devolver o dinheiro que foi saqueado dos cofres de estatais e do governo, devolvido para nós após acordos com a justiça e que certamente voltará para quem aplicou um desvio no caminho da grana. Um dinheiro que não é público, como muitas vezes é dito. É dinheiro que tem dono. É meu, é seu, é nosso e vai parar nas mãos do governo via cobrança de impostos.

Sim. Porque se as condenações são anuladas, se quem investiga um suspeito de corrupção passa a ser o condenado, estamos a um passo de devolver o montante que foi mal havido. Quer dizer, permita-me uma correção: disseram que foi mal havido. Vamos ser prudentes.

De nada adiantou criar uma legislação específica, que instituiu a colaboração premiada. Quanto dinheiro jogamos no lixo custeando softwares que conseguem rastrear dinheiro em contas escondidas em paraísos fiscais, de recursos não declarados? E se contarmos os salários de procuradores do Ministério Público e de delegados da Polícia Federal, gente paga com o nosso dinheiro, e que muitas vezes dedicaram tempo e cabeça para aprimorar o conhecimento jurídico e enfrentar algumas das mais poderosas bancas de advogados do país? Tudo isso saiu do nosso bolso. E foi para o ralo.

A pergunta agora é: quem matou a Operação Lava Jato? Apontar o dedo para uma única pessoa talvez seja uma injustiça. Quem matou a maior operação de combate à corrupção do país foi você, que não soube votar direito. Você que elegeu um deputado ou senador frouxo, sem reserva moral, que se curvou porque tem o rabo preso. O culpado é você, que quando perguntado em quem pretende votar nas próximas eleições, responde “Lula” e confere ao sujeito 40% das intenções de voto.

Estamos diante de um enorme problema, só não sei exatamente qual. Se são casos de preguiça (gente que não quer trabalhar, pesquisar, descobrir em que vai votar), ou ainda uma estupidez patológica. Ou talvez uma ingenuidade coletiva, quem sabe? No último caso, é obrigação moral acreditar, também, no coelhinho da Páscoa, Papai Noel e Lobo Mau.

Talvez estejamos diante do maior e mais significativo caso de Síndrome de Estocolmo, em que um volume absurdo de pessoas resolveu se apaixonar pelo sequestrador que mantém uma nação inteira em cárcere privado, sob o seu jugo. Talvez sejamos bois de canga, acostumados a carregar uma carga pesada chamada Estado brasileiro. Tudo isso sem atentar para o poder que temos e para a força que adormece em nossos músculos.

No meio de tudo isso, convido aos que ainda não entenderam um princípio bastante básico: quanto mais Estado na sua vida, pior. Já será um bom começo. Estado gigante só é bom para quem está dentro dele. E são poucos.


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