Neocomunistas

Neocomunistas

Houve também uma estratégia clara durante a campanha de “esconder” o comunismo que está presente no nome do partido

Guilherme Baumhardt

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Durante a década de 1990, a esquerda brasileira enchia os pulmões para dizer, em tom crítico, a palavra “neoliberal”. Porque privatizou meia dúzia de estatais, Fernando Henrique Cardoso vestiu, para a esquerda, o uniforme do capeta e deu vazão ao uso da expressão. Muitos nem sabiam o que significava, mas se era para xingar FHC, bastava abrir a boca e lascar um “neoliberal” para cá, “neoliberal” para lá. Pronto. Criticamos o governo, missão cumprida. Era isso e o famoso “Fora, FMI!”.

Pois bem, se existem os neoliberais, permito-me usar a expressão “neocomunistas”. Mas quem ou o que seria um neocomunista? Talvez um comunista envergonhado. Ou ainda um comunista sabedor das atrocidades cometidas por regimes genocidas, todos eles ditatoriais, em que as liberdades individuais são tolhidas pela raiz e a miséria e a fome matam não milhares, mas milhões – Holodomor, na Ucrânia, é um bom ponto de partida, mas pode-se pesquisar também sobre a “Grande Fome de Mao”, na China.

Mas, sabedor disso, a neocomunista coloca um vestido em tom pastel, enquanto o neocomunista esconde a foice e o martelo. Ambos afirmam que o seu comunismo não será nem o de Cuba e nem o da (felizmente) extinta URSS, mas o “comunismo que nós iremos construir juntos”. Medo. É mais do que uma crença. É um comportamento que se assemelha ao de uma seita. É alimentar o imaginário de que, após sucessivas tentativas de enfiar os dedos na tomada, desta vez, por alguma razão, não virá uma descarga elétrica. Mas o choque vem. Ele sempre vem.

Em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), em 2018, Manuela D’Ávila desviou, fugiu, tergiversou. Perguntada sobre Josef Stalin era um cara bacana ou se Mao Tse Tung era um cara legal, deu uma volta. Foi a Cuba, passou pela Coreia do Norte, voltou e não trouxe na bagagem uma resposta objetiva. Falou sobre ser dirigente da sigla, sobre a construção partidária, as novas gerações, a participação feminina no PCdoB.

O apresentador do programa insistiu. E lá veio uma nova viagem, desta vez passando – e não enxergando – gulags, os campos de concentração soviéticos, o extermínio produzido pelo Khmer Vermelho, no Camboja, e outras atrocidades vermelhas. A resposta versou sobre a bomba atômica e um ciclo de guerras e mortes. Visivelmente contrariada, a então candidata à vice-presidente na chapa encabeçada pelo petista Fernando Haddad novamente deu sua visão de mundo, mas nem de longe respondeu objetivamente à pergunta feita pelo jornalista que ancorava o programa.

Trago o tema porque Porto Alegre escapou de uma experiência comunista. Não, Manuela prefeita não transformaria a capital do Rio Grande do Sul em uma Venezuela ou Argentina. Não teria poder para isso, não teria caneta para promover tamanho desastre. Mas aumentaria o tamanho do Estado, aumentaria a presença do poder público, centralizaria ainda mais o poder na administração estatal. Porque é assim que ela enxerga o poder.

O tema é pertinente porque houve também uma estratégia clara durante a campanha de “esconder” o comunismo que está presente no nome do partido. Seja pelo tom adotado no primeiro turno ou pelo material de propaganda. Mudar para renovar não é necessariamente uma tática nova. Quando o período militar encerrou no Brasil, a Arena (Aliança Renovadora Nacional) também mudou de nome, mais de uma vez – foi PDS, PPR, PPB e hoje é o PP, ou apenas Progressistas.

Se Manuela não endossa os horrores cometidos pelos comunistas, bastaria deixar isso bem claro na primeira oportunidade que teve de responder ao questionamento feito na entrevista mencionada acima. Se ela acha que comunismo é uma página virada, que faz parte do passado e que é uma experiência a não ser repetida, que troque de partido ou mude o nome da sigla, algo que muitos fizeram ao longo dos últimos anos – o PMDB voltou a ser MDB, o PFL virou Democratas, o PPS se transformou no Cidadania. Seria mais simples e mais correto.

Manuela tentou, mas não levou.


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