O mais novo cancelado

O mais novo cancelado

Será que não há uma boa dose de exagero no caso?

Guilherme Baumhardt

Após publicações nas redes sociais, diretoria do Minas Tênis Clube rompe contrato com o jogador

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Uma rede social e uma postagem. De um lado, a imagem de uma publicação na Internet sobre histórias em quadrinhos, em que o novo Superman aparece beijando um homem. E a manchete: “Superman atual, filho de Clark Kent, assume ser bissexual”. Ao lado, a mensagem do jogador de vôlei Maurício Souza, do Minas Clube e da Seleção Brasileira: “Ai, é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar...”. E o jogador Maurício é o mais novo “cancelado” da praça. Sob o argumento de homofobia (?), dois patrocinadores romperam contratos. O Minas Clube decidiu rescindir o vínculo com o atleta. Renan Dal Zotto, treinador da seleção brasileira, descartou convocar novamente o jogador e afirmou: “Não tem espaço para profissionais homofóbicos na seleção”. Será que não há uma boa dose de exagero no caso?

Não vejo problemas em um Superman bissexual. Ele poderia ser gay. Ou trans. Ou simplesmente ser hétero como sempre foi e virar um “homem do lar” e, assim, deixar de ser o salvador do planeta, delegando a outros a tarefa de combater o vilão Lex Luthor. Há na frase publicada pelo jogador de vôlei um convite para agredir gays, lésbicas ou transgêneros? Não. Existe uma grave ofensa? Não. O que existe é uma insatisfação, que poderia servir ainda como convite para um bom debate.

Debate, aliás, que não houve no caso da atleta trans Tiffany, que hoje atua no vôlei feminino com excelente desempenho, mas que antes, quando era Rodrigo, não se destacava na disputa do masculino. Por que será? Questionar o fato de que Tiffany cresceu e desenvolveu o corpo sob a batuta de hormônios masculinos, o que certamente conferiu a ela outra estrutura óssea e muscular, virou ofensa. Se homens e mulheres tivessem a mesma compleição física, não haveria necessidade, por exemplo, de alturas diferentes na rede, para ficar em um único exemplo – para os homens ela é posicionada quase 20 centímetros acima da rede feminina. A patrulha, que se diz feminista, tratou de barrar qualquer questionamento vindo de atletas mulheres. Saudável? Nem um pouco. Super heróis são consumidos não apenas por adolescentes, mas também por crianças. Será que todos têm, em casa, a bagagem necessária para assimilar a inovação? E, se em um determinado lar, por razões religiosas, por exemplo, uma mudança assim não fosse bem recebida? São alguns pontos que poderiam servir de arrancada para uma saudável discussão, jamais para um cancelamento.

Recentemente o prefeito de Londres, Sadiq Khan (esquerdista) e um defensor das causas LGBT, foi torpedeado por ter usado uma “bandeira errada”, ao se referir à cidade. No texto, Khan disse que Londres não é lugar para discriminação, mas na foto da postagem havia uma variação da tradicional bandeira do progresso, sem as cores que representam lésbicas. Pronto. Uma saraivada de críticas desabou sobre o sujeito. Um exagero, principalmente se levarmos em consideração justamente a mensagem do prefeito. O mundo não está se tornando um lugar chato, ele já virou. O que ocorre agora é um processo de transformação para algo insuportável. A mesma liberdade individual (e, também, sexual) que deve imperar, precisa existir também para a manifestação de opiniões, sem perseguição ou cancelamentos. Estamos diante de um processo de aceitação ou de patrulha? É uma questão de liberdades ou de revanche?

Alguns podem argumentar que héteros não sofrem perseguição ou discriminação. Será? Basta olhar para Maurício Souza. Perdeu contratos, perdeu o emprego e perdeu a vaga na seleção brasileira. Pode-se discordar veementemente do que escreveu o atleta. Mas a dose aplicada está pra lá de exagerada.

Ciência X “Siênçia”

No último dia 27, a revista Nature Medicine publicou estudo cujo título é, em tradução livre: “Não há relação causal no fechamento de escolas no Japão, na primavera de 2020, com a proliferação da Covid-19”. Como acontece na maioria dos trabalhos científicos, os autores reconhecem que o levantamento tem limitações, mas há método e há uma conclusão: “Ao comparar cidades que fecharam escolas com cidades que não adotaram a medida (...) não encontramos evidências de que o fechamento de instituições de ensino japonesas tenha reduzido os níveis de contágio”.

Mais ciência...

A pergunta óbvia: pesquisa e ciência valem também quando contrariam aquilo que a torcida organizada do vírus defende? Ou só vale quando há convergência com os adoradores da Covid-19? Outro estudo, também do dia 27, na Lancet concluiu: “Tratamento com fluvoxamina entre pacientes considerados de alto risco e com diagnóstico precoce de Covid-19 reduziu a necessidade de hospitalizações”.

Apressados

Os dois estudos acima mencionados são conclusivos? Não. E nem poderiam. É possível que sejam questionados por outras pesquisas? Certamente. Mas o que eles nos ensinam? Que a pressa dos afoitos em arrebentar com iniciativas que se mostraram promissoras pode ter levado a equívocos e (por que não?) mortes.


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