Sistema torto

Sistema torto

Depois de sucessivas gestões do mesmo grupo à frente da Ufrgs, há chance real de termos um novo nome na reitoria

Guilherme Baumhardt

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Imagine uma empresa em que os funcionários escolhem quem será o chefe. E agora me responda: qual a chance de isso dar certo? Mas responda com sinceridade, lembrando que chefiar significa cobrar os colaboradores, além de perseguir e atingir metas. E, ao mesmo tempo, representa para o funcionário o risco de perder o emprego, caso não esteja entregando aquilo que dele se espera: resultado. Chefe é, em essência, um chato. É o cara que cobra, que exige, que puxa a corda. Em muitos casos, o chefe é o dono do próprio negócio. Tendo isso em mente, retomo a abertura do texto e pergunto: qual o destino de uma empresa em que os funcionários escolhem o chefe? Provavelmente a ruína. Se isso soa absurdo, por que deveríamos enxergar isso como normal e aceitável, por exemplo, no caso das universidades federais brasileiras? Fica agora mais claro ver as distorções, inclusive sobre quem é o chefe neste caso.

Trago a pergunta porque temos uma muito provável ruptura no horizonte. Depois de sucessivas gestões do mesmo grupo à frente da Ufrgs, há chance real de termos um novo nome na reitoria da principal instituição de ensino superior do Rio Grande do Sul e uma das principais do país. Do que pude apurar, o nome do professor Carlos Bulhões só não é dado como certo porque o deputado federal Bibo Nunes resolveu entrar no circuito e capitalizar como conquista pessoal dele a eventual nomeação, que representaria o fim da gestão de Rui Vicente Oppermann, atual reitor e candidato à reeleição.

Aos que não conhecem o processo interno da universidade, explico. Uma consulta – que muitos teimam em chamar de eleição – é feita junto à comunidade acadêmica. Professores (com maior peso de voto), funcionários e alunos são ouvidos. Mas é um termômetro. É como se a universidade dissesse: “Olha, este é o nome que mais nos agrada”. Os nomes seguem para o chamado Conselho Universitário, que formaliza uma lista tríplice, encaminhada então ao Ministério da Educação, cabendo ao presidente da República a nomeação do futuro reitor. Qualquer um da lista pode ser o escolhido, não necessariamente o mais votado. Bulhões, dentro dos critérios atuais, ficou em terceiro. Mas diante das manifestações políticas das outras chapas, cresceu na parada e em prestígio junto ao governo federal. Não o chamaria de bolsonarista, mas é o que mais se afasta dos grupos de esquerda que existem na universidade, vários deles um tanto radicais. Alguns dirão que a vontade da universidade não foi considerada. É uma leitura e eu respeito. Outros dirão que é um exagero deixar nas mãos do presidente uma escolha deste tamanho. Será que este é realmente o problema?

Sistemas de consulta semelhantes existem em outros órgãos, como no Ministério Público, que faz um levantamento junto a promotores e procuradores antes de encaminhar a lista dos candidatos ao cargo. Não é uma regra, mas não são raras as vezes em que o mais votado é justamente o mais corporativista, o sujeito que faz campanha em prol dos seus pares, olhando muito mais para dentro do que para fora, quando na verdade quem paga a “fatura” e merece uma prestação de contas é a sociedade de maneira geral. Qual o modelo ideal? Isso é tema de discussão há muito tempo. A sugestão não é nova, mas no lugar de acreditar que o espírito de corpo é capaz de apresentar o melhor caminho, e ao mesmo tempo fugir de uma única e pesada caneta – a presidencial –, por que não delegamos a nossos deputados federais a escolha? Não todos, apenas os do estado em questão. Se o orçamento é federal, que a escolha recaia para eles. Se temos na figura presidencial a representação de apenas uma parte do eleitorado, um parlamento é mais plural. Há vencedores e derrotados na disputa para o Executivo, mas com cadeiras dentro do parlamento. Há gente de esquerda e de direita. E de centro. No caso de uma escolha errada, cobraríamos do parlamento.

Hoje, porém, o sistema é outro. Se Bulhões for mesmo o escolhido, há grandes chances de comer o pão que o diabo amassou. Não me surpreenderia com notícias de boicotes internos e fortes resistências de setores da Ufrgs. Espero – talvez ingenuamente – que a comunidade acadêmica tenha maturidade e saiba conviver com um professor que não era o favorito, mas que pode ser o escolhido dentro das regras do jogo – o que todos sabiam antes da disputa. Os desafios são grandes e ele terá uma boa dose de poder nas mãos, mas tanto ele quanto professores, alunos e funcionários devem resultado mesmo é para a sociedade, aos pagadores de impostos. Somos nós que pagamos a conta.


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