Trump tinha razão?

Trump tinha razão?

Verdadeiras democracias debatem sistema eleitoral

Guilherme Baumhardt

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Você provavelmente não lerá a notícia a seguir em boa parte da grande mídia brasileira, especialmente às portas de um processo eleitoral. O fato: a Suprema Corte do Estado de Wisconsin, nos Estados Unidos, conferiu aquela que pode ser a primeira de uma série de vitórias do ex-presidente Donald Trump e da tese defendida por ele de que o pleito norte-americano foi fraudado.

Antes de entrar no mérito, uma explicação: os Estados Unidos são verdadeiramente uma federação. As unidades que compõem o país possuem autonomia para decidir sobre um amplo leque de temas e assuntos, inclusive os mais polêmicos. Isso explica por que em alguns Estados há pena de morte e em outros, não; ou ainda, por que em alguns locais o consumo recreativo da maconha é livre e em outros segue proibido. Os legislativos locais ou as Supremas Cortes de cada Estado têm, de fato, poder. Por aqui, praticamente tudo é decidido em Brasília.

Voltando ao caso citado na abertura do texto. A Suprema Corte de Wisconsin decidiu que as urnas destinadas exclusivamente às cédulas de votação não poderão mais ficar do lado externo dos escritórios eleitorais. Trata-se de uma vitória dos conservadores (leia-se Partido Republicano). A decisão vai além: cédulas não devidamente identificadas devem ser ignoradas ou devolvidas ao remetente, que deverá fazer a entrega pessoalmente ao escritório eleitoral local. Durante a pandemia, o mecanismo – que já existia – foi ampliado e as “urnas da discórdia” foram espalhadas em várias unidades da federação.

Quem assistiu ao documentário 2000 Mulas (solenemente ignorado por parcela significativa da imprensa brasileira) sabe do escândalo revelado recentemente pelo filme do diretor Dinesh D’Souza. Aos que não viram: pessoas alinhadas ao partido Democrata (do atual presidente Joe Biden) teriam sido pagas para coletar e depositar ilegalmente votos nas tais urnas. As imagens mostram pilhas e pilhas de envelopes sendo transportados por pessoas usando luvas. Ou seja, não era o voto apenas daquele eleitor, mas sim uma infinidade de cédulas trazidas por uma única pessoa, que – pelo visto – não estava disposta a deixar rastros ou impressões digitais. Por quê?

Donald Trump e seu advogado, o ex-prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, não estavam malucos quando questionaram duramente o resultado do pleito de 2020. Com o caso tomando proporções gigantescas, Rudy sofreu uma espécie de retaliação: teve sua licença para advogar suspensa provisoriamente pela Justiça do Distrito de Columbia, em 2021. Talvez seja hora de pedir desculpas ao ex-prefeito.

Os mais afoitos podem usar o episódio como uma prova da vulnerabilidade do voto em papel e a uma garantia de que o sistema brasileiro é melhor e mais seguro. Calma. O voto em papel é passível de recontagem e, graças a outros instrumentos (como gravações, câmeras de segurança, entre outros), foi possível levar o debate adiante nos Estados Unidos. Além disso, o projeto de lei aprovado por aqui – que previa o voto impresso – em nenhum momento trata sobre um comprovante que o eleitor levaria consigo, no bolso, após a votação – uma narrativa furada e propagada por gente graúda, inclusive. Para usar o termo da moda, fake news.

O que o texto defendia era o aprimoramento da urna eletrônica, e não o seu banimento. Não custa lembrar que nossos equipamentos são antigos, de tecnologia defasada. “E ninguém mais as utiliza?”, perguntaria o leitor mais atento. E eu respondo que sim, duas potências democráticas (contém ironia): Butão e Bangladesh.

Por aqui, vemos um teatro. Edson Fachin, presidente do TSE, finge que quer a ajuda da inteligência das Forças Armadas, mas quando críticas e sugestões são feitas, a resposta é de que não há tempo hábil para alterar o sistema. É o que acontece quando se usa a barriga para empurrar uma ideia para a frente.

Volto a bater na tecla: debater e discutir um sistema eleitoral só é possível em países verdadeiramente livres e democráticos – caso dos Estados Unidos. O assunto é tabu e proibido apenas nas ditaduras, que promovem eleições fajutas, com cartas marcadas e com partido único.

A urna eletrônica brasileira inegavelmente trouxe avanços que vão além da velocidade de apuração. Mas ela não é perfeita. O voto é secreto, mas a contagem não. A Suprema Corte da Alemanha, por muito menos, baniu o sistema eletrônico dos processos eleitorais. O princípio é um tanto elementar: um sistema universal precisa ser de fácil compreensão e entendido por todos que dele participam. Não é o caso de um sistema exclusivamente eletrônico.


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