Vacina para a liberdade

Vacina para a liberdade

Não entoo o coro daqueles que veem com desconfiança a vacina chinesa

Guilherme Baumhardt

Profissionais de saúde decidiram se inscrever para fazer parte da pesquisa

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O movimento antivacina é uma das maiores estultices vistas no mundo nas últimas décadas. É um disparate porque ignora evidências históricas, de doenças que foram erradicadas ou praticamente eliminadas em determinadas regiões do planeta, especialmente em locais que promoveram grandes campanhas de vacinação e conscientização. É também absurda pois cresceu ancorada em uma premissa equivocada, a de que uma determinada vacina, a tríplice viral, teria potencial para desencadear o transtorno do espectro autista em crianças, algo que já foi colocado por terra há anos. O leitor agora se pergunta: então o colunista é a favor da vacinação obrigatória? Claro que não. É possível defender a vacina sem defender que ela seja obrigatória. Isso é feito com argumentos, com história, com pesquisa, com evidências. É igualmente possível identificar uma estupidez no movimento antivacina e ao mesmo tempo ser contrário à vacinação compulsória, uma decisão arbitrária e totalitária.

O governador de São Paulo, João Doria Jr., revelou um lado autoritário. Disse com todas as letras que, no território paulista, a imunização contra o coronavírus será obrigatória. Se Doria pretende expor o traseiro ou o braço a uma seringa com a Coronavac, ele que o faça. Mas não queira que pessoas sejam compelidas a fazer o mesmo, sem liberdade de escolha ou poder de decisão sobre a própria vida. Não entoo o coro daqueles que veem com desconfiança a vacina chinesa. Entendo aqueles que pensam assim, mas há organismos sérios mundo afora – o Instituto Butantan entre eles – testando e desenvolvendo a vacina, o que confere a ela credibilidade e segurança. Confere ainda aos usuários a tranquilidade desejada para receber a dose, garantir a imunidade contra a Covid-19 e ao mesmo tempo não correr o risco de reações adversas graves – até aqui todas dentro de um grau de aceitabilidade, como alguma dor ou inchaço no local.

Se a Coronavac parece ser segura, qual o problema da obrigatoriedade? Ignorem a vacina chinesa e pensem na opção russa, que não foi devidamente testada e já começou a ser aplicada à população, após determinação do presidente (ditador?) Vladimir Putin. Imagine batendo à porta da sua casa dois agentes do governo, um deles com uma seringa na mão, o outro com uma mordaça. E você sem ter para onde ir ou correr. Agradável? Não. Em um exemplo extremo é exatamente isso que propõe o governador de São Paulo. Depois deste absurdo, vem a segunda pergunta: como será feita a fiscalização dos que fizeram e dos que não fizeram a vacina?

Para fins de reflexão esqueça o coronavírus, esqueça a vacina. Situação hipotética: há uma epidemia de obesidade e o poder público decreta que estar acima do peso é um problema grave de saúde pública. O governo, então, define que gordos serão obrigados a usar sibutramina (poderia ser qualquer outra substância), queiram ou não. Mas o governo quer. E quer para o seu bem. Onde fica a liberdade individual, de fazer o que se quer com a própria vida? Se você adora costela gorda, come churrasco dia sim e outro também, não faz exercícios e sabe que, agindo assim, está fadado a enfartar aos 50 anos, ainda é livre para isso, mesmo que reconheçamos se tratar de uma estupidez. Ou seja, em última análise estamos tratando de... liberdade. Há ainda um ponto fundamental, uma espécie de xeque-mate. Se você é a favor de vacinas, vai buscar a imunização por livre e espontânea vontade, porque confia no caráter preventivo que elas conferem, mas ao mesmo tempo acredita que ela precisa ser obrigatória, então, sinto dizer, você não acredita em vacinas. No lugar da imposição e da obrigatoriedade, utilizemos outra arma: argumentos.


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