“Viva o SUS!”

“Viva o SUS!”

Pergunte para o sujeito que vive defendendo a “educação pública, gratuita e de qualidade” onde o filho ou filha dele estuda

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É a legenda padrão de muitas fotos postadas em redes sociais, eternizando o momento da aplicação da vacina contra o coronavírus. É compreensível. Quem recebe a dose entra numa nova fase, de mais segurança. É uma espécie de volta ao passado, mas com os olhos no futuro. É a possibilidade de voltar a fazer coisas que, de uma hora para outra, ficaram proibidas. Não condeno. E sei que muitos dos que o fazem realmente dependem do Sistema Único de Saúde. Minha bronca é com a “patota consciente”.
“Viva o SUS!”. É o que escreve o sujeito que tem 61 anos, pode fazer home office e paga plano de saúde para ele e família. Que bom! Ele não conta, porém, que poderia pagar por uma dose, mas é contra a entrada do sistema privado na oferta de imunizantes. Ele parece ignorar também que o seu João e a dona Maria, que dependem do SUS, não têm comorbidades e são pouco mais jovens, ainda não foram vacinados. Diferentemente do nosso “pateta consciente”, eles não podem fazer home office. Ele é pedreiro, ela é manicure.


“Viva o SUS!”, posta orgulhoso o sujeito que, quando precisou de atendimento de emergência, ficou feliz por ter recebido atendimento em um hospital de ponta, sem precisar pegar senha, ficar na fila e exposto a eventuais intempéries. Por alguma razão desconhecida, na época ele não fez selfie e postou nas redes sociais a foto com a legenda “Viva o plano de saúde!”.


Minha crítica não vai a quem pode pagar para ser atendido na rede privada. Felizmente eu e minha esposa temos condições de garantir isso para nós e nossa filha. O que me irrita profundamente são altas doses de hipocrisia, vinda de pessoas que na ânsia pela lacração resolvem esquecer que vivem em condições diferentes – e muito melhores – do que a maioria da população. É o sujeito que faz turismo na “comunidade”, que acha bacana subir o morro em uma excursão, para conhecer aquele mundo tão pitoresco para ele. Embarca em um veículo com todo o conforto, com motorista e segurança, e faz uma incursão em uma favela como se estivesse fazendo um safári. No lugar de leões e elefantes, estão pessoas com uma infinidade de carências. Quantos saem dali dispostos a ajudar? Quantos pensam em fazer alguma caridade para ajudar uma população para a qual falta quase tudo? Na periferia, favela ou “comunidade” não têm esgoto, não têm educação, não têm segurança. A população é refém da criminalidade ali instalada – sejam traficantes, sejam milicianos. E quando a polícia (a boa polícia) faz alguma coisa, troca tiros com a bandidagem, é recebida a bala, bem, aí o nosso “ativista consciente” vai para a rede social bradar contra a “chacina” – ignorando os antecedentes dos mortos.


Pergunte para o sujeito que vive defendendo a “educação pública, gratuita e de qualidade” onde o filho ou filha dele estuda. Ah! Não se surpreenda se receber como resposta uma lista com as melhores instituições privadas da cidade, reconhecidamente centros de excelência de ensino – por mérito e esforço daqueles que ali trabalham –, formando jovens que ocuparão no futuro as vagas das melhores universidades do país e do mundo. Mas como?!
Não espere coerência desta turma. Mas espere bastante lacração, bastante ativismo. Espere também uma batalha permanente por mais e mais Estado, apesar de sempre fugirem dos serviços oferecidos pelo mesmo Estado tão defendido por eles.


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