A agrura da Argentina

A agrura da Argentina

Situação econômica no país vizinho totalmente dolarizado está em crise

Jurandir Soares

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Se a situação econômica no Brasil não é das melhores, na Argentina está muito pior. Isto por um detalhe básico: a economia do vizinho país é totalmente dolarizada. E se aqui o dólar americano está batendo nos R$ 5,60, na Argentina o oficial, chamado de mayorista, está em 110 pesos. Porém o paralelo, que eles chamam de blue e que é o mais usado, está em 196 pesos. Soma-se a isto uma inflação de 50% e um quadro de queda extraordinária do poder aquisitivo e aumento da pobreza. Hoje, o país que já teve níveis socioeconômicos semelhantes aos mais desenvolvidos da Europa, vê cerca de 30% de sua população mergulhar na pobreza absoluta. E a outrora pujante Buenos Aires vê as favelas proliferarem.

Os argentinos já viveram durante algum período a ilusão de que sua moeda valia o mesmo que a americana. Era o famoso tempo em que eles vinham veranear em praias catarinenses e tornaram marcante a expressão “dá-me dos”. O ex-presidente Carlos Saul Menem, falecido em fevereiro último, foi o responsável pela maior ilusão vivida pelos argentinos nas últimas décadas. Para controlar a inflação, que chegara a 764% em maio de 1989, decidiu estabelecer uma paridade do peso com o dólar. Assim, artificialmente, um peso passou a valer o mesmo que um dólar. Se por algum tempo foi possível viver sob essa condição, o preço pago a seguir foi alto. Como se tornou muito barato importar tudo que se precisava, a já frágil indústria argentina entrou em completa decadência. Quando Menem deixou a Casa Rosada, em 1999, a recessão já havia se instalado e ganharia força nos anos seguintes. O caminho iniciado pelo peronista terminaria em uma fogueira política e social que obrigaria o sucessor Fernando de la Rúa a fugir de helicóptero, abandonando o poder. A impopularidade de medidas econômicas como a do corralito, sequestro de poupanças e contas de milhões de argentinos, e da maxidesvalorização do peso levaram a grandes protestos de rua, nos quais confrontos entre forças de segurança e manifestantes causaram a morte de 39 pessoas. Assim, no período de um mês, os argentinos tiveram sete presidentes.

Se naquela ocasião o impacto maior foi para a já sucateada indústria argentina, em tempos dos governos Kirchner o golpe foi para o carro-chefe da economia argentina, o agronegócio. Para manter baixo internamente o preço da carne, o governo taxou as exportações do produto. Resultado: com o preço mais alto no mercado internacional, a carne argentina perdeu seu lugar de liderança, sendo desbancada pelas concorrentes brasileira e uruguaia. O atual governo de Alberto Fernandez, na tentativa de conter a alta de preços, determinou o congelamento dos preços de 140 produtos. Uma medida que já foi praticada por aqui nos tempos do governo Sarney e a gente viu no que deu.

Diante deste atual momento de disparada do dólar por lá e por aqui, torna-se cada vez mais caro viajar para o exterior. Porém, para nós, brasileiros, a Argentina passa a ser uma possibilidade. E a propósito, o país vizinho acaba de reabrir as fronteiras para brasileiros. De olho, logicamente, no turismo, o governo argentino até já acenou com uma conta bancária para o turista, enquanto este estiver no país. A intenção seria comprar o dólar do turista por um valor, hoje, em torno de 180 pesos e dar-lhe um cartão de crédito. Uma forma de tornar legal, pelo menos uma parte da moeda que circula pela informalidade. Tudo como forma de tentar amenizar a agrura pela qual passam os argentinos.

 


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