Golpe na democracia americana

Golpe na democracia americana

Trump convocou seus adeptos a obstruir a confirmação da vitória de Biden

Jurandir Soares

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Não se tem notícia, pelo menos em tempos recentes, de algum cidadão norte-americano que tenha causado tanto mal à democracia de seu país como o presidente Donald Trump. Não bastasse a forma truculenta com que governou, culmina seu mandato como um péssimo perdedor. Sua contestação inicial a alguns dos procedimentos eleitorais que não estavam corretos é parte do jogo. Porém, na medida em que as autoridades eleitorais julgaram que os desvios constatados não eram grandes o suficiente para alterar o resultado, Trump já deveria ter se calado. O que fez, no entanto, foi continuar com fortes denúncias de que fora vítima de uma eleição fraudulenta, mas sem apresentar uma única prova sequer. E mesmo diante da advertência de algumas figuras de proa do Partido Republicano de que deveria reconhecer a vitória de seu opositor Joe Biden, não o fez.
Trump teve oportunidade de mudar sua postura no dia 14 de dezembro, quando o Colégio Eleitoral se reuniu para apresentar os resultados das votações nos 50 estados norte-americanos, que deram a vitória a Joe Biden. Não só não o fez, como seguiu com suas contestações e ameaças, como fez, já no início deste ano, ao secretário de Estado da Georgia, exigindo que agisse no sentido de reverter o resultado daquele estado. Um estado tradicionalmente republicano, mas onde ele perdeu. Resultado: começou a ser abandonado por gente importante como o líder dos republicanos na Câmara, Mitch McConnell.

Mas Trump teria ainda um golpe mais forte à democracia da maior potência do mundo. Convocou seus adeptos a irem a Washington para protestar no dia em que o Congresso se reunia para, em cumprimento às normas eleitorais do país, referendar o nome de Joe Biden como futuro presidente. A baderna que provocaram, com violenta invasão do Parlamento, foi um ato que normalmente acontece em republiquetas. Não bastassem os distúrbios e a destruição do patrimônio público, ainda ficou o registro de pelo menos cinco mortos em função dos incidentes. A partir daí incrementou-se a debandada de integrantes do governo, cujas figuras de maior expressão foram as secretárias dos Transportes, Elaine Chao, e da Educação, Betsy Devos. Sem contar vários integrantes dos serviços de segurança e de outros setores.

Os desmandos do presidente abriram caminho para que a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, invocasse a 25ª Emenda para pedir a destituição de Trump por incapacidade para o cargo. E, enquanto o Congresso referendava a vitória de Biden, vinha a informação de que o Partido Democrata ganhara os dois cargos de senador que estavam em disputa na Georgia. Com isto, o partido, que já tinha maioria da Câmara dos Representantes, fica com maioria também no Senado. Serão 50 senadores para cada lado, porém, como a vice-presidente Kamala Harris será também a presidente do Congresso, o seu voto, logicamente, será democrata.
Assim, Trump consegue a façanha de ser o primeiro presidente dos Estados Unidos, desde 1932, a perder a Casa Branca e ambas as casas do Congresso em apenas um mandato.


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