Sistema cubano se esgota

Sistema cubano se esgota

Descontentamento é generalizado na população da ilha caribenha em relação ao governo

Jurandir Soares

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A revolução cubana liderada por Fidel Castro criou uma aura romântica que encantou as esquerdas por todo o mundo. Criou-se ali a ilusão de que a população de um país poderia viver em boas condições, com igualdade e com tudo fornecido por um Estado provedor. Longe da exploração capitalista. Esta aura foi mantida por muito tempo, não graças a um estado autossuficiente para prover sua população, mas graças à ajuda vinda do exterior. E esta, até 1991, veio da União Soviética. Depois veio da Venezuela, porém não durou muito, porque aquele país também se esvaiu ao adotar um regime semelhante ao de Cuba.

A sobrevivência passou a ser a associação com o até então detestável capitalismo. Aproveitando-se da possibilidade e do enorme potencial turístico da ilha, grandes redes hoteleiras resolveram lá se estabelecer. Estas fizeram acordo com o governo, gerando recursos para o país com a atividade turística. O governo passou a fornecer os funcionários para a rede hoteleira, mas mantendo seu sistema explorador. Ou seja, cobrando 600 dólares por mês por cada funcionário e repassando para o mesmo 30 dólares. Essa associação vinha funcionando razoavelmente até vir a pandemia. Aí os problemas, que já não eram poucos, se agudizaram. Alimentos e medicamentos se tornaram escassos. A energia passou a ser racionada, a Covid-19 se espalhou e o sistema médico entrou em colapso. Neste meio tempo os cubanos já estavam se conectando pela Internet que, embora precária no país, os colocava a par do que estava acontecendo pelo mundo. Especialmente o mundo livre. E eles passaram a perceber o que é liberdade. E, como consequência, a clamar por ela.

E esse grito surgiu porque se deram conta de que vivem em uma ditadura. Uma ditadura de esquerda tão igual quanto foi a ditadura de direita de Pinochet no Chile, a qual é lembrada como sanguinária. E, por acaso, a de Cuba também não foi? Ou não se lembram de “el paredón”. Para onde foram mandados à execução milhares de contestadores do regime. Che Guevara, ídolo da esquerda, mas outro executor de dissidentes, se ufanou em dizer em plena assembleia geral da ONU que o seu governo executava quem se opunha ao regime.

Da mesma forma como é dito pelo ditador da Venezuela Nicolás Maduro, tudo que acontece no país é culpa do “imperialismo yankee”. São as queixas contra o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos, que estaria sufocando o país. No entanto, a ONU registra 193 países membros. Portanto, sobram 192 para negociar. Acusam ainda que a mobilização pela Internet também é coisa dos EUA. Mas, como disse Doug Madory, diretor de análise da empresa de tecnologia Kentik: “Alguém manda um tuíte nos Estados Unidos e as pessoas vão para as ruas de Cuba protestar?”. É claro que alguma coisa deve partir do território norte-americano, onde há um contingente enorme de cubanos fugidos de seu país para não passar uma vida miserável. Aliás, são esses que ainda fazem entrar algum dinheiro em Cuba ao mandar ajuda para seus familiares. Nada disso, no entanto, teria resultado se não houvesse um descontentamento generalizado da população cubana.

Como Cuba já vinha num processo de certa flexibilização nos negócios, tendo admitido a compra e venda de imóvel e a abertura de pequenos empreendimentos, supunha-se que o novo dirigente Miguel Díaz-Canel fosse flexibilizar ainda mais. No entanto, para mostrar pulso firme perante os seus parceiros de Partido Comunista, resolveu endurecer mais o sistema. O resultado é este que se está vendo. O sistema se esgota e, a não ser que ache um caminho semelhante ao encontrado pela China, o que é pouco provável, marcha para o seu fim.

 


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