11 de setembro de 2001: Há 20 anos, o mundo parava

11 de setembro de 2001: Há 20 anos, o mundo parava

Quatro aviões foram sequestrados nos Estados Unidos e dois deles foram jogados contra as Torres Gêmeas, em Nova Iorque

Por
Laura Bonilla, Catherine Triomphe e Peter Hutchison / AFP

Era uma perfeita manhã ensolarada de verão em Nova Iorque, com céu totalmente limpo. Mas em questão de minutos, o 11 de setembro de 2001 se tornaria o dia mais obscuro da maior cidade dos Estados Unidos, com os brutais atentados coordenados que deixaram quase 3 mil mortos e mudaram o rumo da história.

Pouco antes das 8h, 19 jihadistas, a maioria da Arábia Saudita, embarcaram em quatro aviões nos aeroportos de Boston, Washington e Newark. Levavam facas, então permitidas se a lâmina fosse menor que 10 cm. No sul de Manhattan, trabalhadores já estavam em seus escritórios em Wall Street, onde ficavam as Torres Gêmeas de 115 metros de altura, quando, às 8h46min, o voo 11 da American Airlines, que tinha decolado de Boston com destino a Los Angeles, sequestrado por cinco jihadistas, se chocou entre os andares 93 e 96 da torre norte.

Os 87 passageiros e tripulantes morreram na hora, assim como centenas das 50 mil pessoas que trabalhavam no World Trade Center (WTC), símbolo do poderio econômico americano. Muitos ficaram presos no 91º andar, sem acesso às escadas de emergência.

Joseph Dittmar, um especialista em seguros radicado em Chicago, estava a essa hora em uma reunião com dezenas de corretores de seguros de todo o país no 105º andar da torre da frente, o edifício sul do WTC. Ninguém “viu nada, nem sentiu nada, só a luz falhou”, contou Dittmar à AFP quase 20 anos depois.

Às 8h50min, o então presidente George W. Bush, em visita a uma escola de ensino fundamental de Sarasota, no estado da Flórida, foi alertado do que se assumiu inicialmente como um acidente.

Dittmar contou que, após um chamado para evacuar a torre sul, todos desceram ao 90º andar e, ao olhar pela janela, ficaram assustados. “Foram os piores 30, 40 segundos da minha vida (...) Ao ver esses enormes buracos negros no edifício, labaredas vermelhas como nunca tínhamos visto nas nossas vidas, colunas de fumaça cinza e preta que escapavam desses buracos”. “Vimos móveis, papéis, gente que se atirou no vazio (...) Coisas assustadoras, terríveis. Senti muito medo”, lembrou, entre lágrimas. Estima-se que entre 50 e 200 pessoas tenham pulado ou caído das duas torres. Dittmar decidiu evacuar o prédio pela escada, decisão que salvou sua vida.

O chef Michael Lomonaco saiu do centro comercial subterrâneo do WTC e viu, horrorizado, a torre norte em chamas. Ele tinha decidido de última hora passar em uma ótica para trocar as lentes de seus óculos, antes de subir para o trabalho, no 107º andar dessa torre, onde ficava o famoso restaurante Windows on the World. “Podia ver as pessoas agitando toalhas de mesa brancas das janelas” do restaurante, lembra. “Via toalhas de mesa e guardanapos, era terrível, terrível”. Assim como Dittmar, ele pensou que se tratasse de um acidente. 

“Em algum momento, entre os andares 74 e 75”, a caixa da escada “começou a oscilar violentamente, os corrimãos se desprenderam da parece, as degraus ondularam debaixo dos nossos pés como ondas em um oceano, sentimos uma parede de calor, sentimos cheiro de combustível”, lembra Dittmar. Eram 9h03 e o voo 175 da United Airlines com 60 passageiros e tripulantes, que tinha decolado de Boston com destino a Los Angeles tinha acabado de colidir contra os andares 77 e 85 da torre sul do WTC, justo acima deles, provocando uma explosão gigantesca. Muitas pessoas que estavam desocupando o edifício ficaram presas nos elevadores e acima do 85º andar.

“Os Estados Unidos estão sob ataque”, sussurra no ouvido de Bush seu chefe de gabinete, Andrew Card.

Ao chegar ao 31º andar, Dittmar e um punhado de companheiros de infortúnio encontraram bombeiros e socorristas que corriam escadas acima. “Seus olhares demonstravam, sabiam que não voltariam”, diz. Dittmar demorou cerca de 50 minutos até chegar ao térreo e depois caminhou na direção norte com um colega em meio aos escombros quando de repente ouviu o barulho ensurdecedor do desmoronamento da torre sul às 9h59. Quase instantaneamente, ouviu-se “o grito de dezenas de milhares de pessoas” em pânico, testemunhas da tragédia transmitida ao vivo pela TV para todo o mundo.

"Não posso acreditar que vou morrer assim"

Na manhã do dia 11 de setembro, dois aviões atingiram as duas torres do World Trade Center, que posteriormente desabaram. Foto: Henny Ray Abrams / AFP / CP

Al Kim, um paramédico de 37 anos que se preparava para receber os feridos no hotel Marriott, em frente ao WTC, quando ouviu um ruído estrondoso e se atirou debaixo de uma caminhonete estacionada sob uma ponte para se proteger. A torre sul desabou em dez segundos, matando mais de 800 civis e socorristas que estavam na área. A nuvem de poeira era tão grande que Kim ficou na escuridão total. “Não posso acreditar que vou morrer assim”, pensou. Quando conseguiu sair dali, “tão longe quanto a vista alcançava, a devastação era total”, lembrou.

"Não conseguia respirar de tão ácido que o ar era. Lembro de usar minha camiseta para tapar a boca. Não conseguia ver minhas mãos junto ao meu rosto", contou à AFP quase 20 anos depois daquele dia, ao percorrer, emocionado, pela primeira vez, a esplanada do Museu e Memorial do 9/11, perto da ponte que podia ter desmoronado, mas se manteve firme e salvou sua vida.

Com os olhos feridos, sobrancelhas e vias respiratórias queimadas e o corpo encoberto por uma grossa camada de cinzas, ele ouviu a voz de dois colegas, os localizou e os três se deram as mãos. Assim avançaram na escuridão total, entre escombros e chamas. Eles escutavam alarmes que soavam sem parar. Não sabiam ainda, mas eram os sensores de dezenas de bombeiros soterrados sob os escombros, que se ativam quando não há movimento durante um certo tempo.
Meia hora antes, às 9h30min, já informado do ataque contra a segunda torre, Bush qualificou os atentados de “tragédia nacional”. “O terrorismo contra nossa nação não prevalecerá”, disse.

No Pentágono, o quartel-general do Departamento de Defesa, situado no condado de Arlington, Virgínia, a especialista em relações com a imprensa do exército Karen Baker, então com apenas 33 anos, já sabia que o ocorrido no WTC era um ataque e não um acidente, mas se sentia “no lugar mais seguro do mundo”. Ela caminhava da cafeteria do Pentágono até seu escritório quando o voo 77 da American Airlines, que tinha decolado do aeroporto de Washington Dulles rumo a Los Angeles com 59 passageiros e tripulantes a bordo, sequestrado por cinco jihadistas, se chocou com a fachada oeste do prédio de concreto reforçado. Eram 10h15min. “Foi uma explosão forte e logo sentimos um tremor”, lembra. “Pensamos então que fosse uma bomba.”

Uma batalha no céu

Às 9h58min, Edward Felt, passageiro do voo 93 da United Airlines que tinha decolado de Newark, Nova Jersey, com destino a San Francisco, consegue se trancar no banheiro e ligar para o serviço de emergência 911 para denunciar que seu avião tinha sido sequestrado por quatro jihadistas que tomaram a cabine e desviaram a aeronave para Washington DC. Aquele foi um dos últimos dos 37 telefonemas feitos por celular por passageiros e tripulantes a familiares do avião sequestrado.

Outro passageiro, Jeremy Glick, conseguiu explicar à esposa em terra que os passageiros votaram e decidiram invadir a cabine, mas que aguardavam sobrevoar uma área rural para agir. “Estão prontos? Vamos”, diz outro, Todd Beamer, enquanto fala por telefone com um interlocutor em terra. O confronto foi breve: cinco minutos depois do telefonema de Felt, às 10h03, o avião caiu a 900 km/h em uma colina arborizada perto da pequena comunidade de Shanksville, na Pensilvânia, a 20 minutos da capital americana.

Gordon Felt, irmão de Edward, estava no campo, ao norte de Nova Iorque, trabalhando em uma colônia para jovens autistas. Quase 20 anos depois, no local onde o avião caiu e onde foi construído um memorial em um parque imenso, ele lembra que, quando soube que Edward estava no avião sequestrado, deixou uma mensagem na secretária eletrônica do seu celular. “Ed, quando pousar ligue para nós, estamos nervosos.” Horas depois, sua cunhada ligou para lhe dizer que não havia nenhum sobrevivente e pediu a Gordon para dar a terrível notícia à sua mãe.

Às 10h28 a torre norte do WTC, envolta em chamas por 102 minutos, desabou. O então prefeito de Nova Iorque, Rudy Giuliani, pedia calma na área dos ataques e ordenava que a população evacuasse o sul de Manhattan às 11h02. Milhares de moradores e trabalhadores da área começaram, então, a marchar a pé durante horas por ruas e rodovias rumo ao norte de Manhattan ou cruzando pontes até o Brooklyn. Dezenas de ferry boats, iates e barcos pesqueiros se uniram ao resgate para evacuar centenas de milhares de pessoas pelo rio Hudson até Nova Jersey.

Às 12h16 as autoridades decretaram o fechamento do espaço aéreo após retirar do céu americano mais de 4,5 mil aviões.

Durante várias horas, os socorristas e os bombeiros se apressaram por encontrar sobreviventes dos atentados em meio aos escombros. Al Kim e outros socorristas conseguiram salvar o bombeiro Kevin Shea, soterrado sob os escombros e gravemente ferido. Ele foi o único sobrevivente dos 12 bombeiros de sua brigada.

Por volta das 12h30min, um grupo de 14 pessoas foi resgatado da torre norte, onde ficou protegido por um pedaço de escada que milagrosamente não desabou. O último resgate bem sucedido ocorreu ao meio-dia de 12 de setembro.

O chef Lomonaco tentou fazer uma lista dos funcionários que estavam no restaurante no momento da tragédia. Muitos não responderam. Depois de vários dias, ele soube que eram 72 de um total de 450. Nenhum sobreviveu.

Fugir de Manhattan

A fumaça e os gases liberados durante o incêndio e a queda das Torres Gêmeas deixaram graves sequelas nos sobreviventes. Foto: Doug Kanter / AFP / CP

Bush foi retirado da escola da Flórida e levado para a base aérea de Barksdale na Louisiana (sul) às 13h04, e colocou as forças armadas em “estado de alerta máximo”. Mais tarde, foi transferido para outra base aérea em Nebraska (centro), e finalmente foi autorizado a voltar para a Casa Branca, em Washington DC, às 19h. Seu vice-presidente, Dick Cheney, que estava na Casa Branca quando os ataques ocorreram, foi evacuado da residência presidencial pela manhã e levado para um bunker.

Dittmar, que encontrou refúgio no apartamento de uma amiga, só pensava em ir embora de Nova Iorque. Finalmente, conseguiu pegar um metrô no fim da tarde - a circulação foi retomada após paralisação total de uma hora e meia - e chegar à estação ferroviária Penn Station, onde comprou uma passagem para a Pensilvânia, onde moram seus pais.

No trem, todo mundo estava em silêncio, ninguém dizia uma palavra. Quando Dittmar chegou à casa da família às 19h, sua mãe o abraçou e acariciou seus cabelos. "Era exatamente disso que precisava naquele momento." Exausto, ele perdeu o discurso de Bush às 20h30, que anunciava um balanço provisório de "milhares de mortos". Finalmente, seriam 2.753 vítimas em Nova Iorque, 184 no Pentágono e 40 em Shanksville.

Ao chegar em casa naquela noite, após cruzar uma Washington isolada pelas forças de ordem, Karen Baker começou a digerir a enormidade do ocorrido, ao abraçar seu marido e os dois filhos pequenos. “A pura tensão os tinha levado ao limite e estavam chorando. Desmoronaram. Isso foi realmente duro de ver”, contou.

O paramédico Al Kim permaneceu entre os escombros das torres até a noite, quando uma ambulância o levou até seu trabalho no Brooklyn. Ele dirigiu para casa ainda coberto de poeira dos pés à cabeça por ruas completamente desertas, com as luzes de emergência no teto do carro para que não fosse parado pela polícia. Ao chegar, se emocionou. “Era muito tarde, no meio da noite. Tomei um banho. E no dia seguinte, cedo pela manhã, estava de volta. Tinha muito o que fazer e muitos funerais para ir.”

Imigrantes esquecidos

Às 7h de 15 de setembro de 2001, Lucelly Gil adentrou a imensa nuvem de poeira tóxica produzida pelo desmoronamento das Torres Gêmeas. A partir daquele momento, ela recolheria escombros até 12 horas por dia, diariamente, durante seis meses. Hoje, duas décadas depois, esta colombiana de 65 anos vive sem documentos, com as sequelas daquele trabalho: é sobrevivente de um câncer de mama - um dos mais frequentes entre as mulheres que estiveram no local dos atentados -, tem um braço inutilizado que lhe causa tanta dor que a faz chorar todos os dias e sofre de depressão.

Durante oito meses após os atentados, dezenas de milhares de pessoas - muitas delas imigrantes - limparam o Marco Zero, onde ficava o World Trade Center, esvaziaram e demoliram outros edifícios danificados e retiraram 1,8 milhão de toneladas de escombros da área em troca de 7,5 a 10 dólares a hora, um salário apenas pouco acima do mínimo na época.

Eles não sabiam, mas a exposição ao amianto e outros materiais tóxicos, como o chumbo, lhes causaria câncer, asbestose e um sem-fim de doenças respiratórias, além de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão. “Não gosto de lembrar os aniversários do Marco Zero (...) Sinto que estou retrocedendo”, diz Gil, chorando, em uma sessão recente do grupo de apoio a faxineiros latinos do 11 de setembro Fronteiras da Esperança, que ainda se reúne ocasionalmente no distrito do Queens. Ela lembra que depois de trabalhar tantas horas, às vezes encontrando restos humanos, “ia para casa e pensava que ainda estava limpando”.

Gil ainda sonha em se tornar residente legal nos EUA como prêmio por este trabalho que a deixou incapacitada pelo resto da vida. Um ex-representante democrata de Nova Iorque chegou a apresentar um projeto de lei neste sentido em 2017, mas nunca foi debatido no Congresso.

“É uma injustiça que as pessoas que limparam não tenham documentos porque perderam o mais precioso, que é a saúde”, diz Rubiela Arias, de 57 anos, colombiana que trabalhou no local. Arias, que luta há anos pela legalização dos hispânicos que limparam “o gigantesco cemitério” do Marco Zero, sofre de doenças respiratórias e estomacais, além de estresse pós-traumático e outras doenças mentais.

Mais de 2 mil pessoas, entre pessoal de limpeza, socorristas e policiais, morreram de doenças vinculadas ao 11 de setembro, segundo o fundo federal de indenização às vítimas. Nos últimos anos, muitos faxineiros em situação ilegal, alguns doentes, foram deportados, diz a assistente social Rosa Bramble, que desde 2010 lidera o grupo Fronteiras da Esperança. Outros voltaram para morrer em seus países porque estavam doentes e não podiam trabalhar. “Aqui não conseguiam pagar aluguel”, diz ela, que é professora da Universidade de Columbia. A maioria dos faxineiros do 11/9 desfruta de cobertura médica completa através do programa de saúde federal do WTC, mas muitos não receberam indenizações.

É o caso de Franklin, de 50 anos, peruano em situação ilegal com vários males respiratórios, que decidiu voltar para Lima em 2019 para se despedir da mãe, doente, a quem não via havia 20 anos. Quando tentou voltar para seguir o tratamento médico garantido pelo programa de saúde do WTC, no qual tinha sido aceito, e reivindicar compensação financeira, a embaixada americana em Lima negou-lhe o visto. Em junho, ele tentou duas vezes cruzar ilegalmente a fronteira entre México e EUA com a ajuda de coiotes, mas foi deportado. “Eu praticamente dei a minha vida pela limpeza do Marco Zero e não acho que seja justo que me paguem desta maneira”, diz à AFP, falando por telefone de uma casa na mexicana Ciudad Juárez, onde os coiotes o mantinham trancado até a hora da terceira tentativa, bem-sucedida.

Alguns trabalhadores que processaram a cidade de Nova Iorque e as empresas que os empregaram conseguiram ser indenizados. Além disso, o Congresso aprovou em 2011 o pagamento de indenizações federais, em um máximo de 250 mil dólares para cânceres vinculados ao 11/9. Gil recebeu 40 mil dólares em 2018, mas, sem conseguir trabalhar, o dinheiro acabou após pagar dívidas e o aluguel atrasado. "Estamos no esquecimento", concorda Rosa Duque, faxineira guatemalteca de 56 anos que respira com dificuldade. "Quando a gente se ofereceu para trabalhar não perguntaram, 'Você é cidadão?', 'Você é residente?'".

Símbolo da resiliência

Substituto das Torres Gêmeas, o One World Trade Center, inaugurado em 2014 como o edifício mais alto dos EUA, com 541 metros, se tornou uma torre emblemática da capital financeira do país.

A torre foi concebida como testemunho da resiliência de Nova Iorque, uma visão para o futuro apesar da tragédia, explica Kenneth Lewis, um dos arquitetos do estúdio SOM, que constrói arranha-céus em todo o mundo. “Era o começo do milênio, era preciso encarnar uma nova geração de edifícios, tanto em termos de segurança quanto de impacto para o meio ambiente”, diz Lewis. 

Após os atentados, houve muitas discussões sobre como evacuar as pessoas além das escadas. Discutiu-se sobre uma espécie de cabo ao qual elas se prenderiam antes de saltar ou um duto gigante pelo qual poderiam deslizar. Um paraquedista fez uma demonstração do cabo. “Dava medo. Era inimaginável que alguém com algum sobrepeso ou um pouco receoso pulasse pela janela”, diz o arquiteto. Por fim, a solução foi blindar o coração do edifício com cimento reforçado e fazê-lo suficientemente amplo para que as pessoas possam sair.

Novas normas de segurança estrearam no One WTC e se tornaram padrão. Por exemplo, a ampliação das caixas das escadas ou a instalação de sinal luminoso no chão como o dos aviões. Também foram instaladas câmeras e ferramentas de comunicação resistentes ao fogo. O objetivo final, segundo Lewis, é "evacuar todo o edifício em no máximo uma hora".

Outro cuidado foi com ataques com antraz. “Começamos a pensar em um sistema de filtros e na qualidade do ar”, conta. “Era preciso identificar todas as ameaças com as quais um edifício deve trabalhar" sem transformá-lo "em fortaleza na qual ninguém quer trabalhar”.

Filmes que contam a história

Por Carlos Corrêa

O luto que tomou conta dos EUA após os ataques de 11/9 fez com que tanto a TV como o cinema pisassem em ovos nos primeiros anos seguintes para falar sobre o tema. Com o tempo, no entanto, a indústria passou a abordar a questão na ficção e em documentários. No ano seguinte, “A Última Noite” (disponível no Star+), do diretor Spike Lee, foi um dos primeiros filmes a tocar no assunto, mas de forma rápida. Também em 2002, foi lançado aquele que até hoje é um dos melhores documentários sobre a tragédia. “11/9” nasceu por acaso, já que os irmãos franceses Jules e Gedeon Naudet gravariam um dia de trabalho dos bombeiros de Nova Iorque. Só que calhou desse dia ser 11 de setembro de 2001. A cena de uma das torres desabando, filmada da torre ao lado, a alguns metros, mantém o mesmo impacto 20 anos depois.

Entre os documentários, o mais famoso talvez seja “Fahrenheit 11 de Setembro”, do diretor Michael Moore, de 2004. O filme – vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 2004 – traz uma visão bastante crítica da atuação do governo dos EUA, principalmente no pós-11/09. Lançadas em 2021, outras duas produções também examinam a mesma questão sob diferentes perspectivas. “11/9 – No Gabinete do Presidente” (Apple TV+), entrevista autoridades como o ex-presidente George W. Bush e outras figuras do governo da época para retratar como foi aquele dia. O resultado é a revelação de um comando atônito, diante de algo que nunca foi cogitado, e apavorado, pela certeza de que outro ataque viria naquele mesmo dia. Já “Ponto de Virada – 11/9 e a Guerra contra o Terror” (Netflix) é uma das obras mais completas em termos de contexto. Ao longo de cinco episódios, a série não foca apenas na tragédia em si, mas volta no tempo para mostrar as origens da Al Qaeda e dos conflitos no Afeganistão, assim como mostra os anos seguintes e as consequências do atentado, desde a criação de uma série de leis que, grosso modo permitiram o uso de tortura pelo governo dos EUA, assim como abriu as portas para uma vigilância doméstica que ultrapassou os limites da privacidade. Por fim, examina as incursões no Afeganistão e no Iraque, mostrando o fracasso de ambas. Há ainda outras obras interessantes, como “O que Aconteceu no 11 de Setembro” (HBO Max), que se propõe a explicar tudo em linguagem voltada às crianças, e “11/9 - A Vida sob Ataque” (disponível no Globoplay). Além destes, outra produção que vale destaque é “102 Minutos que Mudaram a América” (History Channel, Now e YouTube). Sem narração, o filme é um compilado de cenas feitas por amadores desde o instante em que o primeiro avião se choca com o World Trade Center até a queda da segunda torre, daí os 102 minutos do título. 

Na ficção, os destaques são “A Hora Mais Escura”, (Netflix e Globoplay), que recria a história da captura de Bin Laden, e “Guerra ao Terror”, Oscar de melhor filme em 2010 e que mostra o cotidiano de quem vivenciou a incursão ao Iraque. Há também “Voo United 93”, sobre o voo derrubado pelos passageiros antes de se transformar em outro atentado. Já “Tão Forte e Tão Perto” (HBO Max) e “Reine sobre mim” são produções em que os personagens refletem sobre a perda de familiares no atentado. Por fim, a série “The Looming Tower” (Amazon Prime Video) trata das disputas entre FBI e CIA no período pré-11/9 e que acabaram tendo consequências trágicas para os EUA.

Onde segue a guerra ao terror

Em 2009, quando Barack Obama assumiu a presidência, com Joe Biden de vice, uma de suas primeiras ações foi ordenar o fechamento de Guantánamo. A ação foi barrada por parlamentares republicanos no Congresso. Foto: Saul Loeb / AFP / CP Memória

Por Paul Handley /AFP

Vinte anos após o 11 de setembro, os Estados Unidos continuam a travar a "guerra contra o terrorismo" na Baía de Guantánamo, no sudoeste de Cuba. Poucos meses após os ataques, centenas de pessoas com supostas ligações com a Al-Qaeda foram presas e transferidas para a base naval que Washington controla na ilha do Caribe. Eles foram rotulados de “combatentes inimigos” e presos até que, de acordo com o então vice-presidente Dick Cheney, “a guerra contra o terrorismo acabar”. Oficialmente, o conflito ainda está em andamento.

A maioria dos 780 suspeitos, encarcerados em celas semelhantes a jaulas, foi libertada, muitas vezes depois de passar mais de uma década sem nunca terem sido formalmente acusados de um crime.

Atualmente, 39 detentos permanecem em Guantánamo. A alguns foi prometida liberdade, que nunca veio. Ao menos 12 são considerados líderes perigosos da Al-Qaeda, incluindo Khalid Sheikh Mohammed, o alegado mentor dos ataques de 11 de setembro. O sistema de comissões militares que supervisiona os 12 réus provou ser caótico, pesado e muitas vezes contrário à lei dos Estados Unidos, a ponto de que, em 20 anos, apenas duas pessoas terem sido condenadas.

Benjamin Farley, advogado do Departamento de Defesa que representa um dos cinco réus no julgamento de 11 de setembro, chamou as comissões de “um experimento caro e fracassado da justiça ad hoc”. Marcado por acusações de que o governo reteve e falsificou provas e de que o contato dos advogados com os seus clientes aconteceu apenas por telefone, o processo foi marcado sobretudo pelas denúncias de torturas brutais feitas pelos detidos.

Guantánamo provou ser um constrangimento para o governo dos EUA, que foi acusado de abusos generalizados dos direitos humanos. O governo do republicano George W. Bush determinou que ali os detidos não poderiam se valer da proteção das convenções de Genebra ou da lei dos EUA.

Em janeiro de 2002, a base naval tinha 20 detentos, número que disparou rapidamente para 780. Contra a grande maioria deles, o governo carecia de evidências de que tinham ligações com a Al-Qaeda ou com o 11 de setembro. Foram libertados em silêncio, embora alguns tenham esperado 10 anos. Uma noite, em 2006, três prisioneiros foram encontrados enforcados em suas celas. Seus carcereiros alegaram “suicídios coordenados”, mas surgiram evidências de que haviam sido mortos por aqueles que os interrogavam.

Quando o democrata Barack Obama assumiu a presidência, em 2009, ainda havia cerca de 240 detidos. Uma de suas primeiras ações foi ordenar o fechamento de Guantánamo. Mas legisladores republicanos bloquearam o fechamento no Congresso. Obama, no entanto, pressionou para liberar a maioria e apenas 41 detentos permaneciam no local quando Donald Trump assumiu o cargo, em 2017. Trump buscou congelar as liberações. 

Joe Biden, que era vice-presidente de Obama, foi a favor do fechamento. No entanto, segundo analistas, ele não seguirá o mesmo caminho de Obama, visto que fracassaria novamente na tentativa.

O Julgamento

O julgamento de cinco homens acusados de participar dos ataques de 11 de setembro de 2001 avança lentamente nas comissões de Guantánamo. Desde o anúncio das acusações, em fevereiro de 2008, o caso primeiro foi arquivado e depois reaberto. A primeira audiência ocorreu em 5 de maio de 2012. Desde então já ocorreram dezenas de audiências, todas em fase de pré-julgamento. Após interrupção de 17 meses devido à pandemia, o caso foi retomado na última terça-feira. 

Politicamente, Joe Biden tem tentado pressionar pela libertação daqueles que não serão julgados.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895