A caminho da retomada

A caminho da retomada

Vendas de ovinos nas feiras de verão confirmam interesse dos produtores em voltar a investir na atividade

Por
Nereida Vergara

O desempenho das feiras de ovinos ocorridas nos dois primeiros meses de 2021 no Rio Grande do Sul confirmou uma tendência assinalada ainda em dezembro pelo presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), Edemundo Gressler, de que seria evidenciado o interesse dos produtores em aumentar seus rebanhos e, assim, avançar no reposicionamento da ovinocultura no Estado, processo que vem caminhando lentamente desde 2013. Eventos como a Agrovinos, de Bagé; a Feira e Festa Estadual da Ovelha (Feovelha), de Pinheiro Machado; a Exposição-Feira de Ovinos de Verão, de Sant' Ana do Livramento; e a Expofeira Ovinos de Verão, de Herval – todas realizadas em formato híbrido, em janeiro e fevereiro –, registraram grande procura por animais para reprodução, principalmente fêmeas, responsáveis em todos os certames por mais de 80% das vendas.

No ano passado, com o surgimento da pandemia da Covid-19, muitas das feiras de ovinos não ocorreram, o que gerou uma demanda represada por exemplares para reprodução. Mesmo que em algumas das feiras neste início de ano a oferta de animais tenha sido ligeiramente menor que a de 2020, as médias obtidas por cabeça foram cerca de 10% maiores, o que elevou o faturamento.

O presidente da uma das entidades organizadoras da Agrovinos, a Associação Bageense de Criadores de Ovinos (Abaco), Gustavo Velloso, afirma que, neste ano, com a venda de cerca de 1,6 mil exemplares, o evento, que ocorreu em janeiro, faturou R$ 1,2 milhão, batendo o valor do ano passado, de R$ 1,08 milhão, quando comercializou 2 mil animais. Velloso diz que o perfil de quem investe na criação está mudando, com novos produtores interessados em obter produtividade em cordeiros. “São criadores que chegam na ovinocultura mais profissionalizados, com o desejo de diversificar suas propriedades com uma atividade rentável, de ciclo curto e com custo de produção mais baixo que outros segmentos da pecuária”, observa. Segundo ele, do total de ovinos comercializados, em torno de 1,2 mil foram matrizes de raças carniceiras ou de duplo propósito (carne e lã). “Se não estivéssemos na pandemia, as vendas seriam ainda maiores”, destaca.

Maria Luiza Dutra Farias, coordenadora da Feovelha, de Pinheiro Machado, comemorou o crescimento nas vendas deste ano e o incremento nas médias. Para ela, a comercialização de 2,28 mil ovinos no evento no final de janeiro, com médias 11% maiores que as de 2020, e um faturamento de R$ 1,26 milhão, mostra de forma inequívoca que o produtor decidiu investir. Ela ressalta que o esforço de retomada da ovinocultura é um desafio ainda maior na pandemia e que somente o fato de se conseguir concretizar as feiras de ovinos de verão já é uma demonstração de que o segmento quer fazer a economia da ovinocultura girar.

De acordo com o coordenador da Câmara Setorial de Ovinocultura da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) e presidente da Comissão de Ovinos da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), André Camozzato, a demanda por matrizes é de fato um indicativo de que o setor busca o crescimento. Mas ele salienta que há muito ainda a ser feito para que a atividade volte a ter o merecido reconhecimento econômico.

Dados do Departamento de Estatística da Seapdr indicam que, neste mês de fevereiro, o rebanho ovino do Estado é de 2,99 milhões de cabeças, cerca de 200 mil cabeças a mais do que as 2,8 milhões divulgadas pela pasta na Radiografia da Agropecuária durante a Expointer do ano passado. O número de abates também cresceu, passando de 186 mil cabeças em 2019 para 195 mil em 2020.

“É preciso, realmente, que o produtor que está na atividade ou entrando nela entenda que, para o rebanho crescer, práticas que foram adotadas no passado devem ficar para trás”, sustenta Camozzato. Melhora na parição e na taxa de sobrevivência dos cordeiros, além da retenção de fêmeas, são os pontos principais para que o aumento dos plantéis seja realmente significativo. “Hoje a demanda por cordeiros é alta e os preços são atrativos (acima de R$ 8,00 o quilo, segundo a Emater), o que faz com que o produtor venda as fêmeas também, e este acaba sendo o maior entrave para o avanço do rebanho”, completa.

Para a vice-presidente da Arco e da Associação Brasileira de Criadores de Corriedale, Elizabeth Amaral Lemos, a mudança de mentalidade em relação à criação de ovelhas é considerada um passo tão importante quanto o investimento na compra de animais. A dirigente concorda que as feiras de 2021 consolidam o interesse em retomar a ovinocultura em novas bases, agora de uma forma mais eficiente do que quando se iniciou o movimento para recuperar a atividade, há oito anos. No entanto, ressalta que o ovinocultor precisa estar atento aos cuidados do rebanho para que os cordeiros sobrevivam. “Só assim vai se conseguir avançar, e hoje já existem criadores que se profissionalizaram para conseguir isso”, sublinha. Elizabeth lembra que o custo de tratar bem uma ovelha é o mesmo de deixá-la no campo sem tratamento adequado. “O resultado é que faz a diferença”, ensina.

 

Foco no aumento do rebanho

Procura por animais destinados à reprodução se destacou na Expofeira de Sant'Ana do Livramento, que movimentou R$ 800 mil

Criação de ovinos exige baixo investimento e oferece retorno a curto prazo. | Foto: Luiz Walter Leal Ribeiro/Arquivo pessoal

O município de Sant´Ana do Livramento é o detentor do maior rebanho de ovinos do Estado, aproximando-se das 300 mil cabeças, de acordo com o Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul. Na 43ª Exposição Feira de Ovinos de Verão, realizada em janeiro, mas com leilões até o início de fevereiro, registrou uma expressiva procura por animais destinados à reprodução, ultrapassando o faturamento de R$ 800 mil. O evento vendeu mais de 1 mil animais das raças Ideal, Corriedale, Merino Australiano, Poll Dorset, Texel e Hampshire Down.
Integrante do Sindicato Rural e da Associação Santanense de Ovinocultores, o criador e técnico especializado da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), Luiz Walter Leal Ribeiro, prevê bons negócios para o segmento em 2021. A família de Ribeiro cria ovinos na região há seis gerações. No início, era voltada exclusivamente para a lã. Posteriormente passou a apostar também na comercialização de carne. “Aqui em Livramento também tivemos grande procura por fêmeas, o que revela a intenção do produtor em aumentar seu rebanho”, relata.

Ribeiro destaca que a ovinocultura é uma opção que precisa ser considerada pelo produtor rural, em especial pelos pequenos, por oferecer a possibilidade de ganho a curto prazo, com baixo investimento e custo vantajoso. Segundo ele, o gasto anual parar a produção da uma ovelha gira em torno de R$ 25,00, referentes à mão de obra, sal proteinado oferecido ao animal para melhorar o apetite e medicamentos. Uma vez que o rebanho ovino é amplamente criado a pasto, a produção fica muito mais barata se comparada a outros ramos da pecuária que dependem da suplementação de milho e farelo de soja, como a suinocultura e a bovinocultura leiteira.

Nas pequenas propriedades, aponta o produtor, as chances de rentabilidade aumentam se o criador se especializar. “Um exemplo seria investir na produção de leite para fazer queijos”, diz, ao informar que na região de Sant´Ana do Livramento há laticínio interessado no leite de ovelha que hoje busca matéria-prima em Chapecó (SC). “É algo que vemos como promissor e o sindicato e a associação tem projetos para estimular a criação das ovelhas da raça Lacaune, de origem francesa, com grande potencial leiteiro”, complementa. Entre os projetos neste sentido está a capacitação dos ovinocultores interessados na exploração do leite e um centro de ordenha para os ovinos.

 

Perfil da atividade vem se tornando mais adequado ao pequeno produtor

Depois de quase desistir da criação, cabanha de Pedras Altas passou a pensar na possibilidade de fazer seleção genética e trabalhar com a venda de reprodutores. | Foto: Cabanha Bom Prazer / Divulgação

Superada em muitas propriedades pela bovinocultura ou pelo plantio de grãos, a ovinocultura tem no Rio Grande do Sul um terreno amplo para crescer. No início do ano passado, o Senar/RS lançou, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), que pode auxiliar os empreendimentos na área. Com a meta de atingir até 10 mil produtores, o novo modelo de assistência se dividiu entre diversos segmentos da agropecuária, entre eles a ovinocultura. Estão cadastrados no projeto 420 criadores de ovinos, que recebem, em encontros mensais, informações técnicas e de gestão da atividade de forma a fazer um controle permanente de custos e investimentos voltados à obtenção de resultados. “Nossa intenção é demonstrar que a ovinocultura é uma atividade rentável, desde que o produtor adote os cuidados necessários com o rebanho e entenda a relação entre o que é gasto para produzir e o que recebe pelo do quilo do cordeiro”, esclarece o supervisor da ATeG para a cadeia de ovinos, Alcides Renato Braga Soares.

De acordo com o Soares, além da dificuldade de entender as necessidades de um animal delicado como a ovelha, os criadores carregam resquícios do manejo que antes visava apenas ao aproveitamento da lã. “Ainda hoje o produtor tem dificuldade de entender a ovelha como carne, por isso cria e consome, erra ao não cuidar do animal na hora de parir e na atenção aos cordeiros depois de nascidos”, observa.

Embora reconheça que os produtores têm saído em busca de informações, o supervisor relata que a mudança de paradigmas na ovinocultura é difícil. “Acreditamos que a chance de avanço da ovinocultura é mais promissora na agricultura familiar do que entre os produtores de grande porte, que hoje enxergam mais rendimento na soja e na carne bovina”, analisa. Soares lembra que a ATeG está fechando em março seu primeiro ano de atuação, por isso ainda não tem dados tabulados sobre os progressos. “Os desafios são imensos e, além da mudança de atitude do produtor, passam por problemas que ele não controla, como a dificuldade de se encontrar mão de obra específica”, complementa.

Mas mesmo que a ATeG tenha no campo de visão um crescimento maior da ovinocultura entre os pequenos produtores, as propostas do projeto chamaram a atenção de quem só estava mantendo a criação pela tradição familiar. É o caso do produtor Henrique Anselmo, da Cabanha Bom Prazer, em Pedras Altas, que aderiu à ATeG e decidiu dar um novo direcionamento ao seu rebanho de 350 ovinos da raça Suffolk. Anselmo admite que já havia praticamente desistido da ovinocultura, mas voltou a se entusiasmar com a possibilidade de fazer seleção genética e, no futuro, trabalhar apenas com a venda de reprodutores.

“A raça Suffolk tem carne excelente e, mesmo que tenha um rebanho pequeno no Estado, tem potencial para crescer”, aposta. A propriedade está com a família desde 1908. “Com o tempo, claro, a ovinocultura não conseguiu mais competir com a soja e a bovinocultura de corte, mas tem sua rentabilidade e  eu não descarto a possibilidade de em um dia produzir e vender cordeiros”, conclui.

 

Logística ainda é gargalo a resolver

Confinamento para engorda e comercialização, como este, de Glorinha, vem mostrando perspectivas promissoras. | Foto: João Victor Casaca/Divulgação

Dos muitos embates a serem travados para recolocar a ovinocultura do Rio Grande do Sul no patamar de atividade econômica atrativa – o Estado já teve o maior rebanho ovino do país, com 13 milhões de cabeças, mas perdeu protagonismo com a crise da lã nos anos 80 e hoje a liderança é ocupada pela Bahia –, um dos mais importantes é a organização da cadeia, que esbarra não apenas na produção insuficiente para suprir a demanda, mas também em questões logísticas e de estrutura industrial. O coordenador da Câmara Setorial de Ovinocultura da Secretaria da Agricultura e Desenvolvimento Rural (Seapdr) e presidente da Comissão de Ovinos da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), André Camozzato, revela que hoje existem em solo gaúcho 47 mil propriedades onde a ovinocultura está presente. A média é de até 80 animais por estabelecimento, o que complica na hora da comercialização.

Segundo Camozzato, para que os frigoríficos consigam obter uma carga máxima, de cerca de 250 a 300 ovelhas, é preciso passar por vários locais, o que torna a operação demorada e onerosa. A saída para isso está na integração entre produtores de uma mesma região que consigam alinhar suas vendas com os frigoríficos interessados.

“Hoje os frigoríficos têm conseguido agilizar este processo comprando cordeiros prontos para o abate e também os que estão magros e serão terminados nas suas parcerias com confinadores”, diz. Camozzato complementa lembrando que o cordeiro pronto para ser abatido tem em média 40 quilos. Aqueles que são enviados à terminação têm em média 30 quilos quando são vendidos e impõem custos com ração que a ovelha criada a pasto não tem. “Neste último ano, com a alta no preço dos grãos, os negócios de confinamento foram severamente impactados”, constata.

João Victor Casaca, proprietário do confinamento Quinta da Aurora, em Glorinha, comprova a informação de Camozzato. No início do ano passado, o custo do quilo da ração oferecida diariamente para os cordeiros – uma mistura de milho, farelo de soja e alfafa – era de R$ 1,20. Neste mês de fevereiro, bateu em R$ 1,76. “Além disso, o quilo do cordeiro magro subiu no mesmo período de R$ 7,00 para R$ 8,00, o que somado à questão dos grãos nos levou a uma situação bem complicada”, admite.

Mesmo assim, Casaca considera o negócio de engorda e comercialização de cordeiros bastante promissor. Em 2020, a propriedade conseguiu terminar 2,66 mil cordeiros, oriundos na maioria dos municípios produtores da região da Fronteira e prioritariamente das raças Corriedale e Ideal. A capacidade do estabelecimento para confinar é de 800 cordeiros por vez, em prazos que variam de 50 a 60 dias. Com a procura firme dos frigoríficos, o terminador pretende entregar em 2021 mais de 3 mil cordeiros.

 

Pandemia afeta setor laneiro

Produtores e cooperativas esperam que situação se estabilize em 2021 com a retomada das vendas para o Uruguai e abertura de novos mercados

Lã estocada em Uruguaiana durante 2020, ano em que as exportações ficaram praticamente paralisadas. | Foto: Ricardo Costa/Arquivo Pessoal

O Rio Grande do Sul chegou a produzir 36 milhões de quilos de lã ovina até os anos 1980. Depois da crise do final daquela década e do advento das fibras sintéticas, hoje a produção é de pouco mais de 8 milhões de quilos. Para os produtores que ainda mantêm rebanhos laneiros, como o Merino Australiano e o Ideal, de lãs finas, o ano de 2020 foi de preocupação. A lã proveniente das esquilas do ano passado está armazenada nos galpões das propriedades e nas cooperativas especializadas, que já foram 25 e hoje são apenas 3. Com a pandemia, o volume produzido, exportado quase que na totalidade para o Uruguai, não saiu do Estado, pois a demanda internacional da indústria têxtil caiu. Com a retomada gradual da economia em 2021, quem ainda opera no segmento espera uma melhora na comercialização.

É o caso do criador Renato Carpes da Costa, proprietário da Cabanha Vale do Camoaty, em Uruguaiana. Às vésperas de esquilar seus 400 ovinos da raça Ideal, que rendem a média de cinco a cinco quilos e meio de lã cada um, Costa tem duas toneladas do produto estocadas num galpão da estância. “Estamos esperamos que os mercados se estabilizem”, revela.

O presidente da Cooperativa de Lãs Mauá, de Jaguarão, Edison Ferreira, explica que o Estado exporta exclusivamente para o Uruguai cerca 7,7 mil toneladas de lã por ano, mas que em 2020 a comercialização que ocorreu foi apenas de uma parcela do estoque que havia sobrado do ano anterior. Segundo ele, as dificuldades do setor laneiro, que se acumularam ao longo dos anos, se agravaram com a pandemia e agora, para tirar o produtor e as cooperativas de uma situação muito difícil, são necessárias medidas de apoio por parte dos governos.

No ano passado, com auxílio da Farsul, a cooperativa entregou à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, um documento pedindo a intervenção da pasta para retirar restrições à entrada de lã suja (aquela retirada da tosquia, ainda sem ser lavada, cardada e acondicionada em tops) brasileira na China, mercado que hoje o Rio Grande do Sul não acessa. “Mas precisamos também recuperar o mercado interno da lã, que não deixou de existir, mas que ficou inacessível aos produtores porque não foi mais possível produzir a lã cardada e o Brasil passou a importar os tops do produto pronto do Uruguai”, salienta. Nos últimos três anos, calcula, esta importação custou 4,5 milhões de dólares ao país.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895