A coleção de medalhas de Carol Santiago

A coleção de medalhas de Carol Santiago

Nadadora do GNU conquistou seis títulos no Campeonato Mundial de Natação paralímpica, em junho deste ano, o que comprova a ótima fase: contando os Jogos Paralímpicos de Tóquio-2020 e o Mundial, esteve em todos os pódios

Atleta do Grêmio Náutico União teve uma performance incrível no Mundial da Ilha da Madeira, em junho. Participou de sete provas, foi campeã em seis e conquistou uma medalha de prata

Por
CARLOS CORRÊA

Carol Santiago não sabe brincar. Desde que perdeu a disputa dos 100 metros peito, em 2019, e ficou em quarto lugar no Campeonato Mundial de Natação Paralímpica, a pernambucana de 36 anos não deu chances para quase ninguém e subiu ao pódio de todas as provas que participou de lá para cá. Todas. Com um detalhe: eram válidas ou pelos Jogos Paralímpicos de Tóquio-2020 ou pelo Mundial da modalidade deste ano, disputado em junho, na Ilha da Madeira. Carol, que compete na categoria S12, para atletas com deficiência de visão com campo visual inferior a cinco graus, nunca mais sobrou de um pódio.

O currículo da atleta do Grêmio Náutico União (GNU) de lá para cá fala por si só. Daquele mesmo Mundial de 2019, ela voltou com quatro medalhas: duas de ouro e duas de prata. O reconhecimento maior viria em 2021, quando pulou nas piscinas de Tóquio e de lá trouxe na bagagem cinco medalhas paralímpicas: três ouros (50m livre, 100m livre e 100m peito), uma de prata (revezamento 4x100m livre) e uma de bronze (100m costas). Agora, no Mundial da Ilha da Madeira, foram mais sete, sendo seis de ouro (50m livre, 100m livre, 100m borboleta, 100m peito, revezamento 4x100m medley misto e revezamento 4x100m livre misto) e uma de prata (100m costas).

O curioso disso tudo é que se as vitórias foram memoráveis, aquela última vez em que não figurou no pódio, ainda em 2019, nunca foi esquecida pela lição que trouxe. “Errei na prova e aquilo ali foi um marco para eu voltar e saber que tinha que me preparar mais psicologicamente”, conta ela. O ensinamento daquela vez funcionou. Carol lembra que, por mais empolgada que estivesse nos Jogos Paralímpicos de Tóquio-2020, o foco era total nas provas. “O meu jeito de curtir é fazendo do jeito que tenho que fazer na hora da competição. Já vi muita gente com condição de ser o melhor atleta não chegar lá por perder o foco. Até medalhar, mas não ser o que poderia ser. Então sempre tive muito cuidado com isso. É fantástico estar lá? É. Mas antes de competir, é preciso estar muito focado. Até o que você come precisa prestar muita atenção”, observa ela.

Se no esporte olímpico, o mais comum é que os campeões estejam na faixa etária entre 20 e 30 anos de idade, o esporte paralímpico possibilita algumas oportunidades de alongar a carreira. Tanto que, aos 36 anos, a atleta do GNU teve as suas maiores façanhas esportivas todas depois dos 30 anos. E o planejamento é seguir por um bom tempo ainda. “Hoje, a minha preocupação é estar bem e competitiva. Sempre passo por essa avaliação da comissão técnica. Se eles me dizem que estou em condição, acredito”, adianta a nadadora, que revela um ponto a ser melhorado. De acordo com ela, por mais que tenha vitórias nos 100m peito, é uma modalidade que depende de mais treinos na comparação com as demais: “Me demanda muito. Preciso ser muito coordenada, senão eu nado muito mal”.


Carol lembra que suas principais concorrentes, as nadadoras russas, não estavam no Mundial da Ilha da Madeira. De qualquer forma, a atleta brasileira conseguiu o melhor tempo da carreira em várias provas | Foto: ALÊ CABRAL / CPB DIVULGAÇÃO / CP

Nada de diminuir o ritmo

Não chega a ser uma regra, mas é comum que os atletas “peguem leve” no ano seguinte a uma competição do porte dos Jogos Olímpicos ou Paralímpicos. O objetivo geralmente é preservar o preparo físico para, a partir do ano seguinte, aí sim treinar em alta intensidade projetando as novas competições. Pensando desta forma, 2022 seria o ano em que Carol Santiago teria um pouco mais de folga na preparação. Só que, em conjunto com o técnico Leonardo Tomasello, a nadadora definiu que faria diferente.

“Tive preocupação de me manter competitiva este ano. Geralmente as pessoas fazem um ano mais solto para forçar nos outros três. Me preocupei em não fazer isso e sim em aproveitar bem. Chegamos à conclusão de que não íamos tirar o pé e fazer um ano mais tranquilo. A gente decidiu que íamos fazer performance esse ano”, revela Carol, lembrando que o nível deve seguir alto em 2023, já que há a disputa do Parapan-Americanos, em Santiago, no Chile, e o Mundial, em Manchester, na Inglaterra. Sem falar nos Jogos Paralímpicos de Paris-24.

As sete medalhas na Ilha da Madeira foram comemoradas com a devida pompa. O que não significa que a nadadora não mantenha os pés no chão. “As russas, que são minhas adversárias mais difíceis, não estavam na prova, não posso negar isso”, diz, referindo-se à proibição da participação dos russos na competição em função da guerra com a Ucrânia. A falta das concorrentes mais conhecidas, porém, não mudou o fato de que, em Portugal, Carol conseguiu o seu melhor tempo em várias provas.

Brasil teve campanha histórica em Portugal

O Brasil teve no Mundial da Ilha da Madeira, em junho, a sua melhor campanha na história da competição da natação paralímpica. Foram 53 medalhas no total: 19 de ouro, 10 de prata e 24 de bronze, o que colocou o país no terceiro lugar no quadro geral de medalhas, atrás apenas da Itália (27 ouros) e dos Estados Unidos (24). Com um desempenho deste porte, era de se esperar que os atletas enfrentassem o assédio das marcas, interessadas em patrociná-los. Mas quem conhece a realidade do esporte paralímpico brasileiro, sabe que a situação é diferente, ainda mais levando em conta que a competição não foi transmitida ao vivo, nem mesmo pelos canais de TV a cabo.

A confiança e a esperança, contudo, seguem em alta. “Situação ideal é algo relativo. O que pode ser bom para mim pode não ser para outro. Mas posso dizer que o nosso trabalho está dando certo”, afirma o também atleta do GNU, José Perdigão, ouro no revezamento 4x100m medley (na foto, da esquerda para a direita: Guilherme Batista, José Perdigão, Carol Santiago e Lucilene), na Ilha da Madeira, em Portugal. “Viemos da pandemia, fizemos uma campanha legal em Tóquio e agora no Mundial melhor ainda. Estamos no caminho certo”, completa.

Questionada sobre a questão do patrocínio na comparação com os Jogos Paralímpicos, Carol Santiago admite que naquela ocasião, a procura foi maior. “A onda baixa quando sai da mídia. Fervilhou muito durante os dois ou três meses seguintes, depois fica menos explorado”, revela. A nadadora, no entanto, observa que a situação tem melhorado bastante nos últimos anos. “Hoje mudou bastante. As marcas estão querendo te ouvir, saber o que podem fazer por você, investir no conceito. A procura depende muito da transmissão que chega ao público. A TV ainda faz muita diferença, não dá para brigar contra. Quando você vai ser abordado pela marca, o seu trabalho precisa ser conquistado, não pode ser imposto”, afirma.

Com as conquistas nas piscinas, mudou também a relação com os fãs. Tanto Carol como Perdigão deixam claro que têm a preocupação de servirem como um exemplo, principalmente para os mais jovens. Mas que é também preciso cuidado para que esse policiamento não cruze a linha da naturalidade. “Eu vi o que uma medalha representava para as pessoas. Gente com doenças terríveis motivadas por ver o que a gente estava fazendo nas Paralimpíadas. Isso bate muito forte em mim”, afirma Carol.


Foto: ALÊ CABRAL / CPB DIVULGAÇÃO / CP

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