A dura realidade dos catadores de rua

A dura realidade dos catadores de rua

Profissionais precisam encarar as dificuldades do dia a dia e até as perspectivas que colocam em xeque o futuro de uma atividade que busca reconhecimento

Por
Gabriel Guedes

Já tinha passado das 15h de segunda-feira, 21 de setembro, quando um carrinho entulhado de pedaços de papelão, plásticos, metais e algumas sacolas penduradas passava pela rua Dona Margarida, no bairro Navegantes, em Porto Alegre. Naquele dia ensolarado, quase escondido sob o monte de resíduos de cerca de 2 metros de altura, puxando a carga, estava o catador Paulo Roberto Alves, 53 anos, e a companheira, Tereza Rodrigues Pedra, 40, ambos na parceria do cachorro Bob. Em situação de rua, abrigados não muito longe dali, na avenida Pernambuco, estavam desde 7h30min circulando entre esta região e o centro da Capital e, naquela altura da tarde, indo até um entreposto tentar levantar algum dinheiro com a venda dos resíduos recicláveis coletados.

“Acho que tudo vai dar uns 40 ou 50 pilas. Mas a gente ainda tem que separar”, conta Alves. Entretanto, a jornada não se encerrava ali. Depois de descarregarem, o plano era seguir recolhendo mais, até umas 22h, segundo Tereza. Alves diz ser um dos primeiros catadores da Ilha do Pavão, quando morava lá em 1982. Natural de Butiá, se criou em Rio Pardo, mas quando era jovem, após sucessivas frustrações no trabalho nas lavouras de fumo, se mudou para Porto Alegre atrás de vida melhor. Histórias assim se repetem entre os cerca de 7 mil catadores da Capital, que, sem reconhecimento e apoio à atividade, precisam lidar com os efeitos dos parcos recursos financeiros, muitas vezes com a fome e a falta de uma moradia digna, a hostilidade de muitas pessoas. Além disso, há o iminente risco de inviabilização da atividade, com a legislação que irá retirar de circulação na Capital, a partir de 2022, os veículos de tração humana, que são os carrinhos utilizados pelos catadores.

O catador que começou nas ilhas deu o primeiro passo alugando um carrinho. Hoje, ele e Tereza se orgulham de ter o próprio equipamento. “É nosso e tem até rolamento”, destaca Tereza, ressaltando a peça que faz a roda girar com menos esforço. Geralmente é assim que a maioria inicia no ramo. Georgina Duarte, 43 anos, do bairro Farrapos, criou uma família inteira por meio deste ofício. “Puxei anos e anos. Aqui é todo mundo carrinheiro”, resume a mãe de Christian, 24 anos, e Bruna, 28, que é mãe de duas crianças. Apesar de ter orgulho do trabalho honesto, os cinco moram em um apertado barraco de madeira no bairro, próximo à nova ponte do Guaíba. Nos dias de chuva, ainda é preciso dividir espaço com as goteiras.

Paulo e Tereza, com parceria do cachorro Bob, trabalham o dia inteiro e parte da noite recolhendo materiais recicláveis | Foto: Ricardo Giusti

Atualmente, é o filho de Georgina quem corre as ruas com seu carrinho. A jornada começa cedo da manhã e vai até umas 20h. Neste período, Christian chega a percorrer 18 quilômetros, indo a bairros como o Sarandi. Em dias de chuva, sair para catar os materiais, só se realmente não tiver nenhum trocado. Um dia bom de trabalho rende entre 60 e 80 reais. Mas, na maioria das vezes, os ganhos não passam dos 40 reais. E é necessário grande esforço, pois com os baixos valores dos resíduos, é preciso volume. “Eu não sei o peso, mas tem que ter força para puxar”, conta o carrinheiro. Além da dimensão da carga, o jovem tem que encarar a humilhação imposta por alguns motoristas, que quando não xingam, dão “banho” passando em poças d’água acumuladas da chuva. Mas os desafios não param por aí. Ainda é necessário um pouco de “malandragem”, como chegar antes em alguns locais, para evitar que kombis e caminhões de coleta levem os materiais. “É uma concorrência pesada”, avalia o carrinheiro.

Quando o irmão chega, é a vez de Bruna entrar em ação. Quando dá, ela ajuda a separar os materiais coletados para depois serem comercializados no “galpão do Auri”, que fica a cerca de 100 metros de onde moram. Desempregada há cerca de um ano e meio, seu último emprego foi como auxiliar de produção em uma lavanderia industrial no Lami, onde trabalhava em escala 12h por 36h. O bairro fica a uma distância de 33 quilômetros, que, percorrida de ônibus, leva cerca de duas horas. Depois de desempregada, pesou ainda mais a dificuldade de achar uma creche ou escola para deixar seus filhos na retomada de um trabalho formal. “Pouca gente tem trabalho de carteira assinada por aqui”, afirma Bruna. A mãe dela completa dizendo que no bairro muitos fazem a mesma coisa. “Aqui é um lugar tomado de carrinhos”, afirma Georgina. Dependendo basicamente da renda do trabalho de Christian, a família ainda conta com o recebimento de cestas básicas, algumas entregues pela prefeitura, outras por ações solidárias que são feitas na comunidade.

Na lateral da avenida Voluntários da Pátria, em uma rua de terra em frente a um muro branco com um portão verde, perto do lugar onde moram os Duartes, o serralheiro Marco Antônio Menezes, 35, montava pela primeira vez um carrinho para ser usado por catadores. “Eu faço manutenção das caixas. O carrinho nunca havia feito, mas é nada complicado. Vai levar uns dois ou três dias”, avalia o trabalhador, que mora na Ilha dos Marinheiros e também é pescador artesanal. As “caixas” as quais ele se refere são as caçambas do tipo roll-on/roll-off, que transportam em grandes quantidades o material reciclável recebido no entreposto de Auri Marques da Conceição, 60, para as indústrias que fazem a reciclagem e recolocam no mercado como matéria-prima. O dono do galpão é um dos responsáveis por fazer a economia girar na região noroeste de Porto Alegre. Isso porque é onde os carrinheiros conseguem transformar lixo em dinheiro ao vender os resíduos. Além disso, o empresário que atua há 25 anos no ramo de sucatas e materiais semiprontos, como resíduos secos, ainda contrata pessoas como Menezes, que diz receber cerca de R$ 400,00 por semana para fazer as manutenções mencionadas no começo deste parágrafo. “Aqui é assim, um ajuda o outro sempre”, acrescenta o serralheiro.

Com a experiência e o relacionamento cotidiano entre quem coleta, Conceição diz que já não há tantos catadores como antigamente. “Há uns 15 anos tinha fila aqui para entregar (materiais) e receber (dinheiro)”, lembra. Com a pandemia de Covid-19, o movimento caiu ainda mais. “Hoje é 50% do material que era coletado antes. Mas isso é por causa de muitas empresas que não funcionaram ou fecharam”, explica. Atualmente, o Galpão do Auri recebe 95 toneladas de resíduos por mês. “50% disso eles catam aqui no bairro. E tem mercado. Os compradores procuram”, assegura. O local é um espaço bem simples, com resíduos por todo lado, mas tudo separado. Há pelo menos um encarregado e sempre tem três ou quatro catadores de passagem. Na mesma tarde ensolarada em que o serralheiro trabalhava em frente ao estabelecimento, o carrinheiro João Luiz Garcia Ferreira, 52, e o filho, Richard, de 17, aguardavam a chegada do dono do estabelecimento para poder receber o dinheiro pelo que haviam catado durante aquela manhã. Quando o proprietário do galpão chegou, Ferreira entregou um papelzinho, onde estava anotada a pesagem e recebeu o dinheiro. A jornada rendeu só R$ 11,00.

Às vezes a jornada de trabalho rende muito pouco. Na foto, o carrinheiro João Luiz recebe de Auri, dono de um galpão que compra materiais recicláveis, o dinheiro pelo trabalho da manhã: R$ 11,00 | Foto: Ricardo Giusti

Desilusões

É difícil encontrar quem tenha se tornado catador ou carrinheiro somente por vontade própria. Por trás do esforço pela sobrevivência se revelam histórias repletas de desilusões ou de sonhos desmanchados pela realidade mais dura. Ferreira acredita que seja carrinheiro há aproximadamente 15 anos. Ele conta que tudo começou quando foi demitido do emprego em um depósito de uma rede de loja varejista na Capital. “Mandaram os velhos embora”, justifica. Sem conseguir recolocação, viu na coleta de produtos recicláveis uma forma de sustentar a família. Como se a dificuldade financeira não fosse um fardo já suficientemente pesado, faz uns quatro meses que ele perdeu a esposa. “Morreu de câncer”, conta.

Restou o filho e a humilde casa, também situada no bairro Farrapos, perto da nova ponte do Guaíba, onde vai passar uma das elevadas que vai fazer a ligação com a rua Dona Teodora. “Vi isso tudo crescer. Era só mato. Mas vão tirar a gente dali. Já cadastraram nossa casa, mas não sabemos ainda para onde vamos”, antecipa, sem mostrar receio da mudança. No dia a dia, a rotina é igualmente pesada. Começa às 7h e pode ir até 18h ou 19h, com trajetos pelo Centro Histórico. “Mas tem os dias certos: segunda, quarta e sexta”, cita, demonstrando a experiência adquirida com os anos como catador. O esforço diário mal dá para a subsistência. “Geralmente dá uns 25, 30 reais por dia. Mas o pior é a fome. Somos pobres e é tudo caro. Só alivia quando alguém traz uma cesta básica”, confessa Ferreira.

Não muito longe dali, na tarde de 16 de setembro, Elias Ferreira Leite, 48 anos, e o seu cunhado, Moacir Fernandes Navarros, 32, encaravam a chuva e o vento gelado para ir trabalhar. “Temos que nos alimentar.” A dupla, sem usar qualquer tipo de cobertura contra a chuva, mora perto da Arena do Grêmio e estava iniciando o trajeto de cerca de 3,5 quilômetros até uma empresa na rua Cairu, no bairro Floresta, onde iriam buscar o material que um “amigo” deixava separado para eles. Enquanto empurrava seu carrinho, Leite disse que já “corre rua” há mais de 10 anos. Natural de Giruá, cidade da região noroeste do Rio Grande do Sul, se mudou para Porto Alegre ainda criança. Trabalhou como servente de pedreiro e foi auxiliar de almoxarifado em outra empresa. Casou, teve família e se separou.

Ele conta que a “desilusão amorosa” acabou o empurrando para o alcoolismo e a situação só piorou. “Comecei a beber, cheguei até a morar na rua”, se recorda. Depois de ter recuperado um teto, por causa de uma segunda companheira, as coisas melhoraram um pouco. “Só não dá pra ficar tranquilo. Já levaram até meu botijão de gás”, frisa. Para alguém que mal consegue juntar R$ 40,00 por dia com o que obtém como carrinheiro, se faz necessário evitar novos prejuízos. Agora leva o pequeno botijão, do tipo P5, de 5 quilos, com ele. Quando está na moradia, a preocupação se torna o carrinho, conquistado sob muito suor há quatro anos. “Se deixar no portão, eles roubam”, avisa. Leite diz que pagou R$ 350,00 pelo “veículo”, que é usado. “Um novo deve estar uns R$ 600,00. Quando eu não tinha, usava um alugado pelo depósito. Pagava R$ 10,00 por dia”, contabiliza. Para locar um hoje, segundo Leite, só na Vila dos Papeleiros. Mas Auri lembra que é comum que alguns negócios, como o dele, aluguem carrinhos, cobrando valores praticamente simbólicos. Anos atrás, mas sem precisar quando exatamente, o Galpão do Auri contava com 50 destes equipamentos, mas hoje não passa de 12.

Por mais que a atividade de carrinheiro conquiste a antipatia de motoristas de Porto Alegre, por atrapalharem a circulação dos veículos, há quem simpatize com o trabalho dos catadores de forma espontânea. Na empresa Singel, que trabalha com serviços de engenharia elétrica, o amigo a que Leite fazia referência é o gestor de patrimônio da companhia, José Floriani. “Foi com o tempo. Eles sempre batiam aqui, pedindo pelos recicláveis. Até por uma questão de segurança no pátio, discutimos com nosso técnico de segurança no trabalho e resolvemos criar o espaço e mantê-los autorizados para a coleta”, explica Floriani. A empresa trabalha com medidores de energia da CEEE e as caixas de papelão dos equipamentos acabam sendo destinadas ao contêiner, bem como também algumas partes de metal. “Para eles, o que fizemos é muito. Então, se todo mundo fizer sua parte, já ajuda. Principalmente por estimulá-los, dar o sentido do trabalho”, argumenta. Para Georgina, atitudes assim são fundamentais no cenário cada vez mais competitivo pelo lixo, onde já há concorrentes motorizados. “Sempre tem uns que deixam separado”, elogia a carrinheira.

Dificuldades impostas

A entrada de vans, como as Volkswagens Kombi, e de caminhões, foi reflexo da lei 10.531, apelidada pelos catadores de “Lei das Carroças”, aprovada em 2008 pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre e aplicada pelo Executivo municipal a partir de 2013. A legislação que proibiu o uso de carroças puxadas por animais acabou incentivando a adoção de veículos automotores como meio de trabalho para os catadores, ao mesmo tempo em que ainda manteve os de tração humana, que deveriam deixar de circular agora em 2020, mas cujo prazo foi estendido até 31 de julho de 2022, depois da aprovação do projeto de lei 022/2020 pelos vereadores. Isso acarretou uma concorrência desleal, em que os que atuam motorizados acabam coletando mais por chegarem antes dos carrinheiros nos locais onde há materiais recicláveis. “Nosso foco era em carroça, mas daí veio a lei tirando a carroça. Entraram as kombis. Aí já ajudamos muita gente a comprar uma kombizinha. Ou tu faz isso ou passa fome. São pequenos catadores”, relata Auri.

Alex Cardoso, da coordenação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCMR), vê equívocos na transição gradual sugerida pelo projeto porto-alegrense que proíbe os veículos de tração animal e que irá retirar das ruas os carrinhos puxados pelos próprios catadores. Ações como a ocorrida no dia 24 de setembro, com o Sine fazendo uma ação no bairro Restinga, voltada a carrinheiros e catadores que desejam ingressar no mercado formal de trabalho, ignoram a existência formal da atividade, segundo o representante da categoria. “A Câmara dos Vereadores fez uma lei para exterminar os postos de trabalho do catador. Ele desconsidera o catador como trabalhador. É uma lei criminalizadora, porque não reconhece o trabalho e o proíbe de trabalhar.

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre ainda está tentando convencer os catadores a buscar outro emprego”, condena. Conforme Cardoso, a profissão de catador de material reciclável consta na Classificação Brasileira de Ocupações sob o número 519205. “Os catadores têm que sair da condição de indigente e ter o trabalho reconhecido”, alega. “Claro que foi a lei que está em andamento, a 10.531 e isso motiva sim, o foco desta diretoria de Trabalho e Renda. Apesar da pandemia, estamos fazendo estas ações de recrutamento. Assim como a gente ajuda os venezuelanos, os senegaleses, os PCDs (Pessoas com Deficiência). Pretendemos fazer estes atendimentos com eles”, defende a diretora da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esportes (SMDSE) e do Sine de Porto Alegre, Susana Hoff Santos.

Georgina Duarte (de azul), mãe de Bruna e Christian e avó de duas crianças, criou a família como carrinheira | Foto: Ricardo Giusti

Para Cardoso há alternativas, mas que não passam pelo sistema atual, gerido pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), responsável pela coleta e tratamento dos resíduos sólidos de Porto Alegre. Atualmente, caminhões de uma empresa contratada fazem a coleta dos recicláveis em todos os bairros e encaminham os resíduos para 16 Unidades de Triagem (UT), que são operadas por cooperativas e associações.

Aí entra outro personagem, o separador, que atua selecionando manualmente o que pode ser reciclado. Ao todo, 600 trabalhadores atuam nas UTs. Segundo a supervisora operacional do DMLU, Alessandra Nogueira, o município repassa ajuda de custo para a infraestrutura no valor de R$ 5,2 mil mensais para as unidades. “O resíduo chega, eles separam e comercializam. Às vezes, alguns vêm com mistura e vai para uma separação de rejeito. O resultado operacional fica com estas organizações, que dividem com seus integrantes. Então, quanto mais separarem, mais ganham”, detalha Alessandra.

Diariamente, o DMLU recolhe nas residências aproximadamente 1.150 toneladas de resíduos. Desse total, 1.082,09 toneladas são de resíduos orgânicos e rejeito da coleta domiciliar e 60,87 toneladas de recicláveis recolhidos pela coleta seletiva. Somam-se aos orgânicos e rejeito os resíduos públicos e as cargas recebidas na Estação de Transbordo, somando um total de 1.720,86 toneladas/dia de material enviado para o aterro sanitário. Considerando apenas o universo dos recicláveis, das 60,87 toneladas, 18 toneladas são descartadas. “É importante que a população faça a parte dela neste sistema, fazendo a separação”, afirma a gestora do DMLU. 

“Mas os catadores coletam até três vezes mais que a Prefeitura. Eles têm uma ligação com o gerador de resíduos. Ele faz a educação ambiental, passa no mesmo horário e gera a cultura social da reciclagem”, contrapõe Cardoso, que atua em uma UT no bairro Cavalhada, na zona Sul de Porto Alegre. “A empresa de coleta só faz a coleta. Para eles, o que importa é o peso. Mas para o catador importa aquilo que tem valor de reciclagem”, emenda o membro da coordenação do MNCMR.

Cardoso sugere que Porto Alegre tenha um novo arranjo para a coleta seletiva, a exemplo do que já é realizado em várias outras cidades da Região Metropolitana, que utilizam um único contrato com cooperativas de catadores para recolhimento e separação. O que inclusive poderia ajudar a dar um trabalho com condições dignas aos carrinheiros após a entrada em vigor das medidas da Lei 10.531. “O que a gente precisa, do próximo prefeito ou prefeita, é que se realize a contratação dos catadores, ajude nas reformas dos galpões e tenha projetos para que tenham acesso à coleta com tecnologia, automatizada. Que façam coletas regionalizadas”, sugere. “A própria Política Nacional de Resíduos (lei federal 12.305) e a de Saneamento de 2007 (lei federal 11.445) permite aos catadores realizarem o serviço de coleta. Coloca o catador como agente importante na gestão de resíduos. O problema é que ele não tem dinheiro para investir”, lamenta. 

O dia frio e a chuva não impediram Elias Ferreira Leite, no carrinho, e o cunhado Moacir Fernandes de saírem cedo para trabalhar em busca de materiais recicláveis | Foto: Ricardo Giusti

Oportunidades do lixo

Neste ponto, outra solução vem do deputado federal Carlos Gomes (Republicanos-RS), que já foi catador e vê possibilidades promissoras, caso avance no Senado a criação da Lei de Incentivo à Reciclagem no Brasil. Gomes nasceu na Bahia e ainda criança aprendeu a dar valor ao que é jogado fora. “Éramos 11 irmãos, o pai ganhava um salário e meio. Se pudesse comprar uma coisa para si, já ajudava. Então catava no lixo tudo aquilo que poderia ser reciclável. A reciclagem faz parte da minha origem e dá para tirar muitas lições de vida”, lembra.

O parlamentar afirma que o Brasil tem cerca de 1,5 milhão de catadores e que 95% estão na informalidade. “A reciclagem injeta R$ 12 bilhões (na economia). São dados de 2010. Se fizesse uma atualização, estaria próximo de R$ 20 bilhões, da maneira que está, pagando imposto de lixo. Imagina se tiver um tratamento privilegiado como merece.” A iniciativa que busca acelerar e simplificar o financiamento de projetos na área de reciclagem, proposta pelo deputado, quer oferecer o mesmo mecanismo já existente em leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet, e a de Incentivo ao Esporte. “O ‘Gabriel’ quer abrir uma indústria para reciclar PET (garrafas). O ‘Gabriel’ faz um projeto, com todo custo orçado, apresenta ao Ministério do Meio Ambiente, que aprova, e o interessado vai atrás da captação do recurso junto à investidores, que poderão deduzir 2% do Imposto de Renda”, demonstra.

O texto, que tramita desde 2017, já foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora está aos cuidados do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS). “Falta o presidente (do Senado) Davi Alcolumbre (DEM-AP) aprovar algum requerimento de urgência. Hoje, com a pandemia, os projetos aprovados teriam que ter algum vínculo com a Covid-19. Acredito que o projeto seja oportuno para isso”, observa.

Gomes vislumbra boas perspectivas. “Terá um bom aproveitamento. Têm muitas empresas que querem. Vai ser possível começar a lavar, tratar o lixo, entregar beneficiado e agregar valor. Do jeito que é feito hoje, todos ganham pouco.” Ao elaborar o projeto, também foram identificadas outras pontas, nas quais a iniciativa privada poderá se interessar, como taxa de juros diferenciadas para adquirir maquinário para estes empreendimentos que surgirem. Paralelo a isso, o parlamentar sugere que estados tenham novas alíquotas em relação à reciclagem. “A maioria taxa em 17%, 18% em ICMS. Então, taxa-se excessivamente uma atividade, um material que estaria enterrado, gerando um enorme passivo ambiental”, conclui.

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895