Agronegócio teme retrocesso em decisões do governo Lula

Agronegócio teme retrocesso em decisões do governo Lula

A mudança de governo no dia 1º de janeiro, especialmente na esfera federal, é aguardada com expectativa pelas cadeias da agropecuária gaúcha. O modelo econômico que será adotado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva é visto com reservas, assim como eventuais decisões de caráter ambiental que venham a retirar do agro permissões ao meio rural que vinham sendo construídas ao longo dos últimos quatro anos.

Por
Nereida Vergara

Nesta edição, o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz; o professor de Economia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Nilson Costa; e o agrônomo e assessor de Políticas Agrícolas da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), Kaliton Prestes, dão suas impressões sobre o futuro da atividade que, no Rio Grande do Sul, corresponde a 40% do Produto Interno Bruto (PIB), e que é responsável pelo sentimento recorrente de que o Brasil "é a fazenda do mundo".

O grande diferencial para o agro brasileiro em 2023, conforme o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio Da Luz, deve ser o tamanho da safra, estimada em mais de 300 milhões de toneladas de grãos para o Brasil e de cerca de 40 milhões para o Estado. Da Luz lembra que nos últimos três anos o produtor gaúcho fez investimentos para ter um safra excepcional e "virar a página" das mazelas da estiagem que em 2022 levou metade da produção estadual de grãos. "Vamos ter uma grande safra de inverno 2022 (colhida quase na totalidade e com expectativa de volume superior a 5 milhões de toneladas), ter uma safra de inverno ainda maior em 2023, melhorando o uso do nosso solo, intensificando a nossa produção, reduzindo custos fixos, aproveitando as oportunidades internas e externas para essas novas produções", destaca.

A convicção quanto ao trabalho feito pelo produtor para garantir safras recordes não é, entretanto, garantia para imaginar que o ano de 2023 será fácil. Da Luz reitera a preocupação manifestada no início de dezembro, na apresentação do relatório anual da Farsul, de que a economia nacional tome um rumo contrário ao crescimento registrado neste último ano. "Nós estamos, neste momento, com uma economia crescendo, nós estamos gerando empregos e consequentemente diminuindo o desemprego", ressalta, ao apontar que os níveis de desemprego no Brasil estão hoje semelhantes àqueles registrados antes da crise causada pela nova matriz econômica, a qual foi implantada em 2009 e teve efeitos materializados a partir de 2015, com PIBs negativos. "Nós não estamos criticando as pessoas em si (o presidente eleito ou a equipe de transição), nós estamos criticando más políticas econômicas", esclarece. 

O economista entende que as sinalizações que estão sendo feitas pela transição até o momento indicam a adoção da chamada "Moderna Teoria Monetária", um nome diferente para fazer o que foi feito pela nova matriz econômica e com potencial de repetir as mesmas derrotas. "São políticas econômicas absolutamente excêntricas, que não funcionam e que todas as vezes que foram tentadas deram muito errado, como aconteceu no Brasil recente. Então, quando nós vemos que na equipe de transição temos discussões de políticas econômicas de má qualidade, isso preocupa o agronegócio", analisa.

Do ponto de vista da conjuntura mundial, Antônio Da Luz, diz acreditar que o país ainda irá sofrer com os efeitos da guerra no Leste Europeu ao longo de 2023. "Como nós estamos importando no segundo semestre de 2022 bem menos do que nós importamos no primeiro semestre de 2021, em fertilizantes, esses preços que estão em queda, estão em queda porque há um desajuste entre oferta e demanda", pontua. O desajuste, na visão do economista, tende a se estabilizar quando começarem a ser feitas as compras brasileiras de insumos para 2024 no Hemisfério Norte, o que pode gerar um novo ciclo de alta. 

Sobre as questões ambientais, Da Luz defende que o produtor rural cumpre as regras estabelecidas e quem desmata não tem relação com o agronegócio. " O que está nos preocupando sim é que nós temos visto muitas medidas travestidas de ambientais que são novas formas até mesmo de exploração. E isso é uma coisa que infelizmente é muito pouco discutida no nosso país. Por exemplo, a União Europeia está aprovando uma lei para fazer com que as compras da União Europeia sejam livres de desmatamento, mas sem uma devida transparência do que significa desmatamento, desmatamento legal ou ilegal? Por exemplo", complementa.

Já sobre os preços dos alimentos ao consumidor, Da Luz afirma que os preços brasileiros são os mais baixos do mundo, mas impactam porque a renda da população é muito baixa. "Não adianta atacar o ruído, temos que atacar o sinal. O problema não está nos preços dos alimentos, o problema esta na falta de crescimento econômico. Agora é claro, por parte dos políticos é sempre mais fácil atacar o ruído, que é o que todo mundo está enxergando, e não atacar o sinal, que são as causas, que são as questões estruturais", encerra. 

Gestões anteriores credenciam equipe que assume

Com custos de produção altos e preços das commodities estabilizados, produtor terá de adotar estratégias de comercialização que lhe garantam o melhor rendimento, escolhendo a hora certa de vender, aconselha Costa | Foto: Aencierro / Shutterstock / CP.

O professor Nilson Costa, do curso de Economia da Universidade Federal de Santa Maria/Campus Palmeira das Missões, tem uma visão mais positiva em relação às trocas de governo nos próximos meses. “Nós estamos aí com o presidente Lula assumindo a presidência da República, e na minha perspectiva não existe nenhum tipo de preocupação, sobretudo porque é um político que já governou o país por dois mandatos e nesses dois mandatos estimulou fortemente o agronegócio, não é?”, provoca.

De acordo com Costa, a nação tem de dar às gestões de Luiz Inácio Lula da Silva o reconhecimento de que ele melhorou as condições de crédito e abriu os primeiros mercados para o agronegócio brasileiro. “Não unicamente ele, mas principalmente na época dele (Lula) é que novos mercados foram abertos para o agronegócio. Negociações com a China, Oriente Médio, outros países asiáticos e também aqui no Mercosul avançaram significativamente, o que contribuiu de forma decisiva para o aumento da renda dos produtores rurais”, diz. Se nas exportações o produtor tem se preocupado com uma possível taxação levantada durante a campanha eleitoral (a Argentina adotou a taxação sobre os produtos exportados para desestimular o comércio internacional e baratear o preço dos alimentos no mercado interno), o professor acha que a medida é pouquíssimo provável. “Não há nenhuma sinalização concreta que aponte para a cobrança de impostos de exportação ou aumento da carga tributária”, ressalta, acentuando que pode-se, inclusive, pensar no contrário, com flexibilizações que apoiem pequenos e médios produtores.

Nilson Costa analisa que para os próximos meses o produtor deve se preocupar em equilibrar custos e preços, aproveitando as oportunidades de mercado para vender seus produtos em fase de valorização. “Nessa safra nós tivemos um período de plantio com preços elevados. Com custos de produção elevados e por isso nós precisamos ter uma atenção com relação à conjuntura de mercado. Neste momento não existe nada que indique uma redução significativa nos preços, mas se o objetivo do produtor é se proteger de possíveis baixas, é importante, sim, pensar naquela média de comercialização”, aconselha.

A conjuntura atual, em que pesem os problemas trazidos ao mundo por conta da guerra entre Ucrânia e Rússia, segundo o professor, é favorável para a ocorrência de fatos novos e não tem como evitar a volatilidade do mercado. Mas o prognóstico, na opinião dele, é bom a médio prazo. “Esse conflito (a guerra) encontrou seu ápice, por isso, acreditamos que ele tenda a se extinguir em médio prazo, principalmente porque já existem sinais de potências como os Estados Unidos procurarem a Rússia para eventualmente discutir os termos para o fim da guerra”, projeta. Costa ressalva que este fim é desejado pelo mundo, mas em especial pela própria Europa, que vive um período complicado de alta inflacionária, com efeitos sobre a economia global.

Quanto à questão ambiental, o acadêmico acentua que o Brasil é um país de dimensões continentais e deve produzir baseado em três pilares: produção economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente correta. “Nesse contexto, principalmente as regiões de fronteiras agrícolas, onde está a maior parte de áreas desmatadas ilegalmente e a maior incidência de crimes ambientais, essas devem sofrer com maior fiscalização. Esse não é o caso aqui do Rio Grande do Sul e das regiões tradicionais”, avisa. A China, indica Costa, principal consumidor de produtos do agronegócio, é um país que vem implementando diversas ações no sentido de limpar sua produção e demonstrar a sua preocupação e o seu comprometimento com o meio ambiente. 

Eventuais efeitos da pandemia no desenvolvimento econômico, também conforme o professor, já podem ser classificados como tênues diante da ampla vacinação das pessoas. “A pandemia nos preparou para os desafios, mesmo com a desestruturação que proporcionou mais cadeias produtivas globais. Mas nossa visão é otimista. O ambiente dos negócios oscila, a normalidade deste ambiente é a oscilação” conclui. 

Integralidade de políticas públicas deve retornar

Agricultores familiares foram mais penalizados pela alta nos custos, pois compram insumos em dólar e têm preços dos produtos em real | Foto: Alf Ribeiro / Shutterstock / CP.

O agrônomo do Departamento de Políticas Agrícolas da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Kaliton Prestes, acompanha o andamento da economia nacional e local junto com outros técnicos da entidade. Para ele, é claro que em 2023, na esfera federal, a base programática será a que norteou o país de 2002 a 2010, com políticas de distribuição de renda e de fomento ao consumo de bens duráveis e não duráveis. “A agricultura familiar é compreendida como um ponto chave para o êxito desta estratégia. O setor é responsável por cerca de 70% da produção de alimentos para o consumo no mercado interno e consequentemente contribui de forma muito significativa no controle inflacionário e na diminuição dos índices de insegurança alimentar”, pontua.

Prestes ressalta que os agricultores não podem produzir obtendo margens negativas ou muito próximas ao custo de produção. “É necessário que o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Garantia Agropecuária (Proagro), o Programa Nacional de Habitação Rural e o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) sejam reajustados e fortalecidos com mais recursos, impedindo que as contratações sejam interrompidas como ocorreram nos últimos anos”, diz. O agrônomo acredita que o Ministério da Agricultura Familiar e Alimentação Saudável (Mafa), que entra no segmento onde antes atuava o extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), precisará ter recursos suficientes para dar conta de ampliar todas essas ações e ainda ter um olhar para os territórios, diferenciando as políticas públicas formuladas para a agricultura familiar que estão presentes nas diferentes regiões brasileiras.

Em relação à remuneração, opina ele, primeiro é necessário compreender que no Rio Grande do Sul a pluralidade da agricultura familiar faz com que se desenhem duas situações: as propriedades que são especializadas na produção de commodities agrícolas (soja, milho, entre outras) e as que são especializadas em produzir para o mercado interno (leite, frutas, suínos e aves). “O aumento do custo de produção foi generalizado e atingiu todas as cadeias produtivas. A pandemia, a guerra no Leste Europeu e principalmente a desvalorização do real ante ao dólar explicam esse fenômeno”, analisa. Kaliton lembra que, no caso da produção de commodities, apesar de os agricultores gaúchos não terem aproveitado totalmente a situação em decorrência das estiagens que atingiram o Estado, estas cadeias produtivas tiveram uma remuneração melhor. Já os agricultores que produzem para o mercado interno foram duplamente prejudicados. “O aumento do custo de produção foi o mesmo, mas a remuneração destes agricultores foi em real e não em dólar”, completa.

Em 2023, a Fetag pretende colocar como foco de suas ações o combate à fome e a busca da segurança alimentar para a população. Um dos eixos seria o retorno do Plano Safra Estadual, já em negociação com o governo do Estado, que assume em 1º de janeiro, que possibilitaria a ampliação dos programas de aquisição de alimentos da agricultura familiar.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895