Ajuda voluntária na pandemia

Ajuda voluntária na pandemia

Em uma realidade de mais de 14 milhões de pessoas sem trabalho, com muitos passando fome, cresce a mobilização de voluntários para tentar amenizar a gravidade do momento

Por
Christian Bueller

A pandemia da Covid-19, além de tirar centenas de milhares de vidas no país, impacta no bolso, com aumento do desemprego e nos preços dos alimentos. Em uma realidade de mais de 14 milhões de pessoas sem trabalho, com muitos sem comida, crescem as mobilizações de quem se importa com o próximo. Assim, voluntários fazem da solidariedade uma forma de amenizar a gravidade do momento.

O servidor público Aldo Borges, 53 anos, sempre gostou de ajudar os outros. “Gostava de preparar uma comidinha com molho, uma marmita, para moradores de rua que eu via. Na primeira onda da pandemia já estava fazendo”. Percebendo o grande número de doentes, idosos e pessoas com crianças em casa que precisam se resguardar por conta do coronavírus, ele se dispôs a fazer compras em mercados e levar os produtos, sem custos, direto nas residências. “É só passar o endereço, a lista de compras e a forma de pagamento. Não cobro nada por deslocamento”, diz o morador do bairro Teresópolis, que presta esta ajuda após as 18 horas e aos finais de semana.

Uma experiência muito difícil que passou no ano passado potencializou a vontade de prestar apoio a outras pessoas. “Tive uma convulsão em junho, enquanto dirigia. Estava só eu e meu filho próximo ao viaduto da rua Silva Só e um morador de rua, uma pessoa desconhecida, me socorreu. Sou a prova viva de que fazer o bem sem olhar a quem nos dá o mesmo retorno”, se emociona Aldo. Seis horas depois, descobriu um tumor no cérebro, retirado dias depois. “Recebi mais de 10 mil mensagens de apoio e boas energias. Ajudar o outro, mesmo apenas com palavras de carinho, é ajudar a si mesmo. Me completa”, diz o formado em Gestão Pública, que comprou um aparelho de videokê e faz vídeos cantando, atendendo a pedidos nas redes sociais, para alegrar as pessoas.

Aldo Borges se dispôs a fazer compras em mercados e levar os produtos, sem custos, direto nas residências. Foto: Ricardo Giusti

Carlos Henrique Bastos, o Kaká, 39 anos, administrador de formação, é um “consultor” de emprego. Antes mesmo da pandemia já ajudava, há mais de 15 anos, gratuitamente as pessoas que estavam procurando por um modo de sustento e precisavam montar o currículo. Ele dá dicas, ajuda a organizar o documento e o entrega em algumas empresas. Com a chegada da pandemia, esse trabalho voluntário ficou ainda mais forte. Kaká percorre as ruas da Capital em busca de oportunidade para quem precisa. “Eu vou nas casas, explicando o que falar nas entrevistas de emprego”, conta. Mas, Kaká percebeu também a falta de recursos das famílias para comprar alimentos e começou a pensar em uma forma de ajudar.

Veio, então, a ideia de criar o Porta-Malas Solidário, que carrega uma variedade de alimentos não perecíveis para aqueles que estão passando necessidades. "Quem pode, fica em casa. Quem não pode, passe aqui”, diz o cartaz pendurado ao automóvel, que abre seu bagageiro assim que chega às comunidades. “Deixo bem à vontade para as pessoas se servirem de acordo com o que precisam, massa, molho de tomate, feijão, azeite”, relata. Kaká nunca imaginou que uma ação tão simples fosse viralizar dessa forma. “É tão simples, mas vejo tão poucas pessoas fazendo.” Para o administrador, não há preço que pague sua iniciativa. “Já estive desempregado por dois anos, sei como é. Logo após perder um filho, que nasceu prematuro em um domingo de Páscoa, a empresa me chamou, na segunda-feira, para me demitir”, relembra. Desde então, esta chaga, como ele diz, o leva a ajudar outras pessoas que precisam da forma como ele precisou.

É com emoção na voz que a cabeleireira Pâmela Rodrigues conta sobre a iniciativa que já entregou 40 kits de alimentos em dez dias a necessitados da Região Metropolitana. “Eu, meu marido e minha filha começamos a anotar os telefones de pessoas que mostravam cartazes nos semáforos pedindo dinheiro e comida”, lembra. Após publicar nas redes sociais um vídeo conclamando internautas a contribuírem, Pâmela começou a receber os mantimentos onde mora, no bairro Partenon. “Os kits têm arroz, feijão, leite, óleo, massa e farinha, bem básico, mas que pode ajudar”, diz.

A voluntária de 35 anos sabe que não é suficiente para acabar com o problema na cidade ou na região, mas compreende que “ficar de braços cruzados sem fazer nada” ajuda ainda menos. “Acabei de voltar de uma entrega em Alvorada, onde a família chorava ao receber o kit. É muito gratificante. Deveria ter mais estrutura, mas fico feliz em ajudar.” Apesar do abre e fecha de seu salão devido às restrições para diminuir a propagação do vírus, a família conseguiu se organizar para manter o próprio rendimento. Enquanto isso, Pâmela segue entregando os kits a partir do cadastro que criou. Quem quiser contribuir, pode encontrá-la buscando seu nome no Facebook ou no Instagram. “Se cada um fizer um pouquinho, fazemos um monte juntos”, completa.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895