Atenção redobrada ao combate do carrapato

Atenção redobrada ao combate do carrapato

Temperaturas mais baixas e umidade aumentam a possibilidade de infestação pelo parasita causador da Tristeza Bovina

Doença decorrente da infestação por carrapato é responsável por cerca de 100 mil mortes de bovinos e bubalinos por ano no Rio Grande do Sul, segundo estima a Secretaria de Agricultura

Por
Maria Amélia Vargas

Endêmica em boa parte do território nacional, a infestação de carrapato bovino, nesta época do ano, tira o sossego de muitos pecuaristas gaúchos por conta do clima úmido do outono. Isso porque as condições climáticas tornam-se propícias para a chamada “terceira onda” de infestação pelo parasita, que fica mais perigosa por coincidir com o período de desmame dos terneiros. O primeiro pico costuma coincidir com as chuvas do início do ano. Posteriormente, ao longo do verão, ocorre a segunda. Dependendo das condições do ambiente, os animais são expostos ainda a uma quarta geração de carrapatos, no inverno. 

Entre as raças mais atingidas, estão Angus, Hereford, Holandesa e Braford (pelas suas origens europeias). O chefe da Divisão de Defesa Sanitária Animal do Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal da Secretaria da Agricultura Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), Fernando Groff, alerta que a morte do animal é a consequência mais grave da presença do inseto, mas há também uma grave preocupação com a perda de produtividade. Por se alimentar de sangue, o parasitismo causa anemia, debilitando o bovino, deixando-o predisposto a infecções secundárias, reduzindo a sua capacidade de ganhar peso e de fornecer carne e leite com qualidade. O aracnídeo também pode lesionar (e até inutilizar) o couro em razão das picadas, favorecendo a penetração de larvas de moscas causadoras de bicheira. 

Segundo estimativas do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da SEAPDR, o Rio Grande do Sul contabiliza a morte de cerca de 100 mil animais por ano por conta da infestação por carrapato. Isso sem levar em consideração a elevação exponencial de custos com medicação e atendimentos veterinários emergenciais decorrentes da Tristeza Parasitária Bovina.

O Estado não tem números sobre a infestação de carrapato no rebanho bovino e bubalino. Contudo, segundo Groff, trabalha, desde 2020, em um inquérito em parceria com o Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa) a fim de obter dados mais precisos quanto a real dimensão da ocorrência da praga. O formulário da investigação está em consulta aberta disponível no link bit.ly/Consulta-Carrapato, podendo ser respondido por produtores rurais, médicos veterinários e demais profissionais associados à cadeia produtiva da bovinocultura. 

Enquanto os resultados ainda não são conhecidos, a SEAPDR adota uma política para ajudar o criador a identificar o problema a tempo de controlar a infestação do parasita e evitar perdas produtivas. Para isso, disponibiliza kits de diagnósticos (carrapaticitograma) ao criador que solicitar. “Quem quiser, pode entrar em contato com a inspetoria veterinária, pois também oferecemos orientações para o manejo adequado do carrapato e levamos informações sobre educação sanitária”, diz Groff.

Aliada dos criadores, a ciência genética avança no combate ao carrapato. No ano passado, pesquisadores do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF) publicaram na Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária um estudo no qual apresentam pela primeira vez o sequenciamento completo do genoma de cepas brasileiras da bactéria Anaplasma marginale, um dos agentes da Tristeza Parasitária. “A disponibilização do genoma de cepas brasileiras de Anaplasma marginale em uma base de dados pública torna possível a utilização desses dados por grupos de pesquisa do mundo inteiro que tenham interesse em desenvolver tecnologias para o controle da doença”, afirma o pesquisador do instituto Bruno Dall'Agnol. No IPVDF, as informações sobre esses genomas estão servindo de base para a pesquisa e desenvolvimento de métodos de diagnóstico rápido por PCR da doença, que são mais sensíveis e eficazes do que os atualmente utilizados, e capazes de gerar uma resposta rápida ao produtor para controle de surtos.

Na Embrapa Pecuária Sul, referência em pesquisa sobre o assunto, são usadas técnicas de melhoramento genético como forma de selecionar as raças taurinas mais resistentes ao carrapato. Em parceria com os produtores, que fazem a contagem dos carrapatos nos animais com a mesma exposição, a Embrapa analisa geneticamente estes animais e tenta estabelecer diferenças. Assim, os comprovadamente mais resistentes são cruzados, gerando rebanhos com mais defesas a este parasita. “Em bois testados no Mato Grosso, observamos um aumento de um terço na resistência dos filhos destes selecionados”, destaca o pesquisador-chefe da Embrapa Pecuária Sul, Fernando Cardoso. 

Angus faz experimento

A Associação Brasileira de Angus, em conjunto com a unidade da Embrapa de Bagé, iniciou em 2021 um experimento baseado na Diferença Esperada na Progênie (DEP), uma estimativa de como os futuros descendentes de um determinado reprodutor irão expressar as características. Como o controle genômico tem ciclos longos, a entidade incorporou também a testagem de bio carrapaticidas no combate ao aracnídeo. O gerente de Fomento da Angus, Mateus Pivato, informa que estes produtos são feitos, predominantemente, de fungos. “A ideia, neste caso, é eliminar o carrapato direto no pasto de forma a não prejudicar o animal e nem o ambiente”, frisa.

Enquanto uma vacina não é comercializada e a genômica não é de acesso à maioria dos criadores do Rio Grande do Sul e do Brasil, os pecuaristas lançam mão de diversas técnicas para driblar a praga. A mais difundida é a dos os banhos com carrapaticidas químicos e biológicos. Os animais são submetidos aos produtos tanto em tanques de imersão como por aspersão, dependendo da época do ano ou da infestação. A alternância do pastejo também funciona bem a partir do momento em que não permite às larvas serem ingeridas pelo gado. 

Também está em uso no Estado o controle Lone Tick (carrapato solitário, em português), um sistema sanitário sem uso de químicos que sugere a rotação dos animais no pasto. Por meio desta técnica, o gado é manejado a cada 28 dias, alternando o local de pastagem. Esse manejo promove um intervalo de 84 dias no local do prado inicial, período em que as larvas do carrapato ficam solitárias e morrem por falta hospedeiro. A Emater/RS-Ascar lançou o sistema em Canguçu, em 2021. Quinze vacas de cria passaram a realizar a rotação. Em setembro passado, resultados apontaram que a média na contagem de carrapatos caiu de 93 para 37.

Homeopatia e estratégia

Em São Francisco de Assis, na Região Missioneira do Rio Grande do Sul, o pecuarista Márcio Sudati cria animais das raças Angus e Brangus. A estiagem dos primeiros meses do ano no Estado, provocada pelo fenômeno meteorológico La Niña, contribuiu para que não houvesse a segunda geração anual de carrapatos em suas terras.“Mesmo assim, utilizamos homeopatia e fazemos o controle estratégico para manter a infestação contida”, diz Sudati. Depois da normalização das chuvas, a partir de abril, uma onda leve atingiu a criação, afirma ele. “Porém, penso ser a última, já que temos previsão de que o frio vai chegar mais cedo no Estado”, relata Sudati.

Na propriedade de Márcio Sudati, em São Francisco de Assis, a estiagem evitou que houvesse a segunda geração anual de carrapatos no rebanho. Foto: Gabriel Oliveira / Divulgação

Em parceria com a Emater/RS-Ascar, o produtor faz o monitoramento genético do rebanho, que, além do aumento na resistência ao carrapato, também seleciona características como gordura, carcaça, tamanho, musculatura, entre outros. Este método, somado aos demais tratamentos, geram animais mais competitivos e que exigem um manejo menos trabalhoso.

Neste último verão, o produtor garante que o impacto negativo na produtividade da pecuária foi resultado da estiagem. Entre os prejuízos causados pelo carrapato, destaca as perdas pela Tristeza Bovina clínica e sub clínica, redução de peso e menor desempenho dos animais. Os estragos no couro também refletem o problema, que é combatido com o uso de reprodutores com menor pelame, “sempre analisando o índice de adaptação”, adverte.

Controle e Prevenção para cortar o ciclo do parasita

“Sempre que a infestação cresce ou tende a sair do controle, lançamos mão de drogas eficazes contra o parasita: seja em banho de imersão, aplicação de produtos pour-on ou endectocidas, aplicados puros ou associados”, conta o pecuarista Henrique Silla Lopes de Almeida, dono de uma propriedade localizada numa região endêmica para carrapato, em São Borja. Veterinário e criador de vacas Braford, Almeida costuma repetir os manejos num intervalo de tempo compatível com o ciclo do carrapato a fim de interrompê-lo.

Em São Borja, produtor adota banhos de imersão e rodízio de pastagens. Foto: Henrique Lopes de Almeida / Divulgação

Associado a este tratamento, o produtor trabalha na prevenção de novas infestações, rotacionando o campo. “Embora seja um manejo difícil em função da disponibilidade de campo, estágio fenológico das pastagens, secas, assédio da agricultura às áreas de pecuária e do próprio manejo fisiológico do rebanho”, descreve. Quando iniciou as atividades nessa propriedade, em 2018, Almeida soube que o antigo arrendatário da área havia perdido muitos animais em razão do carrapato. “Assim que cheguei, o campo estava com predomínio de gramíneas eretas e cespitosas. Iniciamos com tratamentos a fim de cortar o ciclo do parasita”, completa.

Manejos

Segundo a Embrapa Gado de Corte, o controle eficiente de carrapatos deve considerar os seguintes aspectos: o conhecimento do ciclo de vida do carrapato e suas relações com as variações das condições ambientais; a dinâmica populacional, especialmente a sazonalidade, para identificar quando a população de carrapato está na fase mais vulnerável ao controle; e considerar o grau de sangue europeu dos animais, associado com o tipo e o manejo da pastagem, bem como, a lotação estabelecida. Ao lado, um exemplo de como dar o banho de carrapaticida

Dose certa: a dose da bula. Nem mais nem menos. Subdosagens levam a aceleração da resistência e superdosagens representam grande risco de intoxicação.

Nunca misture produtos: os produtos eficientes são, em sua maioria, associações de princípios ativos. Tais associações são testadas e aprovadas na dosagem e concentração indicadas na bula. Associar produtos leva a sérios riscos à saúde dos animais e até do operador. 

Homogeneização: preparar uma “calda”, diluindo-se previamente a quantidade recomendada para o preenchimento de uma bomba em um balde à parte, com dois a três litros de água. O conteúdo do balde é, então, colocado aos poucos na bomba, adicionando-se água e mexendo sempre, até completar o volume recomendado. 

Equipamento: quanto menos contato do operador com a solução, melhor para a saúde humana e pior para o carrapato. Deve ser dada preferência a modelos em que o recipiente contendo a solução não fique “colado” ao corpo de quem banha.

Segurança do operador: é imprescindível o uso de equipamentos de proteção individual, como luvas, máscaras, macacão e botas. A exposição contínua ao produto pode levar a danos irreparáveis à saúde, até mesmo a morte.

Pressão: deve ser suficiente para atravessar os pelos, atingindo e molhando a pele, sem machucar o animal.

Aplicação: sem pressa e com capricho. Deve ser feita a favor do vento e no sentido contrário ao dos pelos.

Contenção dos animais: efetuar o banho com o animal contido (em brete ou cordas).

Quantidade: use de 4 a 5 litros de solução para um animal adulto. Para bezerros, quantidade menor, proporcional ao tamanho do animal. Deve ser banhada toda a superfície corporal do animal.

Horário e condição dos animais: para reduzir riscos de intoxicação, nunca banhar em horas de sol forte e não banhar animais cansados e ofegantes.

Fonte: Embrapa Gado de Leite

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895