Cortes sufocam a rede federal

Cortes sufocam a rede federal

As instituições públicas federais de ensino do país enfrentam o desafio de conseguir fechar as contas e sobreviver à redução de verbas

Por
Maria José Vasconcelos e Vera Nunes

Em ano de pandemia, as instituições federais de ensino do país enfrentam um segundo desafio: fechar as contas e sobreviver aos cortes orçamentários. O Ministério da Educação (MEC) aponta que, para o encaminhamento da Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021, o governo federal reduziu recursos discricionários em relação a 2020 e consequentemente diminuiu o orçamento da rede federal de Ensino Superior de forma linear na ordem de 16,5%. Somado a isso, o Decreto n° 10.686, de 22 de abril de 2021, impôs um bloqueio de R$ 2,7 bilhões no orçamento do MEC, impactando em 13,8% os repasses, para as universidades e institutos federais, sobre as despesas discricionárias.

UFRJ

UFRJ despontou no alerta nacional sobre os reflexos dos cortes orçamentários federais no ensino público brasileiro. Foto: Monica Kaneko / Flickr / CP

A primeira universidade do país, a centenária Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), despontou no alerta nacional sobre os reflexos desses cortes no ensino público. Com orçamento espremido, anunciou, no início de maio, que pode ter seu funcionamento inviabilizado. A reitora, Denise Pires de Carvalho, explicou que a UFRJ sofreu redução orçamentária de cerca de 20%, em relação a 2020. Além disso, revelou que, recentemente, foram bloqueados em torno de 14% dos recursos para as despesas discricionárias (para pagar água, luz, limpeza ou segurança) e para investimentos (como infraestrutura física). “Esses bloqueios e cortes inviabilizam o funcionamento dessas instituições de Estado”, destacou. “Não podemos mantê-las abertas, o que pode gerar um apagão na Educação Superior de qualidade, na ciência e tecnologia.”

Laboratórios e hospitais

A reitora Denise lembrou que as aulas continuam em ambiente remoto, devido à pandemia, mas ressaltou que os laboratórios de pesquisa e hospitais universitários mantêm plena atividade. “Os hospitais não pararam, muito pelo contrário, abriram leitos específicos para Covid-19. Na UFRJ, temos mais de 150 novos leitos destinados a esses pacientes. Como manter leitos abertos, laboratórios funcionando e como realizar o sonho da vacina brasileira (para Covid) sem que consigamos pagar nossas contas de luz ou água? E, o mais grave, os contratos de limpeza e segurança de nossos prédios?”, questionou.

O pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp, observou que o orçamento discricionário vem encolhendo, desde 2012, quando alcançou R$ 733 milhões. Em 2020, foram R$ 386 milhões para despesas discricionárias. Para 2021, o orçamento aprovado foi de R$ 299 milhões. Deste total, R$ 146,9 milhões foram liberados e R$ 65,2 milhões já utilizados, restando R$ 81,7 milhões. Mas, segundo a UFRJ, há R$ 152,2 milhões indisponíveis, aguardando suplementação do Congresso Nacional. E, desse montante, o governo federal bloqueou R$ 41,1 milhões, conforme Eduardo.

“A UFRJ tem custo médio de R$ 30 milhões por mês. É um orçamento que comporta cerca de dois meses, no máximo três meses, de funcionamento. Significa que podemos honrar nossos contratos na situação atual até julho”, disse o pró-reitor. “Dependemos dessa aprovação do Congresso e do desbloqueio. Se tudo isso acontecer, ainda é insuficiente. Nossa previsão orçamentária seria de R$ 383 milhões.” Ele aponta que, entre as atividades que podem ser afetadas estão pesquisa de duas vacinas contra a Covid-19, em fase de testes pré-clínicos, testagem para o novo coronavírus, redução de leitos hospitalares, limpeza, segurança, manutenção dos prédios, bolsas acadêmicas, insumos para pesquisas, pagamento de energia elétrica e água, entre outras.

MEC

O Ministério da Educação (MEC) informou que seu próprio orçamento sofreu cortes para 2021, e as unidades vinculadas a ele, consequentemente, tiveram redução de verbas. Mas a assessoria do ministério assinalou que “mantém interlocução, junto à equipe econômica do governo, em busca de melhoria no contexto orçamentário atual para a pasta”. E, em nota, alega que “não tem medido esforços” para recompor ou mitigar as reduções orçamentárias das instituições federais de ensino. “O MEC está atento à situação que preocupa suas unidades vinculadas e, na expectativa de evolução positiva do cenário fiscal, seguirá envidando esforços para reduzir, o máximo possível, os impactos na LOA 2021”, garantiu.

Recursos e bolsas

Ministério da Economia

  • Em maio deste ano, o Ministério da Economia anunciou a liberação de R$ 2,61 bilhões para as instituições federais de ensino do país.
  • Esses recursos ajudarão a recompor o orçamento de gastos discricionários. E embora sejam definidos como não obrigatórios, os gastos discricionários englobam despesas essenciais para o funcionamento de serviços públicos, como contas de luz, telefone, Internet, água, material de escritório, combustíveis, segurança, manutenção de prédios e de equipamentos. 
  • No caso das universidades, o pagamento de bolsas também é considerado despesa discricionária. O dinheiro vem do remanejamento de programas que seriam custeados com emissões de títulos da dívida pública, a serem autorizadas pela “regra de ouro”. Essa regra proíbe o Executivo de se endividar para pagar as despesas correntes – os chamados gastos da administração pública para manter os seus serviços em funcionamento.

Capes

  • A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) informou que manterá, integralmente, as mais de 90 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, que estão
  • em vigor no país atualmente.
  • Mesmo com as restrições orçamentárias, a Capes afirma que não houve interrupção no pagamento do auxílio e que não serão cortadas bolsas em 2021.
  • A medida permitirá a continuidade de vários programas, como o Programa de Combate a Epidemias, que apoia projetos de pesquisas sobre Covid-19 e outras doenças. 
  • Conforme a Capes, foram concedidas 1,9 mil bolsas a esse programa, num total de R$ 53,7 milhões.
  • Em razão da pandemia, a Capes revela que prorrogou 36,5 mil bolsas de mestrado e de doutorado no país de forma excepcional.

UFPel tem verbas até setembro

Universidade Federal de Pelotas revela que houve uma redução próxima a 20% no seu orçamento para 2021, se comparado ao ano anterior, e bloqueio de cerca de 14%. Foto: Moizes Vasconcelos / CP Memória

No Rio Grande do Sul, a Reitoria da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) anunciou, no final de maio, que, com os cortes no orçamento realizados pelo governo federal, a instituição tem recursos para se manter até setembro deste ano. A reitora, Isabela Fernandes de Andrade, entende que a redução de repasses também atinge outras instituições e revela que, no caso da UFPel, houve uma redução próxima a 20% no seu orçamento para 2021, se comparado ao ano anterior. “Incide, sobre este valor reduzido, mais um bloqueio, de cerca de 14%.”

A Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano traz uma redução de aproximadamente R$ 1 bilhão em relação ao ano anterior para as instituições federais. “Como consequência disto, a capacidade de pagamento das universidades finda em setembro. Os cortes e bloqueios inviabilizam o funcionamento de instituições federais responsáveis pela formação de profissionais de qualidade”, lamenta a reitora. No entanto, Isabela lembra que as universidades e institutos federais têm contribuído no combate à pandemia e, no caso da UFPel, mesmo trabalhando de forma remota, as atividades não pararam. “Como manter, com o orçamento cortado, o laboratório funcionando, o contrato de segurança e limpeza dos prédios e preparar a universidade para o pós-pandemia?”, questiona. Por isso, ela solicita que além do desbloqueio, o orçamento deve ser recomposto aos valores de 2020.

O pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UFPel, Paulo Roberto Ferreira Júnior, explica que o orçamento de custeio são as despesas ligadas ao funcionamento da universidade. “Em 2020, ano de pandemia, o valor foi de pouco mais de R$ 72 milhões. Neste ano, é R$ 58.946 milhões. Em 2019, conseguimos ficar sem nenhum débito pendente. De 2019 para 2021, teve uma queda, de 21%, no orçamento e um impacto expressivo na assistência estudantil, que, em 2019, era de pouco mais de R$ 14 milhões e, neste ano, chega a mais de R$ 10 milhões, ou seja, 24% menor”, compara. Ele argumenta, ainda, que o governo federal mantém bloqueados R$ 8 milhões, do orçamento de R$ 58 milhões. “Estes valores representam um corte de três meses na conta e o bloqueio de 1,5 mês. Se for desbloqueado, teremos um fôlego além de setembro.”

Sobre o orçamento de capital que deve ser usado para investimentos em obras e equipamentos, Paulo Roberto assinala que a UFPEL também enfrenta uma desvalorização. Serão pouco mais de R$ 2,4 milhões, o que representa em torno de R$ 1 milhão a menos, em relação aos dois últimos anos. “Isto inviabiliza a universidade, em médio e longo prazo, pois não conseguimos qualificar a estrutura e os equipamentos”, justifica. Já o superintendente de Orçamento e Gestão da UFPel, Denis Franco, ressalta que, sobre os 15% do orçamento que estão bloqueados, o governo usa como justificativa que dependem da arrecadação de impostos para pagar. “As despesas da universidade são baseadas em prestação de serviços, como vigilância, limpeza e portaria. Mesmo de forma parcial, isto é necessário. A energia elétrica segue gastando menos, mas têm continuidade a manutenção de geradores e uma série de atividades que são mantidas. Temos despesas suplementares, como de bolsa de ensino remoto com auxílio para aquisição de equipamentos”, exemplifica.

A vice-reitora da UFPel, Úrsula Rosa da Silva, revela que está sendo criado o próximo calendário acadêmico, sendo possível que algumas disciplinas tenham aula presencial a partir de outubro. “A maioria das ofertas segue remota e dependemos das condições da pandemia”, pondera. Diante deste contexto, a reitora Isabela reforçou o apelo para que, além do desbloqueio, o orçamento da universidade seja recomposto, de modo a ficar parecido com o do ano passado. “É importante um maior aporte de recursos, até porque também temos que preparar o espaço para o pós-pandemia. Contamos com o apoio da comunidade”, ressalta.

Colégio Pedro II já deve R$ 2 milhões

Foto: Cyro A. Silva / Flickr / CP

Assim como as universidades públicas, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e os colégios federais do país sofrem com a atual redução dos repasses educacionais. O Colégio Pedro II (CPII), tradicional instituição pública de ensino federal, localizada no estado do Rio de Janeiro, e o terceiro mais antigo dentre os colégios em atividade no país (foto), informou, no início desde mês, que a instituição terá dificuldades para manter as suas atividades a partir de setembro, devido ao bloqueio de mais de R$ 7 milhões no orçamento destinado às despesas de manutenção. Em nota, o colégio revelou que o bloqueio impede que a instituição cumpra os compromissos já assumidos; e acrescentou que pode afetar o ano letivo. “O colégio teve uma redução de cerca de 3,5% em seu orçamento de custeio. Tinha uma previsão de R$ 40.710.407, e caiu para R$ 39.313.375, com a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA).”

Após o corte de recursos, o Ministério da Educação (MEC) ainda anunciou um bloqueio de 18,13% do orçamento de custeio, representando R$ 7.128.795 do valor que é destinado para o pagamento de serviços continuados, como limpeza e vigilância, contas de água, luz, telefone e Internet, compra de materiais de consumo e realização de obras de conservação”, assinalou a reitoria.

A direção do colégio federal disse ainda, por meio de nota, que não recebeu verba do orçamento previsto para investimentos, um total de R$ 989 mil, para custear melhorias nos campi e para comprar equipamentos, além de valores de emendas parlamentares de 2020. Segundo o reitor, Oscar Halac, o Colégio Pedro II está inadimplente com fornecedores de obras já contratadas, até agora contabilizando um débito de aproximadamente R$ 2 milhões.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895