Custo alto favorece oferta de semente irregular

Custo alto favorece oferta de semente irregular

Entre 2020 e 2021, Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural observou aumento de mais de 1200% na quantidade do insumo pirata apreendido entre produtores do Rio Grande do Sul

Por
Camila Pessoa*

O Rio Grande do Sul registrou, entre os anos de 2020 e 2021, um aumento de 1236% na quantidade de sementes piratas apreendidas pelas equipes de fiscalização da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR). No ano passado, operações conseguiram tirar de circulação 1,86 mil toneladas destes insumos irregulares, contra 139,3 toneladas registradas em 2020. Em 2022, a expectativa é que as apreensões sejam ainda maiores. Um bom exemplo ocorreu no mês de março, quando, em apenas uma operação, nos municípios de Pejuçara e Augusto Pestana, foram apreendidas 750 toneladas do produto irregular. A carga seria comercializada sem a devida identificação de origem, obrigatória por lei. Conforme Rafael Lima, chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários (Disa) da SEAPDR, o crescimento deve-se à elevação no número de denúncias e, também, ao fato de que grandes volumes foram encontrados em posse de produtores individuais. Segundo ele, houve um “trabalho de inteligência, que começou a partir de denúncias”, para o qual houve, inclusive, uma realocação estratégica de agentes. 

Os produtos acabam apreendidos pela fiscalização por não atenderem os requisitos estabelecidos em legislação específica para a produção e uso de sementes. Lima relata que o volume de denúncias e apreensões flutua de forma sazonal, com aumento nos períodos anteriores ao início das safras de verão e inverno, quando há mais procura pelo insumo. O chefe da Disa admite, porém, que neste ano, a situação pode se agravar, diante do aumento dos custos de produção, o que faz a procura por sementes mais baratas aumentar. 

O processo de detecção e apreensão de sementes piratas envolve a fiscalização de locais considerados suspeitos, geração de auto de infração e multa que, dependendo da quantidade de sementes encontrada, varia entre R$ 1 mil e R$ 1 milhão. Também há análise para definição das destinações adequadas para o material, que é devolvido ao dono original para ser destruído, servir para alimentação animal ou ser usado na indústria “O grão continua na posse do infrator, que não pode mais vendê-lo”, ressalta. “Quem vende semente tem que estar registrado no Ministério da Agricultura. Já há uma série de condicionantes para esses procedimentos”, diz Lima. “A semente também tem uma marca e se alguém a vende como se fosse própria, comete um ato de pirataria”, declara.

A prática de quem vende grãos como sementes é utilizar nomes de marcas de sementes já conhecidas. “E por que a semente ficou mais cara? Porque tivemos uma estiagem que afeta toda a produção. Então quem tem material produzido como grão vê a possibilidade de ganhar dinheiro fácil vendendo-o como semente”, elucida.

O diretor administrativo da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), Jean Cirino, também menciona os riscos da utilização de sementes piratas. Segundo ele, o principal problema em não utilizar sementes certificadas é não conhecer a origem do produto. “Quando a semente é certificada você tem um padrão mínimo e um produto que garante germinação e posicionamento da cultivar”, explica. 

Conforme Cirino, enquanto o produtor de grãos tem o objetivo de produzir em larga escala, a preocupação do produtor de sementes é com fatores como germinação, padronização e pureza genética, sanitária e física. Além disso, as sementes passam por um processo de beneficiamento para garantir a qualidade da oferta e oferecem melhor resultado. “O que a gente precisa entender é que a pesquisa só funciona quando o agricultor faz uso de sementes certificadas, o insumo é o elo entre a pesquisa e a lavoura”, afirma o diretor.

Conforme estudo de pesquisadores das unidades da Embrapa Agro Oeste e Soja, Augusto César Pereira Goulart, José de Barros França Netoe Francisco Carlos Krzyzanowski, também estão entre os riscos do uso de sementes irregulares a possibilidade da presença de sementes de plantas daninhas no lote, aumentando a sua incidência no campo e dificultando o controle. 

Os pesquisadores alertam que muitas sementes piratas podem vir contaminadas, contribuindo para a disseminação de patógenos, resultando em epidemias no campo. Eles enumeram, ainda, que o uso destas sementes contribui para aumentar a disseminação de insetos-praga na lavoura; não emerge de forma uniforme no campo, reflexo do baixo vigor, o que causa falhas no estabelecimento da cultura e reduções de produtividade da lavoura; prejudica o manejo devido à mistura de cultivares e à diferença de ciclos. O agricultor não tem a quem recorrer formalmente em caso de danos a sua produção. 

Lima alerta que a compra dessas sementes também é crime. “Todo mundo responde por isso”, diz. “A legislação trata como um receptador, porque ele sabe que não é aquele o valor de mercado e mesmo assim compra, ele está tendo vantagem e pode responder por isso”, explica. 

O que disciplina a venda de sementes no Brasil é o Registro Nacional de Sementes e Mudas (RENASEM), que faz parte do Sistema Nacional de Sementes e Mudas (SNSM), regulamentado pela Lei 10.711 e pelo decreto federal 10.586, de 2020.

Para se habilitar ao comércio, o produtor deve se inscrever no site bit.ly/3whsATL, preencher o requerimento e enviar os documentos exigidos. Assim, o produtor de sementes deve apresentar a documentação que confirma a origem do material e essa origem é atestada por um engenheiro agrônomo responsável técnico, que garante que as sementes atendem os padrões de qualidade.

*Sob supervisão de Nereida Vergara

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895