Danos à economia do RS na pandemia

Danos à economia do RS na pandemia

Entidades e governos vêm contabilizando os prejuízos que se acumulam por causa da pandemia do novo coronavírus

Por
Felipe Samuel

Foto: Alina Souza

Os estragos provocados pela pandemia do novo coronavírus na economia, especialmente no comércio, na indústria e no setor de serviços no Rio Grande do Sul ainda estão sendo contabilizados por entidades e governo. O fechamento de bares e restaurantes durante o período de quarentena aprofundou a crise pela qual passava o setor e determinou o encerramento de diversos negócios na Capital. Dados da Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul (JucisRS) apontam que até maio deste ano foram constituídas 68.292 empresas, enquanto no ano passado houve abertura de 77.823 no mesmo período. 

Apesar da crise que se desenha para maior parte da economia gaúcha, o número de empresas extintas até maio deste ano - 27.128 - é inferior ao registado no mesmo período no ano passado, quando houve fechamento de 31.728 empresas. Na avaliação do presidente da JucisRS, Flávio Koch, historicamente de janeiro a fevereiro, nas regiões de turismo, ocorre diminuição do número de empresas. "Esse ano tivemos prorrogação da redução em função do momento que começou com essa pandemia, que nos atingiu em todo Brasil", afirma. Koch afirma que o setor 'sentiu' a redução da abertura de empresas e cancelamentos. "Em torno de 25% das empresas estão ativas, ou seja, de cada quatro apenas uma", avalia. 

Por conta do novo coronavírus, ele destaca que a JucisRS suspendeu atendimento presencial, embora mantenha atendimento online no site instituição. Koch reconhece que a crise sanitária atingiu vários setores da economia gaúcha. "Em março começa reabrir e o mercado se intensificar. Havia muitos processos preparados em fevereiro para abril, mas veio tudo numa leva só", admite. Apesar do contexto marcado por incertezas, Koch acredita em que dias melhores virão. "Sou otimista, pelas medidas do governo estadual, municipal e federal, percebo que estão realmente abrindo para funcionar todos os setores da economia. É preciso preservar a segurança, saúde das pessoas, mas vai haver crescimento gradativo nos próximos meses", projeta.

Com 22 anos de atendimento ao público porto-alegrense, o Galeto Santa Maria, instalado no shopping DC Navegantes, decidiu encerrar os serviços em 20 de março por conta dos desdobramentos da crise do novo coronavírus. A chegada da Covid-19 no Rio Grande do Sul, aliada a dois anos de movimento abaixo da média na galeteria, foi decisiva para a direção optar por fechar as portas do restaurante. Um dos sócios da galeteria, Eduardo da Silva Santos lembra que até a Copa América realizada em Porto Alegre no ano passado, com jogos na Arena do Grêmio, houve um alento de público e 'movimento excelente'.

Apesar do sopro de esperança, a crise econômica e as dificuldades para manter o negócio em pé após a pandemia da Covid-19 impediram a continuidade do negócio mesmo com a permissão para reabertura no mês passado. "Foi autorizado reabrir em 20 de maio. Se tivesse decidido ficar aberto não teria condições, pois o custo dentro do shopping é alto. Por isso decidimos encerrar as atividades", justifica. Com mais de três décadas de experiência no ramo, Santos afirma que está 'nos trâmites finais para dar baixa na empresa' da Capital e reforça que muitos empresários enfrentam o mesmo dilema. "Como está acontecendo agora e a quantidade de restaurantes fechados eu nunca vi parecido", adverte.

No Galeto Santa Maria, dezenas de trabalhadores foram demitidos, alguns com mais de duas décadas de casa. Com a pandemia, as despesas com aluguel, condomínio e funcionários se tornaram insustentáveis. "Tínhamos funcionários antigos, pessoas que estavam conosco há quase 20 anos, mas foi a maneira mais sensata que achamos para encerrar. Manter seria para se tornar inviável, honramos com todos compromissos com fornecedores e funcionários. Não deixamos uma dívida em Porto Alegre com o shopping", explica. Agora, o objetivo é manter o restaurante Vera Cruz, em Santa Maria, na Região Central, onde teve início toda a história da família com venda de galetos.
Mesmo assim, o desafio na cidade do interior também passa por adaptações. Com estrutura melhor fixada e clientela cativa, o Vera Cruz também precisou reduzir o quadro funcional em 25%. "Estávamos com 39 funcionários, mas tivemos que diminuir em 25% para poder passar por esse período", observa. Das 55 mesas que o restaurante oferecia, apenas 22 seguem dispostas ao público, atendendo às normas de restrição dentro de ambientes fechados. "Mesmo assim o público não retornou. À noite temos autorização para trabalhar até 23h, mas movimento ainda é pequeno. Ao meio-dia tem pouco mais, mesmo com todas as medidas de higiene adotadas, como distanciamento entre as mesas", frisa.

"As coisas não estavam bem"

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/RS) informa que os bancos até agora distribuíram apenas 5% dos R$ 40 bilhões da linha de crédito anunciada pelo governo federal no final de março para financiar o pagamento da folha de pequenas e médias empresas afetadas pela quarentena em função da Covid-19. A presidente da Abrasel/RS, Maria Fernanda Tartoni, reforça que uma pesquisa encomendada pela entidade, em abril, apontava que 44% dos proprietários pensavam na possibilidade de fechar o negócio até final de junho. "É difícil encerrar uma operação em definitivo, tomar uma decisão em dois meses. A pandemia veio para dizer que as coisas não estavam bem", avalia. 

Pelas projeções da Abrasel/RS, num cenário mais otimista 20% dos bares e restaurantes fecharão. "Num cenário ruim, serão cerca de 40%. Isso está muito perto da realidade", alerta. A preocupação com o setor é tamanha que uma nova pesquisa deve ser realizada no próximo período para verificar a confiança dos empresários do ramo. Ao cenário econômico marcado por incertezas se alia as dificuldades para os empreendedores acessarem as linhas de crédito oferecidas pelos bancos. "Está bastante complicado a linha de crédito do governo, não chegou na ponta. Há outro projeto tramitando voltado a um fundo emergencial com taxa baixa, pagável. Os bancos privados não têm interesse em oferecer com taxas baixas, tentam empurrar o 'spread' deles", completa.
  
Maria afirma que os recursos poderiam salvar muitas empresas. "Estamos falando de pegar R$ 100 a R$ 120 mil para tentar passar por esse momento, que é bem complicado para o microempresário e para sua sobrevivência", frisa.  

Pedidos de recuperação judicial devem crescer

Sócio-diretor da Albarello & Schmitz Advocacia e Consultoria, Luis Gustavo Schmitz alerta que a crise econômica mundial em função da Covid-19 deve provocar uma 'avalanche de situações de muita dificuldade' e de muita crise, especialmente no setor empresarial. Especialista em reestruturação e recuperação de empresas, Schmitz garante que o Brasil já começa a dar sinais dos efeitos da pandemia. Ele afirma que em 2016 houve pico do número de pedidos de recuperação judicial no país: 1.863. "Se compararmos 2019, alcançamos 1.387, já houve redução significativa com perspectiva de retomada econômica. Inclusive, ano passado já teve redução de 1,5% em relação a 2018, (quando houve 1.408 pedidos)", compara.

Na avaliação de Schmitz, em cenário econômico 'dentro da normalidade', a expectativa para este ano era de que os pedidos de recuperação judicial não ultrapassassem 1,4 mil. "Porém essa situação toda de agravamento da crise econômica deverá elevar esse número até acima do ano em que houve recorte, que foi 2016. Existe probabilidade grande de que venha ocorrer especialmente entre as pequenas e médias empresas, que além de serem maior número de empresa no país são as que mais sofrem com as restrições de créditos impostas pelos bancos", destaca. No Rio Grande do Sul, ele avalia que a situação se agravou em função da estiagem no interior. "Acaba afetando por si só a economia do interior do RS, que acaba refletindo nas grandes cidades, nas grandes comunidades que nós temos", afirma.

Conforme Schmitz, uma das grandes preocupações com agravamento da crise econômica são os riscos que as empresas correm no momento que optarem pelo seu encerramento ou fechamento. "A regularidade deste ato é fundamental sob pena de imputar aos administradores e também aos sócios controladores todo ônus do fechamento irregular", frisa. Ele alerta que sócios, controladores e sócios-administradores podem acabar respondendo patrimonialmente por eventuais dívidas e até mesmo irregularidade do fechamento sem o devido acompanhamento. "Isso vale para as questões fiscais, previdenciárias e trabalhistas. É um alerta que fizemos de que o empresário que pensa em desistir do seu negócio, não conseguir encontrar nenhum interessado em aquisição ou trespasse deste que procure profissional especializado", completa.

Ao avaliar o contexto atual, ele garante que deve aumentar o número de pedidos de recuperação judicial, o que poderá resultar em problemas para a recuperação econômica do Rio Grande do Sul. "É o primeiro instrumento jurídico de proteção que as empresas acabam se socorrendo, fazem de tudo para evitar processo de falência, em alguns casos até insolvência civil, dependendo da natureza ou liquidação extrajudicial ou judicial nos casos de associações e cooperativas que de certa forma acabarão sendo afetadas", explica. Ele destaca que em abril foram registrados 120 pedidos de recuperação judicial no Brasil dos quais 92 são de empresas prestadoras de serviços, o que acaba afetando o setor de mão de obra. 

Situações de insolvência também são apontadas pelo especialista. Segundo Schmitz, na média mercado, as empresas têm faturado em torno de 60% a menos do que faturavam no mesmo período do ano passado. "Tivemos redução drástica provocada por caso de força maior que atingiu mundo todo e isso provocou redução que é insustentável no curto e no médio prazo para essas empresas que já estavam com alguma dificuldade, não haviam feito reservas suficientes para momentos de crise", conclui. 

Queda na dinâmica da economia gaúcha

Coordenador do curso de Economia da Ufrgs, Maurício Weiss explica que a Covid-19 teve impacto significativo na queda atividade econômica. Ele ressalta que em média as atividades caíram em torno de 20%, com maior reflexo no setor de vestuário, que registrou redução de 70%. Em contrapartida, setor de supermercados e alimentos não foram tão afetados. "Houve queda na dinâmica da economia do RS através da piora da arrecadação. Isso mostra queda brusca da atividade. Outro dado que revela piora são os pedidos de seguro-desemprego, que em abril dobraram em relação ao mesmo período do ano passado", justifica. O economista explica que os números referentes ao fechamento de empresas levam um tempo até serem consolidados. "As empresas fechando demoram mais a aparecer, é um efeito cascata que vai afetando toda cadeia", observa.

Para mudar esse cenário pessimista, ele aponta a necessidade de atuar em várias frentes, como financiamento do BNDES e de bancos públicos para salvar empresas, transferências de recursos do governo federal aos estados para 'evitar' quebra dos governos estaduais, garantia de renda mínima a pessoas que não estão podendo trabalhar, e ampliar demanda com gastos médicos contratando profissionais da área. "Se tudo isso ocorrer de forma simultânea, pode atenuar o problema da crise", reforça. Para Weiss, 2020 será o ano da sobrevivência para muitas empresas. "A abertura não vai ser a solução mágica. Quem tem mais capital consegue sobreviver, quem tem menos não tem o que fazer. É preciso atuação forte do estado, principalmente para micro e pequenas empresas", sugere. Ele salienta que a abertura do comércio não deve impactar inicialmente na recuperação da economia. "Houve queda no consumo não apenas pelo fechamento comércio, que tem impacto brusco. Mesmo liberando, as pessoas estão receosas de sair de casa. E segundo, tem a questão da queda da renda", explica.

Apesar de reconhecer que os indicadores apontam para queda significativa da economia gaúcha, Weiss observa que o RS não 'tinha desempenho excepcional antes da pandemia'. "A atividade econômica já estava lenta e com essa situação se agravou" afirma. Ele informa que a taxa de desemprego está em torno de 9% no Estado e projeta PIB gaúcho entre -4% e -7%. A retração, segundo Weiss decorre da queda da atividade econômica em função da falta de demanda em todo país. Ele projeta que o PIB brasileiro deve registrar queda entre -7% e -10%. Para Weiss, o RS leva certa vantagem em relação ao resto do Brasil por conta do setor primário, que tem peso importante na economia gaúcha. "Safra deve ter bom desempenho, e talvez a economia gaúcha não tenha queda na mesma proporção que no resto do Brasil e pode atenuar queda do PIB", frisa. 

Ele reforça ainda as falhas no crédito oferecido pelo governo federal. De acordo com o Banco Central, dos R$ 40 bilhões destinados ao Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), pouco mais de R$ 1,9 bilhão chegou às empresas. E alerta para a importância de as linhas de crédito chegarem a micro e pequenos empresários. "Dependendo da situação, pode desenvolver uma cadeia negativa, como a empresa fechar ou iniciar processo, interromper pagamento de fornecedores, o fornecedor pode ficar ruim também. É todo um encadeamento do setor produtivo", destaca. Weis destaca ainda a perda no mercado de trabalho, a queda na renda e menor demanda por serviços. "Como tem queda generalizada na renda pode contaminar outras empresas que não estavam tão problemáticas. Algumas vão se espalhar na economia, com queda do PIB e do emprego", frisa.

"Ano perdido", afirma presidente da Federasul

De acordo com a Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), a expectativa para o segundo semestre é de retomada lenta para a economia gaúcha. Para a presidente da entidade, Simone Leite, o cenário econômico deve ter melhora apenas a partir do próximo ano. "Tivemos todo ano perdido, para o RS seria muito promissor, pois tivemos reformas aprovadas, teria as reformas tributária e administrativa", lembra. Ela destaca que as políticas públicas voltadas para saúde para evitar que 'vidas se perdessem' teve um preço alto para a economia. "Empresários e negócios foram impactados e fecharam. A única crítica política é que o RS fechou cedo demais, pois uma empresa consegue se manter até 20 dias sem operar. Imagina 60 dias? Isso tem custo muito alto, como custo fixo de folha de pagamento, despesas correntes sem que tenha entrada. Tem impacto muito sério", avalia.

Além disso, Simone explica que muitas empresas fecharam e não reabriram. Para a dirigente, o comércio ainda se ressente de maior segurança para retomar os serviços em função do critério de bandeiras definidos pelo governo estadual para serviços que têm permissão para operar. "O maior problema é não ter previsibilidade. O RS pode estar em bandeira vermelha e ter que fechar tudo novamente", destaca. Além da ausência de previsão para reabertura definitiva do comércio, ela alerta que empreendedores que têm recursos não estão investindo. "As pessoas estão receosas, as que estão sem renda ou perderam trabalho não estão gastando, o dinheiro não está circulando", afirma. 

Em reuniões com empresários, existe consenso de que as empresas encolheram. E esse cenário deve se manter pelos próximos dois anos se não houve redução de tributos na folha de pagamento. 
Para Simone, essa é alternativa para voltar a criar vagas no mercado de trabalho. "É preciso reduzir a carga tributária para voltar a contratar, existe custo muito alto sobre a folha de pagamento", afirma. "Custo de ter funcionários é altíssimo", completa. Ela alerta que o endividamento do setor impede uma retomada mais rápida. "Não adianta o BNDES fazer anúncios se o dinheiro não chega na ponta em função de garantias. O dinheiro não chega, tem mais empresas fechando as portas e entrando em situação de falência", critica.

Sebrae oferece atendimento remoto

O gerente de relacionamento com clientes do Sebrae, Fábio Ghedin, explica que desde o início da crise sanitária por conta do novo coronavírus, mais de 120 mil clientes buscaram orientações junto ao Sebrae por meio de número de telefone. O serviço remoto foi a maneira encontrada tirar dúvidas de micro e pequenos empreendedores quanto à continuidade dos negócios. "Houve aumento da demanda por orientação junto ao Sebrae, apoio está no nosso nome. É natural que nessa hora Sebrae se coloque para ajudar o setor", frisa. 

Conforme Ghedin, em média 75% das empresas foram impactadas negativamente pela pandemia desde início da crise. Conforme dados da entidade, a expectativa é de que, nos próximos 30 dias, 45% dos empresários pretendem manter seus negócios apesar da crise. "Outros 25% vão reposicionar sua atuação", justifica. 
Ghedin afirma que o impacto é grande para maior parte das empresas, que buscas por informações sobre benefícios fiscais, apoios, qualquer tipo de acesso a crédito, fomento, subsídio. "Essas questões têm sido a tônica das pessoas, como buscar crédito", salienta. 

Ele acrescenta que o Sebrae faz pesquisas e monitora o cenário econômico desde início da pandemia da doença. "Começamos em final de março migrar atuação do presencial para remoto. Rede de atendimento remoto foi a campo, se colocando ao lado do empresário. Desde então esse esforço está mantido", completa. Além do auxílio remoto, ele explica que os canais digitais do Sebrae já alcançaram 1,2 milhão pessoas via redes sociais.

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895