Disparada na irrigação

Disparada na irrigação

Após severa estiagem, produtor gaúcho aposta na tecnologia para aumentar produção

Por
Cíntia Marchi

A comercialização de equipamentos de irrigação deu um salto no Rio Grande do Sul neste ano. Empresas afirmam que as vendas chegaram a aumentar até 350% na comparação com anos anteriores. Também acreditam que o bom momento seguirá em 2021. A disparada dos preços das commodities, que abriu oportunidades para novos investimentos, ajuda a explicar o desempenho do setor. Mas o gatilho principal foi a seca que frustrou a safra 2019/2020 e encolheu a colheita de grãos justamente no ano marcado por cotações recordes.

Para escapar desta desventura no ciclo 2020/2021, que também já sente impactos de um novo evento de estiagem, produtores correram contra o tempo neste ano para instalar projetos novos de irrigação ou expandir os já existentes. “A estiagem gerou um efeito psicológico importante e fez o produtor tomar a decisão”, observa Juan Miguel Algorta Latorre, gerente comercial nacional da empresa Fockink, de Panambi, que apresentou uma variação superior a 150% nas vendas em 2020 na comparação com 2019.

A demanda aquecida por equipamentos levou empresas do setor a ampliar equipes de montagem, de projetos e de assistência técnica. O prazo de entregas de pivôs triplicou na comparação com 2019, passando de cerca de 30 para mais de 100 dias, em virtude da alta procura e também da falta de componentes para fabricação das estruturas, em pleno cenário de pandemia.

Foto: Cristian Azevedo

O diretor comercial da Irridrop Irrigação, revenda da Valley em São Luiz Gonzaga, Cristopher Haselein Flores, afirma que as vendas de pivôs feitas pela empresa, entre outubro de 2019 e outubro de 2020, tiveram um incremento de 350% em relação à safra anterior. Para 2021, o crescimento previsto já é de 200% sobre o ciclo 2018/2019. “A tendência é que o ano que vem seja ainda melhor do que foi 2020”, estimou. O diretor de compras da revenda, Tiago de Oliveira Buligon, conta que foi preciso aumentar a equipe para dar conta das solicitações dos agricultores, mas que falta tempo inclusive para qualificar a mão de obra. “Abrimos a empresa em 2016 e vínhamos num cenário tranquilo até março deste ano quando a demanda explodiu”, relata Buligon.

Dos negócios fechados neste ano pela Irridrop, 48% foram viabilizados com recursos próprios, diferentemente dos outros anos quando boa parte das vendas ocorria via financiamento. “Os produtores se capitalizaram e decidiram investir em irrigação que, eu sempre digo, é o melhor seguro agrícola que existe”, defende Flores.

A partir de informações que obteve com outras empresas, ele acredita que na safra 2019/2020 tenham sido comercializados no Rio Grande do Sul cerca de 300 pivôs. Se este número realmente se confirmar, significa um incremento de em torno de 18 mil hectares irrigados no Estado (considerando que, em média, cada equipamento cobre uma área de 60 hectares). A demanda tem sido impulsionada não apenas pelos produtores de soja e milho, mas também pela produção de arroz. 

Segundo a Radiografia da Agropecuária Gaúcha, lançada pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) durante a última edição da Expointer, o Estado tem hoje 225 mil hectares irrigados, o equivalente a 3% das áreas agrícolas. Parte desta área foi viabilizada após o surgimento do Programa Estadual Mais Água Mais Renda, criado em 2012 para tentar facilitar a obtenção de licenças ambientais e incentivar, por meio de subsídios, a instalação de novos equipamentos. Antes do programa, havia cerca de 100 mil hectares irrigados. 

 

Antídoto contra a seca

Produtor Lincoln Poerscke. Foto: Camila Wild Poerscke.

A falta de chuvas regulares durante o verão na Fronteira-Oeste do Estado levou o médico Lincoln Lima Poerscke, de São Borja, a “proteger” suas atividades no campo com seguro rural e investimentos em irrigação. “No verão, a chuva é uma questão de sorte no Rio Grande do Sul, para alguns chove na hora certa e para outros não”, diz Poerscke que, pela primeira vez, opera um pivô central na propriedade. Com licenciamento pronto, o equipamento foi adquirido neste ano para cobrir 42 dos 500 hectares da lavoura de soja. A ideia é ampliar o número de pivôs com o passar do tempo. “O investimento é alto, então temos que ir fazendo aos poucos”, observa.

Na atual safra, é a primeira vez que o produtor também plantou grãos. Até então ele se dedicava à pecuária, com resultados interessantes na irrigação da pastagem por meio de sistema de aspersão em malha, instalado há sete anos. “Esta irrigação dá um bom efeito para pastagem e me permite produzir feno para comercializar”, conta. Neste ano, a integração pecuária-lavoura será feita com soja. Na safra 2021/2022, quando tiver adquirido mais conhecimento sobre o funcionamento do pivô, a ideia é semear milho na coxilha irrigada. “Milho exige muita água e não quero arriscar”, afirma.

Produtor Régis Giovelli. Foto: Antônio Giovelli Neto.

Se Poerscke tem nesta safra a sua primeira experiência com pivô central, em São Luiz Gonzaga o produtor de grãos e sementes Régis Augusto Giovelli já conhece a tecnologia de longa data. Ele conta que a ideia de irrigar as lavouras de milho e soja aconteceu a partir dos prejuízos amargados após a seca de 2004/2005. De lá para cá, a fazenda vem ampliando o número de pivôs a cada safra. Atualmente, são 17 equipamentos, proporcionado uma cobertura de 30% da plantação. A meta, segundo Giovelli, é alcançar metade da área total da propriedade.

No final da última safra, em maio, o produtor adquiriu quatro novas estruturas, que foram montadas durante o inverno. “Como se falava em um novo La Niña na primavera, tratei de correr para poder usar os pivôs já na safra 2020/2021”, relata o irrigante. Giovelli explica que a área irrigada produz, em média, 200 sacos de milho e até 90 sacos de soja por hectare. Na lavoura de sequeiro, durante um episódio de estiagem, dependendo da severidade, esta produtividade se reduz para menos da metade. O produtor conta que, neste segundo semestre, a seca já provocou uma quebra de 70% no milho plantado na região, enquanto que o grão irrigado, apesar de sofrer com a temperatura, tem apresentado um potencial produtivo superior a 180 sacos por hectare.

Produtor Régis Giovelli. Foto: Antônio Giovelli Neto.

Para os interessados em começar a irrigar suas áreas, Giovelli recomenda um planejamento de pelo menos um ano para concretizar os projetos. Ele lembra que a instalação das estruturas é apenas uma das etapas do processo, que é precedido pelas licenças ambientais, melhoria da rede de energia elétrica, escolha, compra e instalação dos equipamentos.

O irrigante avalia que, nos últimos anos, o Estado avançou em alguns pontos. Um deles foi a redução do prazo de obtenção da outorga do uso de água junto aos órgãos ambientais, documento necessário para a operação dos equipamentos. “Nos anos 2000 se levava três anos para conseguir a outorga e isto travou muitos negócios na época”, conta. Também considera que houve evolução na oferta de crédito e menores juros bancários para quem quer investir.

No entanto, o produtor considera que o problema maior tem sido a questão do fornecimento de energia elétrica. Em função desta deficiência, parte dos pivôs da propriedade tem sido “tocada” por diesel. “Só que óleo diesel praticamente dobra o custo da hora irrigada”, diz. Apesar dos obstáculos, ele recomenda o investimento. “Irrigação serve para dar estabilidade no fluxo de caixa e garantia de renda”, destaca o produtor de sementes.

 

Orizicultura amplia uso do pivô

Juliano, Vilson e Leandro Teichmann. Foto: Matheus Zimmer.

Embora os produtores rurais tenham privilegiado o uso do pivô central nas áreas de milho e soja, a cultura do arroz, tradicionalmente feita por inundação da superfície, também tem se beneficiado da tecnologia no Rio Grande do Sul. Ainda são pontuais os casos de arrozeiros que usam a ferramenta, mas há chance de que isso se torne uma tendência nos próximos anos, avalia o gerente comercial da Fockink, de Panambi, Juan Miguel Algorta Latorre. “O arrozeiro tradicional que migrou para a soja pela atratividade econômica poderá voltar às origens, produzindo arroz com custos bem mais baixos”, prevê.

O principal apelo do arroz sob o pivô é a redução dos gastos no preparo da lavoura e o consumo menor de água. O diretor comercial da Irridrop Irrigação, Cristopher Haselein Flores, diz que vem crescendo ano a ano o número de irrigantes de arroz de olho na economia gerada, estimada em cerca de 40% no manejo operacional da área plantada e de até 35% na quantidade de água utilizada. Para o agrônomo José Enoir Daniel, consultor em irrigação, se o pivô garante o solo encharcado sem atolar na lavoura, não há contraindicações para o uso na área arrozeira. “Facilita bastante a rotação com a soja, o que é altamente recomendado”, enfatiza Daniel.

Em São Borja, o produtor Leandro Teichmann explica que a decisão de irrigar parte da lavoura de arroz com pivô central visou a diluição de custos, já que a cultura tem tido margens muito apertadas. Mas, antes de implantar o projeto, a família foi em busca de informações. Pesquisou em Uruguaiana um empreendimento que era tocado, de forma pioneira desde 2002 e, em 2006, começou a viabilizar arroz embaixo do pivô. Em 2008, consolidou o uso da tecnologia nas áreas de coxilha, onde alterna a produção de arroz e soja.

Segundo Teichmann, o uso do pivô representou uma redução significativa no manejo. O preparo das lavouras convencionais exige a nivelação do solo e a reconstrução das taipas a cada safra, etapas que são eliminadas nos terrenos cobertos por pivôs. O produtor estima uma queda média de 30% nos custos, o que inclui menos mão de obra e mais eficiência dos maquinários, além da diminuição no consumo de água.

A família já chegou a irrigar com pivô central uma plantação de 550 hectares de arroz. Neste ano, Teichmann conta que se optou pela plantação do arroz nas áreas próximas ao rio, para usar o sistema tradicional de inundação – há o receio de alta evaporação da lâmina de água proporcionada pelo pivô, em função do La Niña. “Como já ficamos algumas semanas sem chuva, esta lâmina de água corria o risco de ficar deficiente”, explica. A estratégia, então, foi plantar soja na área irrigada pelos pivôs. Nos anos de previsão de muita chuva, a família evita a semeadura na área ribeirinha por conta de risco de enchentes.

 

Estado prepara novo programa

Foto: Fockink / Divulgação.

Ciente de que a irrigação é fator determinante para que os agricultores consigam ampliar a produção sem a necessidade de incrementar a área, o Estado irá lançar ainda neste ano um novo programa de irrigação, substituindo o Mais Água Mais Renda que, em março passado, deixou de subvencionar instalações de novos projetos de irrigação. Elaborada por um grupo de trabalho, formado por órgãos públicos e entidades, a proposta já foi apresentada pelo secretário da Agricultura, Covatti Filho, ao governador Eduardo Leite.

Segundo Covatti Filho, já está aprovado, junto à Secretaria da Fazenda, o recurso que será usado para subsidiar os sistemas de irrigação, mas os valores serão divulgados somente no ato de lançamento do programa. Ele explica que a subvenção será destinada aos pequenos e médios produtores. “O objetivo é atingir o máximo possível de famílias e, na medida em que o programa for apresentando resultados, vamos aumentar este recurso”, aponta o secretário, ao lembrar que um dos focos principais será a ampliação do volume de milho colhido no Estado. Além de subsídio, o programa prevê ações de conservação de nascentes, perfuração de poços e assistência técnica ao produtor.

Ao mesmo tempo, o secretário comenta que tem buscado junto à Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura e ao Ministério Público Estadual formas de tentar destravar burocracias que envolvem as licenças ambientais, pleito que tem sido cobrado pelos produtores. Covatti acrescenta que o novo Código Ambiental do Rio Grande do Sul, sancionado em janeiro, proporcionou avanços no que se refere à desburocratização.

Para entidades do setor, a adesão à irrigação só não deslancha no Estado por conta de dois gargalos: burocracia de licenças ambientais e deficiência de energia elétrica. O coordenador da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Domingos Velho Lopes, cobra flexibilização de regras ambientais, sobretudo no Bioma Pampa, onde há judicializações envolvendo a questão da reserva legal em área rural consolidada. “Sem resolver os entraves na seara ambiental e as judicializações, sempre voltaremos ao debate do porquê não temos uma solução para a seca no Estado”, lamenta.

O presidente da Associação dos Produtores de Milho (Apromilho/RS), Ricardo Meneghetti, defende que o Estado declare as atividades agrícolas como de impacto social como estratégia para tentar um abrandamento em leis federais ambientais. “Estamos passando por uma situação de impacto social, com duas estiagens seguidas e alimentos muitos caros”, afirma. Além das questões ambientais, o presidente da Assembleia Legislativa, Ernani Polo, solicitou ao governo estadual que estude a possibilidade de desoneração de tributos sobre equipamentos de irrigação. 

 

Potencial para a expansão

Foto: Fockink / Divulgação.

Apesar do avanço da irrigação nos últimos anos, o agrônomo e consultor José Enoir Daniel considera que ainda há muito atraso na implantação desta ferramenta diante da garantia de produtividade que ela proporciona. Segundo Daniel, o Rio Grande do Sul tem potencial para irrigar um milhão de hectares, já que possui recursos hídricos e, exceto em anos de seca, tem chuvas durante o ano todo para abastecer rios, barragens e açudes. O que falta, na avaliação do agrônomo, é a criação de uma cultura para investir nisso. “As pessoas precisam entender que irrigação é uma tecnologia e não uma técnica para combater seca”, sustenta.

Daniel defende a irrigação como um sistema complementar à má distribuição da chuva. Explica que, mesmo em anos com altos volumes de precipitação, haverá semanas de carência de água para as plantas e é neste momento que o pivô vira protagonista para garantir o alto rendimento da lavoura. Segundo o consultor, em geral, a produtividade por hectare dobra nas diferentes culturas irrigadas.

No caso do milho, os produtores têm conseguido colher 200 sacas por hectare embaixo dos pivôs, enquanto que o rendimento médio das áreas de sequeiro tem sido de 95,4 sacas, segundo a Emater. O aumento da irrigação nas lavouras semeadas com milho é tido como ponto estratégico para que o Estado possa reduzir o déficit do grão que, na safra 2020/2021, poderá chegar a 3 milhões de toneladas por ano.

Por outro lado, Daniel observa que, sem energia elétrica suficiente, muitos irrigantes têm optado pela combustão a diesel para acionar os equipamentos. No entanto, alega que o custo praticamente triplica. “O produtor tem que fazer um estudo econômico para ver se compensa”, sugere o especialista. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895