Escuta e revelações

Escuta e revelações

Método desenvolvido pela Embrapa analisa frequência respiratória de bovinos para identificar gasto de energia

Por
Carolina Pastl*

Os problemas gerados em bovinos de leite e de corte expostos a altas temperaturas e umidade não são tão silenciosos quanto parecem. É o que uma pesquisa liderada pela Embrapa Rondônia demonstrou, ao validar a escuta como um método inédito para medir a frequência respiratória de novilhas e vacas em lactação da raça Girolando, responsável por aproximadamente 80% do leite produzido no Brasil, em sistema de pastejo. Para o futuro, o estudo deve criar um dispositivo que lê essa e outras variáveis de animais – tecnologia que já existe em outros países, mas a preços altos.

O trabalho, feito em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Universidade Federal de Rondônia (Unir), começa pela fixação, com fita adesiva, de um gravador de MP3 que funcione a pilha no cabresto do animal a ser deixado por 48 horas. Depois, é preciso recolher o aparelho, retirar o arquivo e conferir a frequência do som no Audacity, um software gratuito. “A maioria dos sons que coletamos tem ruído. Por isso, quando se tem dúvida se o som é de respiração ou de ruminação, por exemplo, nós temos que comparar o diagrama dessa frequência com um modelo de respiração, que sempre é ritmado”, detalha o professor da UFPel e membro da Coordenação do Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Pecuária (Nupeec), Eduardo Schmitt. Até então, produtores e pesquisadores tinham dificuldades de monitorar a respiração ao longo de todo o dia, já que, pelo método tradicional (visual), isso é feito observando o movimentos do flanco dos animais. Agora, o que se faz é contar quantas vezes a mesma frequência aparece no decorrer do som no software.

Pesquisa indica que sombra do arvoredo aumenta o conforto térmico das vacas e indica benefícios na integração da lavoura com florestas e pecuária. | Foto: Eduardo Schmitt / Divulgação

Schmitt também lembra que essa metodologia pode ser uma forte aliada em avaliações de sistemas como Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), já que a sombra das florestas aumenta o nível de conforto térmico de animais e a rotação de culturas favorece o solo das pastagens. Vale lembrar que, ao escutar a respiração dos animais, é possível saber se estão gastando mais energia ao correlacionar essas informações com um parâmetro de desempenho, como a produção de leite. “Numa visão prática, isso pode auxiliar em pesquisas que ajudem a definir, por exemplo, quantos metros quadrados de sombra devem ser ofertados para os animais produzirem mais”, explica.

A ideia da pesquisa começou em 2013, quando Schmitt, que na época era ligado à Embrapa Rondônia, submeteu ao CNPQ uma proposta de estudo que visava entender como as vacas reagiam ao calor naquele estado. Dando continuação a esse trabalho, em 2018, quando a mestranda Giovanna de Carvalho, orientada pela pesquisadora da Embrapa Rondônia Ana Karina Salman, monitorava o comportamento de animais, percebeu a respiração no áudio que estava captando a ruminação. “Foi então que decidimos por esse foco”, conta Ana Karina.

O grupo já possuía técnicas para medir as demais variações, que são comportamentais (tempo de pastejo, de ruminação, de ingestão de água e de ócio), fisiológicas (temperatura vaginal) e ambientais (temperatura, radiação solar, velocidade do vento e umidade ar). A frequência respiratória entrou como segunda variável do parâmetro fisiologia.

O trabalho foi publicado na revista Livestock Science em setembro de 2020 e ficou também entre os 10 melhores do Workshop Temple Grandin de Bem-estar Animal, que ocorreu em 2018, em São Paulo, e reuniu especialistas renomados no tema.

Problemas

Quando bovinos são expostos a altas temperaturas, eles precisam acionar mecanismos para dissipação de calor, como aumento da circulação de sangue na pele, de suor e da frequência respiratória. “Tudo isso representa um custo energético para o animal, que acarreta diminuição de produtividade e de imunidade, aumento de suscetibilidade a doenças e interferências na fertilidade”, salienta Ana Karina. “Em um sistema de produção, na prática, o animal acaba gastando parte da dieta para se termorregular, o que gera um desperdício para o produtor”, acrescenta Schmitt.

* Sob supervisão de Elder Ogliari

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895