Esgoto, bem longe do ideal

Esgoto, bem longe do ideal

Ampliar a cobertura de coleta e tratamento nas cidades é desafio nacional

O TAMANHO DO PROBLEMA

TEXTOS: MAUREN XAVIER
FOTOS: ALINA SOUZA

O forte odor desconcerta e incomoda. O caminhar tem que ser a passos lentos e cuidadosos, sobre madeiras improvisadas no chão. Embaixo, um buraco de praticamente 1 metro de diâmetro, aberto após uma proteção de concreto ter cedido. Ali, há mais de seis meses é possível ver uma densa água turva, mistura de lixo, resíduos, terra e, principalmente, do esgoto, vindo do encanamento improvisado de algumas dezenas de casebres. “Já pedimos providência, mas ninguém veio”, comenta Luiz Antônio da Cruz, morador do local, que diariamente precisa se equilibrar para entrar e sair da casa, uma vez que o buraco fica exatamente na frente.

Pode-se pensar que a situação ocorra em algum lugar de difícil acesso ou afastado do centro da cidade. Porém, a casa fica quase às margens da rua Voluntários da Pátria, na entrada de Porto Alegre, e no meio do caminho de duas obras milionárias: Arena do Grêmio e Nova Ponte do Guaíba. Apesar de exemplificar uma situação precária, ela não é única. Luiz integra um grupo considerável da população brasileira que convive com a ausência de estrutura de esgoto. De acordo com a pesquisa mais recente do IBGE, 72,4 milhões de pessoas vivem em 

72,4 milhões de brasileiros vivem em locais sem acesso à rede geral de coleta de esgoto, diz IBGE

locais sem acesso à rede geral de coleta de esgoto. O levantamento aponta que 66,3% das casas estão diretamente conectadas à rede geral ou que contam com fossas ligadas. Apesar da média, há diferenças consideráveis entre as regiões, com uma piora nos índices dos estados do Norte e Nordeste, e melhora no Sul e Sudeste.

Porém, os números representam apenas uma faceta do panorama do esgoto no país. Os levantamentos divergem entre si, inclusive sendo contestados por especialistas. Mas são dados preocupantes. Elaborado pela Secretaria Nacional de Saneamento, o 23º Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos (SNIS-AE), referente a 2017, mostra que 40% da população no país não tinha coleta de esgoto. O estudo incluiu 3.865 municípios e cerca de 92,0% da população urbana. Mas o que preocupa mesmo é que apenas 46% do esgoto gerado no Brasil é efetivamente tratado. Em outras palavras, os outros 54% devem ir, direta ou indiretamente, para o meio ambiente, poluindo e comprometendo os recursos naturais, especialmente os hídricos. “Em pleno século XXI, em que a tecnologia predomina, em relação ao saneamento vivemos em condições do século XIX”, avalia Edison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, formado por empresas relacionadas ao setor de saneamento básico.

Em todas as cidades, o problema gera impactos econômicos, sociais e ambientais. Segundo o Banco Mundial, o Brasil não integra os 100 melhores países em relação ao saneamento. “Estamos atrasados, pior que os vizinhos da América Latina”, cita Carlos. Apesar de caminhar a passos lentos, o levantamento do governo federal mostra aumento de 9,7 mil quilômetros de redes de esgotos (3,2%) em relação a 2016. No que se refere aos volumes de esgotos coletado e tratado, foi observado acréscimo de 252,5 mil (4,6%) e de 122,9 mil metros cúbicos (3,0%).

 


OS DADOS E A REALIDADE

 

O índice de coleta de esgoto no Rio Grande do Sul é de 30%, sendo que destes, o percentual de tratamento é de 80,97%, segundo o SNIS. Apesar de preocupantes, eles não representam a realidade do Estado, alertam o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, promotor de Justiça Daniel Martini, e a presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental Seção Rio Grande do Sul (Abes-RS), Jussara Kalil. Ambos são enfáticos ao afirmarem que os dados mostram as estruturas de rede de tratamento (canalização e unidades de tratamento). Mas, muitas vezes, não levam em consideração a existência de outras maneiras de captação e tratamento, como as fossas sépticas. Assim, os números precisam ser contextualizados e interpretados. Por exemplo, os dados oficiais do Estado indicam que 25% do esgoto é tratado. “Mas não é verdade”, aponta Daniel Martini. Uma das críticas é porque nem todas as pesquisas levam em consideração as áreas rurais, onde há serviços específicos. 

A busca por um diagnóstico completo é um desafio às autoridades e especialistas. A justificativa, em parte, passa pelas discussões e divergências em relação à responsabilidade do esgoto e às novas exigências, trazidas pela Lei do Saneamento (lei 11.445). Por exemplo, que passou a exigir dos municípios a elaboração de planos específicos, que avaliassem as características da sua localidade para identificar as melhores maneiras de solucionar o problema. Porém, além da adesão ter sido baixa, ainda foram identificadas situações, no Rio Grande do Sul, de simples cópias, em que cidades nem alteraram os nomes nos seus arquivos. Assim, as informações podem não ser exatas.

30% é índice de coleta de esgoto no Rio Grande do Sul

Um das iniciativas para dar uma dimensão mais real à situação é a elaboração do Plano Estadual de Saneamento, lançado em 2017, pelo governo do Estado. A ideia é exatamente estabelecer diretrizes e ações prioritárias para o saneamento. Inicialmente coordenado pela Secretaria Estadual de Obras, Saneamento e Habitação, atualmente encontra-se sobre a tutela da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura. Além do esgoto, trata dos outros eixos do saneamento. Segundo o diretor do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura, Paulo Renato Paim, após suspensão, o projeto foi retomado na sexta-feira. “A troca de secretaria não foi por acaso, mas para dar uma leitura diferente, mais ambiental”, afirma. Com a retomada, a previsão é que até final de 2020 o plano esteja pronto. “A ideia é que ele consolide informações e que tenhamos um plano efetivo de ação, de forma articulada”. Além disso, é importante ressaltar que há uma fragmentação nas informações, em parte pela descentralização do serviço. Algumas cidades contam com serviços próprios, como é o caso do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) em Porto Alegre, e o Comusa, em Novo Hamburgo, outras têm parceria com a Corsan, empresas privadas ou assumiram a gestão.

A Corsan presta o serviço de abastecimento de água a 316 municípios, mas, quando trata-se de esgoto, cuida de 285 contratos. Destes, 52 municípios têm sistemas de esgoto parcialmente implantados. A própria empresa reconhece que o maior desafio é ampliar a rede. Nesta lógica, o projeto mais audacioso é a “PPP da Corsan”, que envolve os principais municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre. A intenção é garantir investimentos de R$ 1,78 bilhão e ampliar a cobertura de esgoto para 87,3%, em até 11 anos, em nove cidades: Alvorada, Viamão, Gravataí, Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, Guaíba e Eldorado do Sul. A escolha das localidades não é por acaso. São cidades com grande volume populacional e, ao mesmo tempo, carência de serviços. Segundo o Instituto Trata Brasil, Canoas e Gravataí estão entre as 20 piores cidades dos 100 municípios mais populosos do país.

Pela modelagem indicada, seria firmado contrato com uma empresa privada, no valor de R$ 9 bilhões, por 35 anos. A iniciativa ainda não deslanchou pela ausência da adesão de Canoas, que depende da aprovação dos vereadores para um projeto de lei. Apesar das negociações com Canoas ainda não terem terminado, a coordenadora da PPP, Alessandra Fagundes dos Santos, afirma que o projeto sairá com ou sem a cidade. Ela reconhece o desafio, mas ressalta a urgência da questão. “Temos uma média de cobertura baixa, em torno de 15% (nos municípios de cobertura da Corsan). Precisamos elevar os índices e rapidamente”. A proposta tem críticos, que acreditam que a iniciativa fragiliza a Corsan e abre caminho para a possível privatização.

Outro desafio da empresa é a elaboração do plano de expansão. A dificuldade está no processo de mapeamento e a divisão por características dos municípios, como a quantidade de unidades (residências), explica Alessandra. A lógica é simples. Em cidades pequenas, o custo para implementar a canalização e uma estação de tratamento é muito elevado, tornando quase inviável. Assim, sistemas de fossa séptica, para armazenar, e depois a coleta, por uma empresa, para levar até a unidade de tratamento, pode ser uma saída com bom “custo-benefício” e elevaria rapidamente os índices de serviço de cobertura e tratamento, como aponta Daniel Martini.


SOLUÇÃO ALTERNATIVA

 

Um exemplo desse modelo foi testado e obteve resultados satisfatórios em Atlântida Sul, no Litoral Norte. O projeto-piloto, que envolveu o programa RESsanear, do MP, a Corsan e a Fepam, foi lançado no final de 2017. Na ação, a Corsan fazia o serviço de coleta, transporte, tratamento e destinação adequada do lodo das fossas sépticas com periodicidade. Nesse caso, o lodo retirado foi para a Estação de Tratamento da companhia em Xangri-Lá. Martini ressalta o baixo custo da operação e o bom resultado final, podendo ser repetido em outras cidades.

Especificamente no Litoral Norte a solução pode ser benéfica a curto prazo e estando associada a um conjunto de projetos de estações de tratamento. Segundo a Corsan, estão em obras a ETE Guarany, em Capão da Canoa, que tinha previsão da conclusão da primeira fase em março de 2019, a de Tramandaí e a de Santo Antônio da Patrulha, que deverão ficar prontas no segundo semestre deste ano.

Na região, de maneira geral, a cobertura do serviço é baixa. Como consequência, o esgoto acaba sendo despejado diretamente no mar, como verificado na beira da praia, ou em lagoas costeiras. Por ser uma região sazonal, no inverno o impacto é menor e, no verão, como o aumento da população, a situação fica crítica. Segundo a professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), Daiana Maffessoni, a preocupação é pela degradação dos recursos hídricos, como a presença de coliformes fecais nas lagoas. Apesar de reconhecer que o problema não é isolado da região litorânea, ela acredita que as obras deverão auxiliar. Porém, o receio é com investimentos futuros. “Para universalizar são necessários volumes muito elevados e a expectativa é que demore muito tempo.”


DESAFIOS DA CAPITAL

 

A capital gaúcha evoluiu nos índices de prestação do serviço a partir da implantação do Pisa (Programa Integrado Socioambiental), desenvolvido nas últimas duas décadas. O projeto teve parte financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e viabilizou importantes obras, como a construção do dique do Arroio Cavalhada, redes de esgotos e de tratamento. Segundo dados do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), o Pisa e as construções das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) Serraria e Sarandi fizeram com que a capacidade de tratamento de esgoto passasse 20% para 80% na cidade. Porém, apenas parte do problema foi resolvido.

55% do esgoto é tratado na Capital

Na prática 55% do esgoto é tratado na Capital. A divergência entre capacidade e tratamento efetivo, que atinge 25%, deve-se a dois pontos: a construção de cerca de 2 mil quilômetros de canalização e necessidade de ligação de redes. Segundo o diretor geral do Dmae, Darcy Nunes dos Santos, além das limitações da capacidade financeira, já que os custos são elevados, há o impacto dessas obras. “Não são intervenções simples. Ao contrário, fazer canalização envolve escavações, obras em passeios públicos e ruas, bloqueios no trânsito, entre outros. Geram transtornos e precisam ser bem projetadas”.

Para aumentar a captação é necessária ainda garantir a ligação do esgoto doméstico às redes de coleta da prefeitura. Segundo a legislação, cada residência precisa ter uma ligação cloacal (que leva o esgoto) e outra para a água da chuva. Isso garante a destinação correta, que é o tratamento posterior, fazendo o ciclo do esgoto funcionar. Mas fazer a ligação é responsabilidade do morador. “É um ponto polêmico. Nos últimos quatro anos temos implantado um processo gradativo, para concretizar essas ligações. É formiguinha”, afirma Santos. Por exemplo, quando há uma solicitação de ligação de água, automaticamente é aberto o processo para o esgoto. “Aproveitamos e verificamos a vizinhança, fazendo uma varredura, do que é possível vincular à rede coletora”, ressalta.

Além da canalização e ligação das redes, para atingir os outros 20% que faltam para universalizar a captação do esgoto é necessário ampliar a capacidade das unidades atuais de tratamento localizadas na zona Norte da cidade, a do Sarandi ou do Navegantes. Claro que a realização dos investimentos listados não representa a solução do problema. Porque envolvem as áreas regularizadas da cidade. Assim, há ainda as regiões invadidas ou ocupadas irregularmente, que não é possível mapear.


O PREÇO DO DESCASO

 

Mas afinal porque a questão do esgoto é tão importante? Na discussão sobre saneamento básico, essa normalmente não é a prioridade, na comparação com o abastecimento de água e o manejo dos resíduos sólidos. Porém, a ausência de serviços de coleta e tratamento geram impactos negativos na qualidade de vida, que muitas vezes passam despercebidos, como a poluição dos recursos hídricos. O excesso de esgoto doméstico nas águas compromete, por exemplo, a sobrevivência de organismos aquáticos. Isso porque o esgoto precisa de mais oxigênio para se decompor. Outro efeito é a elevação da temperatura das águas, também impactando na vida aquática. O esgoto pode carregar ainda bactérias transmissoras de doenças e produtos químicos nocivos. Há o comprometimento de economias, como a pesca. “A ausência de saneamento, como a falta de tratamento de esgoto, é difícil de ser calculado, porque há o impacto social, em que a pessoa fica doente, assim produz menos e estuda menos. A poluição ambiental, que compromete o turismo e desvaloriza imóveis”, cita o presidente executivo do Trata Brasil.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e da Universidade Federal de Pelotas (UFP) investigaram a poluição do Guaíba, que é uma das principais fontes de recursos hídricos de abastecimento da Capital. Uma das constatações foi que a maior fonte de contaminação direta é “a carga orgânica oriunda dos esgotos domésticos de Porto Alegre”. 

A maior fonte de contaminação direta do Guaíba é “a carga orgânica oriunda dos esgotos domésticos de Porto Alegre”

Um dos caminhos que levam o esgoto até o Guaíba é o arroio Dilúvio, que corta a cidade, por meio da avenida Ipiranga, percorrendo mais de 15 quilômetros. Pelo nível de poluição, ele pode ser comparado ao rio Tietê, de São Paulo. Visualmente é possível ter uma dimensão da degradação pela quantidade de resíduos acumulada na ecobarreira instalada quase no encontro com o Guaíba. Porém, nela ficam os resíduos mais volumosos. A questão do esgoto doméstico é mais visível no odor e coloração da água, turva. Segundo a pesquisa de Leonardo Capeleto de Andrade, Lucia Ribeiro Rodrigues, Robson Andreazza e Flávio Anastácio de Oliveira Camargo, apesar de, ao longo da história da Capital, o consumo de água vir do mesmo local onde eram despejados os dejetos, foi apenas no início no século passado que ocorreram as primeiras obras de captação de esgoto. A degradação das águas se deu mais fortemente no final da década de 50, associada ao aumento populacional, quando já era possível ver as alterações, como os coliformes, proveniente dos esgotos domésticos, resultando, em 1973, no processo de interdições de grande parte das praias às margens do Guaíba. O estudo enfatiza que a despoluição deve ser uma prioridade pública.

As medidas de tratamento e coleta adotadas na Capital evitam que litros de esgoto cheguem às águas do Guaíba. Estudos técnicos do Dmae, indicam que 9 mil toneladas de poluição deixaram de ir ao Guaíba, em um ano. Além disso, já possível identificar os primeiros resultados positivos, como a redução significativa de contaminação fecal em pontos monitorados. Claro que a poluição do Guaíba não vem apenas do que é produzido na cidade, mas também do originado nas cidades ligadas à bacia hidrográfica, que envolve 14 municípios.

Curiosidade ou não, a pressão para as primeiras obras de esgoto na cidade foi em função das epidemias mundiais de cólera, no início do século passado. Isso porque além dos danos ambientais, a ausência do saneamento gera um grave problema social, como doenças. Entre as mais conhecidas estão diarreias, verminoses, hepatite A, leptospirose, esquistossomose. O Trata Brasil, entre 2010 e 2017, estima que foram gastos com essas doenças mais de R$ 1, 1 bilhão em internações. Porém, o instituto acredita que os dados sejam maiores. Há ainda os impactos indiretos, como o afastamento da rotina escolar e de trabalho, que são difíceis de serem contabilizados. De acordo com a Organização das Nações Unidas, cada R$ 1,00 investido em saneamento representa uma economia de R$ 4,00 em saúde pública.

A ausência de saneamento básico é apontada também com a origem para crises sanitárias, como a proliferação do mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, zika e febre chikungunya. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam a ausência de saneamento como influenciador da mortalidade de crianças no primeiro mês de vida.


MUITA LEGISLAÇÃO E POUCO INVESTIMENTO

 

Universalizar serviços como coleta e tratamento de esgoto requer valores altos, que passam das cifras dos milhões. O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) estima R$ 304 bilhões de investimentos para universalizar o acesso à água e ao esgoto no país, até 2035. Segundo a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, seriam em torno de R$ 22 a R$ 24 bilhões por ano. Na prática, metade disso vem sendo aplicado, de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento. 

Segundo o presidente executivo do Trata Brasil, o país preocupou-se em ampliar a cobertura dos serviços de água, mas o esgoto ficou em segundo plano. “Estamos muito atrasados”, conclui. Segundo o diretor técnico da Fepam, Renato das Chagas e Silva, parte da situação atual é consequência da migração da população do campo para as regiões urbanas, sem que isso fosse acompanhada por investimentos em saneamento por parte dos poderes públicos. “Por isso, praticamente todo o arroio dentro das áreas urbanas serve para escoar o esgoto sem tratamento para os rios. Nesse sentido, as gerações anteriores deixam uma dívida para com as futuras”, detalha.

Sobre custos, para se ter uma dimensão, a ETE de Osório, no Litoral Norte custou mais de R$ 26 milhões. A Corsan, que está elaborando o projeto de expansão, estima a necessidade de investimentos na ordem de R$ 10 e R$ 15 bilhões. “Esperamos concluir o mapeamento junto às cidades para definir os valores exatos e traçar metas e buscar financiamentos ou parcerias”, aponta Alessandra Fagundes dos Santos. Nessa mesma linha, o diretor do Dmae reconhece que passa pela iniciativa privada ampliar a cobertura de serviços. Na Capital, seriam necessários R$ 1 bilhão em investimentos para atingir 100%.

É nesse panorama que a iniciativa privada ganha espaço. “São valores muito elevados e que a prefeitura não tem condição. Assim, os investimentos privados são importantes”, afirma o diretor do Dmae, ponderando a necessidade de discussões do modelo de parceria mais adequado. A presidente da ABES-RS reconhece a importância da parceria privada, especialmente pela agilidade e os volumes de financiamentos em discussão. A Abcon indica que no país 322 municípios (6% do total) têm atendimento por meio de concessões privadas. Mesmo assim, significam 20% do total dos investimentos no setor.

Esse é o principal argumento de defesa da Medida Provisória do Saneamento, apresentada pelo governo federal como a “oportunidade de ampliar a coleta e o tratamento de esgoto”. Apesar da pressa da União em tentar aprovar a nova legislação no Congresso, a MP perdeu a validade no início do mês de junho. Em substituição foi apresentado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que foi o relator da MP. Uma das justificativas em torno do PL é que abre mais espaço para a participação das empresas privadas. Isso porque o novo texto garantiria maior estabilidade jurídica e ampliava a competição entre os prestadores de serviço. “A aprovação é uma oportunidade para novos e volumosos empreendimentos no setor. O poder público tem um déficit fiscal absurdo, uma grande dificuldade de capacidade de investimentos e os municípios estão sem dinheiro. O que o mercado quer é maior segurança jurídica”, ressalta o diretor de relações institucionais da Abcon, Percy Soares Neto. Outro argumento é que a realização de obras de saneamento representa a geração de empregos e estimular o setor da construção civil. A presidente da ABES-RS, contesta porém a ‘pressa’ excessiva em aprovar um projeto tão relevante. Ela ressalta, por exemplo, o fato de que a atual legislação não impede os investimentos privados. “É um debate muito relevante para ser tratado com essa pressa. É preciso discussão e avaliação”, alerta. Entre as ponderações está o fato de que a MP, assim como o PL, altera outras legislações, o que torna a sua compreensão mais complexa.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895