Futuro aponta para alianças entre cooperativas

Futuro aponta para alianças entre cooperativas

Líderes do setor afirmam que a associação regional entre as organizações é fundamental para o crescimento, pois reduz custos operacionais, favorece o ganho em escala e abre o caminho para novas oportunidades de mercado

De Cruz Alta, a CCGL, que reúne 30 cooperativas, é um exemplo do potencial industrial do setor, tendo atingido mais de R$ 34,7 bilhões em receita no ano de 2021 e operando atualmente uma capacidade de processamento de leite de 2,2 milhões de litros por dia

Por
Patrícia Feiten

Ao contrário de muitos modelos de negócios que não conseguiram sobreviver ao turbilhão de mudanças desencadeadas pelo coronavírus, as cooperativas agropecuárias gaúchas saíram fortalecidas da pandemia. Representado por 121 organizações registradas no Rio Grande do Sul, o segmento emplacou uma receita de R$ 51 bilhões no ano passado, em um salto de 45,9% em relação ao faturamento alcançado em 2020, de acordo com dados do Sistema Ocergs/Sescoop/RS, divulgados no dia 28 de junho. Neste ano, apesar da valorização dos produtos agrícolas, a disparada dos custos operacionais expôs o sistema a um novo teste de resistência. 

No topo da lista de preocupações dos cooperados, estão os aumentos de preços de combustíveis e fertilizantes, afirma o presidente da Ocergs, Darci Hartmann. A solidez do segmento também foi colocada à prova pelos impactos da estiagem nas culturas de verão, que em algumas regiões do Estado significaram perdas de 80%, obrigando os produtores a renegociar dívidas e a buscar fontes de recursos para financiar a lavoura de inverno. “A resiliência das cooperativas é muito grande. Se tivermos uma boa safra de trigo e depois uma boa safra de soja, conseguimos resolver parte desses desafios”, avalia Hartmann. 

Segundo o presidente da Ocergs, muitas organizações do setor reagiram ao cenário adverso dos dois últimos anos estabelecendo alianças regionais, tendência que deve se acentuar nos próximos anos. “Para crescer, temos de fazer negócios em conjunto, reduzir custos operacionais, ganhar escala e, acima de tudo, enxergar oportunidades que, muitas vezes, uma cooperativa sozinha não enxerga”, diz Hartmann.

Aposta da CCGL é aumentar portfólio de produtos, afirma o presidente Caio Vianna. Foto: Marketing CCGL / Divulgação / CP

O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (FecoAgro-RS), Paulo Pires, destaca o papel decisivo da industrialização no fortalecimento das organizações. Hoje, 60 das cooperativas no Estado desenvolvem alguma atividade agroindustrial como forma de agregar valor à produção dos cooperados – de fábricas de farinha, rações animais e fertilizantes a grandes unidades de laticínios e plantas frigoríficas. “No caso do leite, industrializamos praticamente tudo o que recebemos dos produtores. Já nos grãos, vemos movimentos para agregar valor”, afirma Pires.

Para o dirigente, a aposta na industrialização deve ganhar ainda mais força no Estado. Esse caminho, porém, pode se revelar mais complexo para as pequenas organizações do segmento, que necessitam de ganhos de escala para diluir os custos de uma operação industrial e se manter competitivas. “Então, é quase um processo excludente: ou a pequena cooperativa se alia a uma maior ou fica fora desse processo”, observa Pires.

Um dos pesos-pesados do cooperativismo no país, com 30 organizações reunidas sob sua marca, mais de 170 mil produtores associados e receita de R$ 34,7 bilhões em 2021, a gaúcha CCGL é um exemplo claro dessa vocação industrial do setor. Na sequência de um projeto para duplicar sua capacidade de processamento de leite, hoje de 2,2 milhões de litros diários, a organização de Cruz Alta concluiu neste ano a construção de uma unidade de leite condensado, que recebeu investimentos de cerca de R$ 70 milhões. Agora, planeja fortalecer o portfólio de produtos, segundo o presidente da cooperativa, Caio Vianna. “Deixamos a planta de laticínios preparada para os próximos cinco anos, talvez não precisemos fazer nenhuma ampliação”, diz.

A busca de sustentabilidade é outro foco da cooperativa, que está montando uma usina de energia solar com capacidade de 3,4 MW. “Serão cerca 7 hectares de painéis fotovoltaicos, e pretendemos até o final do ano estar com isso instalado para (suprir) quase toda a nossa necessidade de energia”, detalha o executivo. Os planos incluem ainda ampliação dos terminais graneleiros Termasa e Tergrasa, operados pela CCGL no Porto de Rio Grande e responsáveis pela movimentação de 10 milhões de toneladas de grãos na safra 2020/2021. No projeto, a organização planeja investir mais de R$ 700 milhões em recursos próprios. “As áreas de soja estão aumentando muito na Metade Sul. Precisamos ter saída e capacidade de expedição das safras agrícolas”, afirma Vianna.

Produção de etanol na mira da Cotrijal

O cooperativismo viu em 2021 uma das maiores transações da história do setor no Estado. Anunciada em agosto e sacramentada em fevereiro deste ano, em uma assembleia geral conjunta, a incorporação da cooperativa Coagrisol, de Soledade, pela Cotrijal, de Não-Me-Toque, criou a maior organização do tipo no segmento agropecuário, com 18,6 mil associados, 2,5 mil colaboradores e presença em 53 municípios, além de uma área cultivada de 1,3 milhão de hectares. As duas sociedades, que no ano passado geraram uma receita combinada de R$ 5,8 bilhões, desde março operam sob a marca única Cotrijal.

Depois de incorporar a Coagrisol, no ano passado, Cotrijal é a maior cooperativa agropecuária do Rio Grande do Sul, com 18,6 mil associados em 53 municípios e área cultivada de 1,3 milhão de hectares. Foto: Cotrijal / Divulgação / CP

Se os números sugerem um negócio gigantesco, ainda há muito espaço para crescimento, acredita o presidente da Cotrijal, Nei Manica. Para o primeiro ano da aliança estratégica, a supercooperativa projetava uma receita entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões, mas a quebra de safra decorrente da estiagem, estimada entre 40% e 50% na produção de soja e em mais de 70% na de milho, deve restringir o desempenho. “O ano se iniciou bastante preocupante. O seguro ajudou, tivemos 85% da área financiada segurada. Mas (o faturamento) vai superar em muito as expectativas”, afirma Manica. O otimismo é baseado na perspectiva de boa rentabilidade na safra de inverno. Segundo o executivo, a Cotrijal está aumentando em 30% a área cultivada com trigo. 

Nei Manica, presidente da Cotrijal, acredita que o ano de 2022 será de superação. Foto: Cotrijal / Divulgação / CP

A cooperativa também está destinando R$ 200 milhões neste ano a melhorias de processos, expansão da capacidade de armazenagem e ampliação de lojas – a Cotrijal mantém 54 unidades de atendimento, 33 lojas agropecuárias e 16 supermercados no Estado. Em uma segunda etapa de investimentos, a organização planeja diversificar as fontes de renda com a industrialização de grãos e a produção de etanol, o que poderá envolver parcerias com outras cooperativas. “Num primeiro momento, você cresce em faturamento. Mas, para crescer mais ainda e agregar valor à produção, precisa ir para a transformação, então este é um projeto que está sendo olhado com muito cuidado”, afirma Manica. 

Cotricampo e Dália diversificam atividades

Mesmo com o impacto da estiagem no Rio Grande do Sul, a Cooperativa Tritícola Mista Campo Novo (Cotricampo) espera chegar ao fim deste ano com um avanço de 5% a 10% no faturamento em relação ao R$ 1,250 bilhão alcançado em 2021. Para o presidente da cooperativa, Gelson Bridi, a fórmula da resiliência está na diversificação de negócios. “Num ano de frustração de safra, isso ajuda a compor os resultados e segurar os empregos”, destaca. 

Com sede em Campo Novo e presente em 18 municípios por meio de 64 filiais, a Cotricampo opera em múltiplas frentes. São 23 unidades de recebimento e beneficiamento de grãos e sementes, o Moinho Cotricampo, uma fábrica de rações, lojas de produtos agropecuários, materiais de construção e ferragens, supermercados, um posto de combustível e uma farmácia. Para ampliar ainda mais o leque de atividades oferecido aos quase 9 mil associados, está começando a atuar no segmento de seguros agrícolas e estuda a implantação de uma usina de etanol. 

Segundo Bridi, a forte valorização do trigo no mercado internacional colabora para o crescimento projetado pela cooperativa. Neste ano, o Moinho Cotricampo, que tem capacidade para processar 220 toneladas de farinha de trigo diárias, passou a trabalhar 24 horas por dia. “Somos muito fortes em recebimento de trigo e industrializamos em torno de 50% do que a gente recebe”, diz Bridi. 

Nesta segunda-feira, dia 4 de julho, a Cooperativa Dália Alimentos iniciará a produção de queijos em Arroio do Meio, em uma planta com capacidade para receber 120 mil litros de leite e processar até 12 toneladas de queijo por dia. Empreendimento de R$ 14 milhões, o projeto foi a resposta da cooperativa aos solavancos provocados pela pandemia de Covid-19 e pela estiagem no Estado. Além de ampliar o portfólio da marca, possibilitará à sociedade evitar flutuações excessivas no preço pago aos produtores de leite associados, explica o presidente do conselho de administração do grupo, Gilberto Antônio Piccinini. “Decidimos montar a queijaria em um momento de dificuldade para atender a esse nicho de mercado em que ainda não atuávamos”, diz. 

Com matriz em Encantado, a Dália atua em 128 municípios, reúne 2.850 associados e emprega em torno de 2.890 funcionários. Neste ano, a cooperativa espera pelo menos manter a receita obtida em 2021, de cerca de R$ 2 bilhões.

Languiru amplia estrutura investindo R$ 125 milhões

Os custos de produção recordes e a corrosão do poder de compra do consumidor formam um binômio econômico capaz de esfriar qualquer plano de expansão. Mas, para a Languiru, esse quadro hostil, que a levou a encerrar o primeiro semestre do ano no vermelho, pode também indicar o caminho de novas oportunidades. A cooperativa de Teutônia está aplicando neste ano R$ 125 milhões na modernização de seu parque industrial, para ampliar a capacidade de abate de bovinos, aves e suínos e aumentar a oferta de produtos baseados em proteína animal. Em outra ação estratégica, investe na implantação de uma queijaria junto à planta de laticínios que opera.

O presidente da cooperativa, Dirceu Bayer, explica que a nova planta se insere na meta de reduzir a supremacia do leite longa vida na composição de vendas de produtos lácteos da marca. “Estamos aproveitando este momento de dificuldade para uma verdadeira transformação da cooperativa, tornando-a cada vez mais automatizada, mais moderna, (com uma) política forte de agregação de valor”, resume Bayer. Impulsionada pelos investimentos atuais, a Languiru, que até então vinha crescendo em média 25% a cada ano e em 2021 obteve faturamento de R$ 2,34 bilhões, espera reverter neste segundo semestre os prejuízos registrados na primeira metade de 2022. A receita projetada para todo o ano é de R$ 2,75 bilhões. 

Diversificação, segundo o presidente da Languiru, Dirceu Bayer, permitiu vencer a crise. Foto: Leandro Hamaster / Divulgação / CP

A diversificação de operações continua sendo o grande pilar do desempenho do grupo, que, além de quatro unidades industriais, detém um braço varejista, representado por supermercados, lojas de máquinas agrícolas e insumos, postos de combustíveis e farmácias. Foi essa estratégia, segundo Bayer, que permitiu à cooperativa minimizar os efeitos negativos da última estiagem no setor. “Temos 45 negócios diferentes, então conseguimos fazer frente a esta crise”, afirma. 

Uma das maiores cooperativas do setor agropecuário no Estado, com 6 mil associados, a Languiru hoje coloca no mercado mais de 500 produtos diferentes, entre carnes bovina, suína e de aves, produtos de nutrição animal, leite e derivados. Atenta às mudanças nos hábitos de consumo ditadas pela pandemia de Covid-19, aposta no lançamento de itens diferenciados com apelo à conveniência, como os cortes de frango “soltinhos”, congelados individualmente e embalados a vácuo. “A especialidade da Languiru é produzir produtos que deem mais margem (de rentabilidade), porque não temos como crescer aqui (na produção de grãos). As propriedades são pequenas, em média 10 hectares por família, mas altamente tecnificadas e com uma qualidade de vida invejável”, diz Bayer. 

Com foco no mercado asiático, nos Emirados Árabes e nos países do Leste Europeu, além dos vizinhos Argentina e Uruguai, a cooperativa desde março vem retomando as exportações de carnes, que sofreram retração no ano passado. Atualmente, 15% da produção de frangos é destinada ao exterior. “Estamos bastante presentes no Japão, um mercado exigente onde colocamos peito de filé de frango desossado e sem pele. É um produto que agrega muito e dá uma margem significativa”, exemplifica Bayer.

Cooperativas do agro no Estado em 2021

  • 121 organizações
  • 336,3 mil associados 
  • 40 mil empregados
  • R$ 51 bilhões em receitas, ou 71,6% do total dos sete ramos de cooperativismo no Rio Grande do Sul
  • R$ 1,03 bilhão em sobras (resultado financeiro positivo que é distribuído entre os cooperados ou reinvestido nas próprias organizações), ou 28,5% do total dos sete ramos.
  • No período de 2016 a 2021, a receita das cooperativas agropecuárias gaúchas cresceu mais de 100%, e as sobras, 173%.

Cooperativas gaúchas por receita

  • Até R$ 100 milhões por ano: 40%
  • De R$ 100 milhões a R$ 300 milhões: 36% 
  • De R$ 300 milhões a R$ 1 bilhão: 9%
  • Mais de R$ 1 bilhão: 15% 

Fonte: Ocergs

Braços cooperativos na energia e no crédito

Além das tradicionais cooperativas de grãos, o agronegócio gaúcho conta com o apoio de setores do cooperativismo fundamentais para a atividade, como os do ramo financeiro e de eletrificação rural

Nereida Vergara

Presidente da Cotrel, Stefanello ressalta que propósito da cooperativa fundada há 55 anos segue sendo levar qualidade de vida e desenvolvimento às comunidades onde atua. Foto: Jonatas Diego / Divulgação

Com 70% de seu público no meio rural, de um total de 56 mil ligações de energia elétrica, a Cooperativa de Energia Elétrica de Ibirubá, Cotrel, está presente em 72 municípios do Rio Grande do Sul. A organização tem ainda serviços de internet, telefonia e tevê por assinatura, além de usinas hidrelétricas próprias e em parceria com outras cooperativas. As usinas próprias estão localizadas em Ibirubá. Lagoa Vermelha e Victor Graeff.

De acordo com o presidente da Coprel, Jânio Vital Stefanello, o propósito original da cooperativa, fundada há 55 anos, era, essencialmente, levar energia elétrica para as propriedades rurais. “Com o passar dos anos, a realidade se transforma, chegam novos desafios, e os objetivos passam a ser outros. A essência ainda é a mesma: levar qualidade de vida e condições de desenvolvimento”, pontua. Stefanello observa que, hoje, internet de qualidade é de grande importância, assim como a infraestrutura de energia trifásica com redes de alta capacidade. “As cooperativas foram fundamentais no processo de universalização da energia elétrica para as comunidades mais distantes, e seguem com a responsabilidade de seguir investindo e viabilizando o desenvolvimento, levando internet para o campo”, completa o presidente.

Proporcionar crescimento no meio rural depende de recursos para financiamento das iniciativas de produtores e empreendedores em geral no segmento. O Sicredi, cooperativa de crédito que tem origem na Região Sul,hoje está presente emtodo o Brasil, sendo a segunda maior instituição bancária no financiamento da agropecuária. Nesta semana, por ocasião do lançamento do Plano Safra 2022/2023, a cooperativa anunciou que disponibilizará para o ciclo R$ 50,6 bilhões de reais aos produtores, 33% a mais do que o oferecido no ano-safra encerrado em 30 de junho. A direção nacional do Sicredi tem em suas linhas R$ 27,6 bilhões para operações de custeio; R$ 11,1 bilhões para investimentos e R$ 1,5 bilhão para comercialização e industrialização. Para pequenos e médios produtores, serão oferecidos R$ 10,5 bilhões via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), volume 41% maior do que o verificado no ano-safra passado; e R$ 9,6 bilhões via Programa de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), alta de 43%.“Temos uma história secular de muita proximidade com o agronegócio. Nosso objetivo é estar sempre próximos aos produtores, para assim podermos oferecer a nossa consultoria da maneira mais adequada para cada realidade”, frisa Gustavo Freitas, diretor executivo de Crédito do Sicredi.

Com 6,1 milhões de associados em 352 cooperativas, o Sistema de Cooperativas Financeiras do Brasil (Sicoob) atua em mais de 2 mil municípios brasileiros com mais 3,9 mil pontos de atendimento espalhados por todos os estados da federação. O gerente de Agronegócios do Sicoob Central SC/RS, Rodinei Munaretto, assegura que o sistema vai atender neste ano-safra desde a agricultura familiar até a empresarial, com linhas de custeio, investimento, comercialização e industrialização. “A expectativa é a melhor possível, apesar de todas as dificuldades da conjuntura, nacional e internacional”, garante Munaretto.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895