Guardiões do bioma

Guardiões do bioma

Projetos incentivam pecuaristas familiares a aumentarem a produtividade ao mesmo tempo em que preservam o ambiente nativo

Por
Carolina Pastl*

Uma série de iniciativas tomadas nos últimos anos por serviços de assistência técnica, organizações não governamentais (ONGs), universidades e produtores vem tentado manter o pecuarista familiar voltado à criação de gado de corte em sua atividade e, com isso, também proteger o meio ambiente do Rio Grande do Sul, especialmente o Bioma Pampa. Com a bandeira do manejo conservacionista, os projetos aliam o aumento da produtividade e, consequentemente, o retorno financeiro ao produtor, à manutenção ou restauração do campo nativo e seu ecossistema.

Por ter baixo nível tecnológico e não alcançar alta rentabilidade, a pequena pecuária de corte enfrenta o desafio de se tornar atraente ao mesmo tempo que a lucratividade do mercado de grãos tem crescido. Além disso, enfrenta a pressão de problemas econômicos causados por espécies invasoras, como o capim-annoni e o javali, especialmente nas últimas décadas.

Para muitos especialistas, cenários como esses têm estimulado o produtor a substituir parte das áreas de campo nativo por lavouras de soja, milho e arroz, seja para plantá-las ou para arrendá-las para terceiros. Estas mudanças no uso da terra também têm contribuído para o aumento do nível de degradação do bioma Pampa, que já é o segundo mais devastado do país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O professor titular do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Fernando Luiz Ferreira de Quadros, lembra que houve sucessivas mudanças da ocupação da terra do Estado ao longo da História. Em linhas gerais, a evolução foi da pecuária ao arroz e, posteriormente, a florestas plantadas e soja na Metade Sul; e do trigo à soja na Metade Norte.

O avanço da fronteira agrícola fez com que o Bioma Pampa ocupe hoje apenas 35% de sua área original no Brasil, o que equivale a 17,6 mil km², segundo o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). Destas áreas conservadas, a maior parte está sob a tutela dos 60 mil pecuaristas familiares gaúchos, em especial na Campanha, Zona Sul, Depressão Central e Fronteira Oeste, segundo a Emater/RS-Ascar.

“A pecuária familiar de corte é antes um modo de vida, em que a questão econômica não é o mais importante para a tomada de decisão, mas, sim, sua relação visceral com o meio ambiente”, observa o pesquisador da Embrapa Pecuária Sul, de Bagé, José Pedro Trindade.

O Pampa também é o bioma nacional com a menor área (3,3%) localizada dentro de Unidades de Conservação (UCs), segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Os diversos projetos públicos e privados que têm se voltado ao incremento econômico da pecuária familiar de corte e à restauração e preservação do ambiente natural vêm propondo um conjunto de técnicas, como o uso de roçadeiras e enxadas químicas, ajuste de carga, pastoreio rotativo, correção e adubação do solo e sobressemeadura de forrageiras nativas no inverno. Os resultados iniciais são promissores e indicam um incremento da produtividade associado à conservação das áreas. Uma pesquisa coordenada por Quadros dentro da UFSM conseguiu, inclusive, demonstrar isso. Enquanto o manejo tradicional permitiu uma lotação média anual de 600 quilos vivos de bovinos por hectare em área observada, o conservacionista possibilitou 1.350. Em relação à produção, o incremento foi de 370 quilos vivos por ano por hectare, ao invés de 70.

“Se for respeitado o crescimento das gramíneas nativas, o campo oferta mais nutrientes aos animais, pois as raízes se aprofundam mais”, explica Trindade. “Muitos ainda acham que lucrar na pecuária de corte está relacionado com escala, mas, no caso do pecuarista familiar, que dispõe de áreas menores, isso acelera o processo de degradação e o resultado se torna uma baixa engorda”, acrescenta Quadros.

Nesse sentido, a médio e longo prazo, o professor da UFSM acredita que este tipo de manejo propiciará uma competitividade maior à pecuária familiar frente às culturas de grãos. “Diferentemente de outros biomas, no Pampa é possível desenvolver uma produção econômica de modo sustentável e lucrativo, pois o campo precisa do homem para se manter conservado”, concorda a extensionista rural e veterinária da Emater, Thais Michel. Além da questão econômica, a vegetação conservada possibilita o sequestro de carbono da atmosfera e previne assoreamentos de leitos de rios e enchentes em áreas urbanas, já que estimula a criação de uma cobertura de solo, que acaba protegendo-o.

Principais técnicas do manejo conservacionista

Ajuste da lotação: é o ajuste da capacidade da área de fornecer forragem de acordo com a carga animal (número de animais).

Pastoreio rotativo: é a subdivisão da área de pastagem em piquetes, que são submetidos a períodos alternados de pastejo e descanso para que a vegetação tenha tempo de se recompor.

Roçadas mecânicas: é o corte da vegetação com utilização de roçadeira mecânica tendo como objetivo a homogeneização do campo com pastejo insuficiente, evitando a dominância de espécies.

Roçadas químicas: é a aplicação de herbicida rente à planta que se deseja controlar, através da regulagem de altura, de modo que o químico seja direcionado apenas a esta planta.

Sobressemeadura de espécies forrageiras hibernais: é o plantio de sementes de espécies cultivadas de forrageiras de inverno, sem alteração da conformação da vegetação nativa, como forma de proporcionar cobertura do solo e oferta de alimentos no período de menor desenvolvimento das espécies nativas.

Correção e adubação: é a correção de possíveis carências nutricionais do solo, normalmente feita com base em resultados de análises laboratoriais.

Áreas de diferimento ou exclusão de pastejo: é a seleção e a exclusão de determinadas áreas destinadas ao pastejo para garantir acúmulo de forragem para ser pastejada durante o período de escassez ou para formação de sementes.

Produção e uso de sementes de espécies campestres nativas: é a introdução de espécies vegetais, através de sementes, feno, leiva e outros, em áreas altamente degradadas, para auxiliar no processo de restauração ecológica.

 

Nova estratégia gera bons resultados

Pecuaristas familiares que aderiram a projeto de manejo conservacionista por meio de pastoreio rotativo percebem ganho de produtividade e já falam em aumentar o rebanho

Graças à opção por novas práticas, Gonçalves (na propriedade que administra com a mulher, Denise, em Cristal) constatou que passou a sobrar pasto, ampliou o plantel e pensa em nova expansão | Foto: Arquivo pessoal

Conservar para produzir. Esse é o lema que movimenta as iniciativas que utilizam técnicas do manejo conservacionista. Com o “Projeto Manejo Conservacionista em Campo Nativo por meio de Pastoreio Rotativo em Estabelecimentos da Pecuária Familiar no RS”, implementado pela empresa de energia CPFL Renováveis em parceria com a Emater/RS-Ascar em 2019, não foi diferente. “Os resultados são animadores”, confirma a extensionista rural, veterinária e coordenadora do trabalho pela Emater, Thais Michel, referindo-se ao aumento dos índices produtivos e ambientais nas 70 propriedades de pecuaristas familiares de corte atendidas na Região Metropolitana de Porto Alegre.

Tudo começou com o desenvolvimento do Complexo Eólico Atlântica, que abrange 13 municípios desta região. Como contrapartida à comunidade em que o empreendimento estava sendo construído, a empresa procurou a Emater/RS-Ascar para a execução de uma atividade que beneficiasse a região com investimento social privado. "A CPFL Energia busca, em todas as localidades em que opera, participar ativamente do desenvolvimento econômico e social nas comunidades do entorno das suas operações", salienta Daniel Daibert, Gerente de Meio Ambiente de Negócios de Mercado da CPFL Energia.

“Como tínhamos recém finalizado um projeto exitoso com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (o RS Biodiversidade, em 2016), resolvemos seguir na mesma linha de trabalho (de manejo conservacionista em áreas degradadas)”, conta Thais. Ao todo, estão sendo beneficiados 840 hectares, de famílias que estão majoritariamente em condição de vulnerabilidade social e já eram assistidas pela Emater.

Após um diagnóstico do rebanho e da degradação do campo de cada propriedade, por meio de análises de solo e do pasto, definiu-se que os principais métodos de trabalho seriam o pastoreio rotativo e a produção de forrageiras para o período de inverno, tudo com assistência técnica periódica. “A ideia é melhorar as condições já existentes”, resume a veterinária.

Coleta de pasto faz parte da metodologia do trabalho da Emater | Foto: Emater/Divulgação

Participante do projeto, o casal Denise e Antonio Pedro Gonçalves, de Cristal, se surpreendeu com os resultados que já alcançou. “Temos forragens de sobra para o inverno, que é bem rigoroso na nossa região”, relata a produtora. Na propriedade rural foram instalados piquetes de um hectare para o modelo de pastoreio rotativo. “Inicialmente, colocamos 16 novilhas. Hoje, estamos com 25 cabeças nesse sistema e ainda tem pasto sobrando”, conta Denise. Segundo o casal, o investimento deu tão certo que a nova meta é expandir os piquetes, com recursos próprios.

Para a veterinária da Emater que assessora a família, Sabine Kasinger, o resultado realmente foi impressionante. “A área estava bastante degradada, com pouca vegetação nativa”, contextualiza.

Segundo Thais, o piqueteamento também é interessante para cortar ciclos de parasitas que afetam a cadeia produtiva da pecuária. “No meu sistema, não existe mais carrapato. O gado fica 35 dias sem pisar no piquete em que estava anteriormente e o ciclo do parasita é de 20 dias”, compara o produtor Adão Quadros, de Guaíba, que também integra a iniciativa.

No caso de Quadros, que havia substituído parte dos 65 hectares de campo nativo por uma cultura de arroz, os resultados também são promissores. Até o momento, ele fez duas rotações com cerca de 30 bovinos. No inverno, o ganho de peso por animal foi de 730 gramas por dia. Já no verão, subiu para 850 gramas. “O projeto mudou minha forma de entender o campo. O homem espera que a natureza dê para ele o que ele não dá para a natureza”, constatou.

Referência

Como referência, no entanto, o programa escolheu quatro propriedades, localizadas em Cristal, Butiá, Capivari e Viamão, para mensurar os resultados. O projeto destinou para cada uma delas, além dos R$ 7,5 mil pelo pastoreio rotativo, R$ 12 mil para a construção de uma mangueira para conter o gado e a compra de uma balança para medir a engorda. Ainda não há, no entanto, resultados definitivos, pois as áreas de piqueteamento têm no máximo seis meses e é preciso fechar um ano para fazer a comparação por percentual a partir de índices de ganho de peso.

“Assim como diversas espécies do campo nativo, o pecuarista familiar está ameaçado de extinção e tem dificuldade para se atualizar, mas também não quer deixar de ser pecuarista”, salienta Thais. “Precisamos cada vez mais de projetos como esses, que mostram que é possível produzir de um jeito sustentável, sem agredir o meio ambiente.” O investimento da CPFL Renováveis foi de R$ 1,2 milhão, proveniente de recursos próprios e de um subcrédito social do BNDES.

Ufrgs oferece subsídio científico para comprovar conservação

Como forma de subsidiar cientificamente a iniciativa da CPFL com a Emater, a Organização Não Governamental (ONG) Igré, que conta com professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), entrou com um subprojeto chamado “Pastoreio Rotativo: Vegetação Campestre Como Indicador do Estado de Conservação” no mesmo período. O objetivo desta parceria é monitorar o desenvolvimento da vegetação nativa para verificar se as técnicas do manejo conservacionista utilizadas estão surtindo efeito, ou seja, se estão conservando a biodiversidade do bioma Pampa. O método é analisar em um metro quadrado de campo nativo o número de espécies diferentes que se encontra.

No total, estão previstas três análises em 16 propriedades atendidas pela CPFL e Emater, localizadas em Cristal, Viamão, Butiá e Capivari do Sul. Até o momento, foram feitas duas. “A pandemia dificultou nosso trabalho porque muitos dos produtores são do grupo de risco”, explica o professor e pesquisador na área de Botânica e Ecologia Vegetal da Ufrgs, Gerhard Overbeck, que encabeça a iniciativa. É por isso também que ainda não há dados comparativos. Mas Overbeck garante que o grupo tem observado um efeito positivo na biodiversidade com este tipo de manejo.

Também está previsto o desenvolvimento de um sistema de indicadores para avaliar o estado de conservação no campo e cartilhas informativas sobre espécies nativas, com base no que foi descoberto neste período de trabalho. A ideia é que esses materiais sejam disponibilizados até o final do projeto, nos meios on-line e impresso. “Isso poderá auxiliar técnicos e produtores a identificarem se o campo nativo está com uma boa qualidade para o gado ou não”, resume Overbeck.

 

“Gado engordou mais rápido”

Pesquisadores sustentam que pecuária ajuda a preservar vegetação do Bioma Pampa. | Foto: RS Biodiversidade/Divulgação

O governo estadual, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), foi quem coordenou o projeto “Conservação da Biodiversidade como Fator de Contribuição ao Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul” entre 2011 e 2016. Também chamada de RS Biodiversidade, esta iniciativa deu origem ao trabalho da Emater/RS-Ascar com a CPFL Renováveis.

O objetivo era incentivar atividades que visavam a conservação da biodiversidade alinhada com o desenvolvimento econômico do Estado. Sementes de espécies invernais, bebedouros, cercas eletrificadas e rotação do gado no campo foram algumas das técnicas utilizadas. Ao todo, 400 famílias foram atendidas na Metade Sul.

O analista ambiental da Sema e coordenador geral do projeto, Dennis Patrocínio, garante que um dos benefícios econômicos foi o crescimento da produtividade dos rebanhos.

“O gado engordou mais rápido porque tinha mais vegetação e de melhor qualidade. No inverno, estava, inclusive, mais forte”, salienta. Em uma das propriedades atendidas, localizada em Caçapava do Sul, a taxa de prenhez foi de 50% para 90% em um ano. Já os terneiros aumentaram de 150 para 220 quilos no momento do desmame. O Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) foi o doador de 5 milhões de dólares para o RS Biodiversidade.

 

Rede de Restauração reúne esforços e troca informações

Os professores Sandra Cristina Müller e Gerhard Overbeck, do Instituto de Biociências, e Miguel Dall’Agnol, da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em conjunto com parceiros de outras instituições de pesquisa do Estado, órgãos públicos, gestores de Unidades de Conservação e representantes de ONGs, fundaram em abril deste ano a Rede Sul de Restauração Ecológica.

O objetivo da iniciativa é trocar informações de pesquisas e reunir esforços para implementá-las na prática, além de divulgar à própria comunidade a importância da conservação da vegetação natural e da recuperação de áreas degradadas. “O nosso sistema de pesquisa exige que os pesquisadores publiquem artigos em inglês, que, teoricamente, estão disponíveis on-line”, lembra Overbeck. “Como todo mundo sabe que as pessoas do meio rural não terão acesso a esse conhecimento, a ideia é, justamente, quebrar essa barreira.”

 

Fetag na recuperação de Biomas

Técnico coleta solo que será analisado para posterior adubação em área de recuperação de vegetação nativa. | Foto: Fetag/Divulgação

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) também trabalha com um projeto conservacionista, que, inclusive, será apresentado na Conferência Global do Clima da ONU, em Glasgow, na Escócia, entre 2 e 12 de novembro deste ano. É o “Recuperação de Biomas”, que surgiu em 2018, a partir da aprovação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), e envolve tanto o Pampa como a Mata Atlântica.

Na época, a federação foi contratada pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) para trabalhar na compensação ambiental referente a novos empreendimentos que ocasionaram alguma degradação de áreas nativas. O valor que a Fetag cobra pelo serviço de Reposição Florestal Obrigatória (RFO), conforme orienta a Sema, é de 0,5 Unidade de Padrão Fiscal por muda a ser plantada.

Atualmente, além da Corsan, a Fetag está prestando esse serviço à Rio Grande Energia (RGE) e à Frankfurt Airport Services Worldwide (Fraport), por meio de 300 pecuaristas familiares de corte e 1,32 mil hectares. Cada agricultor recebe R$ 5,2 mil em insumos pelos cinco hectares que serão destinados à iniciativa por um período. Entre as técnicas usadas para recuperar a vegetação nativa estão o controle de erva daninha, a análise do solo para posterior adubação, o piqueteamento e ajustes de carga animal.

“Essa iniciativa tem pelo menos três vieses, o da Reposição Florestal Obrigatória, do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e do Crédito de Carbono”, sintetiza o assessor de Meio Ambiente e Pecuária Familiar da Fetag, Guilherme Velten Júnior, que é um dos coordenadores da iniciativa. A previsão de encerramento é 2022, com o atendimento a mais empresas e plantação de 1 milhão de mudas no total. “Mas esse trabalho tem tudo para continuar, porque a demanda por esses serviços é latente”, analisa Velten.

 

Proteção contra os invasores

Projetos criados no ano passado se voltam à contenção do capim-annoni e do javali, espécies que vêm dizimando vegetação e animais do Sudoeste do Estado

A APA do Ibirapuitã abriga 11 espécies de mamíferos raros ou ameaçados de extinção e 22 espécies de aves nesta mesma situação | Foto: Fábio Torchelsen

Dois novos projetos de conservação estão tomando forma dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Ibirapuitã, no Sudoeste do Estado. Denominadas “Restauração Ecológica na APA do Ibirapuitã: Integração Social e Científica para a Conservação e Sustentabilidade do Bioma Pampa” (RestaurAPA) e “PRÓ APA Sustentável - Recuperação na APA do Ibirapuitã”, as iniciativas surgiram no ano passado por causa da necessidade de controle do capim-annoni e de javalis na região. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é quem administra a área, a proliferação dessas espécies invasoras nos últimos anos têm dizimado vegetações e animais nativos, afetando economicamente pecuaristas de corte e a própria conservação do campo.

No caso do RestaurAPA, que foi estruturado por técnicos e pesquisadores da Universidade La Salle, Emater/RS-Ascar e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o trabalho é combater o capim-annoni em 1,7 mil hectares, distribuídos em 20 propriedades de pecuaristas e corredores e faixas de domínio, até 2023. Entre as técnicas de manejo conservacionista a serem utilizadas está a roçadeira química com o glifosato para combater a praga. “É o único jeito de reduzir sua incidência”, explica a coordenadora técnica do RestaurAPA pela Emater, Thais Michel. No entanto, em função de restrições impostas pela pandemia da Covid-19, as atividades do projeto ficaram suspensas. O que já se fez foi a escolha das famílias participantes e o diagnóstico inicial do rebanho e da paisagem para verificar quais ferramentas serão necessárias em cada propriedade. O próximo passo, que está sendo feito desde semana passada, é retomar os trabalhos de campo, como levantamento da vegetação, análise de solo e elaboração de projetos técnicos.

O projeto também prevê a produção de sementes de espécies campestres nativas. “Hoje, se quisermos transformar de volta uma área de soja em campo nativo não é possível, pois não há sementes”, justifica Thais. “Com esse trabalho, conseguiremos mostrar que é possível desenvolver uma atividade econômica de modo sustentável”, acredita o pesquisador da Universidade La Salle, Rafael Borges, que também coordena a iniciativa.

Já o PRÓ APA Sustentável, implementado pela Alianza Del Pastizal, através da Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil (SAVE Brasil), em parceria com a Fundação Maronna e Embrapa, tem como objetivo combater o capim-annoni em 1,5 mil hectares de 50 propriedades e o javali em 2,25 mil hectares de 30 propriedades até metade de 2022. Como iniciou alguns meses antes do RestaurAPA, a assistência técnica já está sendo prestada. Em relação ao manejo, algumas das técnicas adotadas são o uso de jaulas e câmeras para capturar os animais, enxadas químicas para eliminar o capim-annoni, o método integrado de recuperação de pastagens (da Embrapa) e a promoção de dias de campo. Afora a da Embrapa, essas metodologias são propostas da Alianza del Pastizal.

Javalis serão monitorados por câmeras instaladas nas propriedades | Foto: Latini Ambiental / Divulgação

Em Quaraí, o zootecnista e produtor Gil Fernandes é um dos participantes do PRÓ APA Sustentável e está animado para ver os resultados. “Aderi ao projeto principalmente pelo conhecimento técnico”, conta, acrescentando que o principal problema na sua área são os javalis. “Já houve casos em que perdi 100 cordeiros recém-nascidos para esse animal. Sobrou apenas um pouco de lã e de casco”, lembra. Tanto o RestaurAPA como o PRÓ APA Sustentável são financiados pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

Espécies invasoras

Originário da África do Sul, o capim-annoni chegou ao Brasil na década de 1950 com a promessa de ser uma opção de pasto para o gado. No entanto, por ser muito fibroso, não foi bem aceito pelo animal, que fica com a dentição desgastada. Por ter sementes leves, a gramínea se espalha rapidamente e, quando enraizada no solo, mata outras espécies nativas por abafamento.

Capim-annoni (à esquerda) e área roçada (à diretia) | Foto: Ecopampa / Divulgação

O javali, por outro lado, veio do Uruguai e da Argentina na década de 1980. “Sem predador e com reprodução rápida, o animal ataca plantações de milho, azevém, sorgo, cordeiros e terneiros e revolve áreas no campo em busca de alimento, deixando o solo exposto”, explica o coordenador do PRÓ APA Sustentável, Fernando Couto.

Revolvimento feito pelo javali deixa o solo exposto e prejudica oferecimento de pastagens | Foto: Latini Ambiental / Divulgação

*Sob supervisão de Elder Ogliari

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895