Histórias e memórias em 45 edições da Expointer

Histórias e memórias em 45 edições da Expointer

Formatada para ser a maior da história, a quadragésima quinta feira agropecuária internacional do Rio Grande do Sul pretende realçar a importância da conexão do campo com a cidade no cotidiano dos gaúchos

As tradicionais esferas foram doadas pelo governo da Alemanha Oriental ao Parque de Exposições Assis Brasil, em 1974, e são o símbolo principal da Expointer

Por
Nereida Vergara

Entre 2015 e 2019, 2,1 milhões de pessoas visitaram o Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, durante a Expointer. No mesmo período, a feira movimentou em negócios (máquinas, animais e agricultura familiar, entre outras receitas) nada menos que R$ 10,6 bilhões. Nos dois anos de restrições impostos pela pandemia de Covid-19, que desorganizaram de forma nunca antes vista o sistema econômico mundial, a Expointer se manteve de pé, em 2020 quase que totalmente digital e em 2021 abrindo as portas, mas ainda com limitação. A exposição, que ocorre desde meados de 1900 e que teve como casa, por muitos anos, o Parque Menino Deus, em Porto Alegre, onde funciona atualmente a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), volta festiva em 2022, comemorando 45 edições como feira internacional, a qual passou a ser a partir de 1972.

A transferência da feira do Menino Deus para Esteio começou a ser gestada entre 1967 a 1969, quando os organizadores constataram que o local havia ficado pequeno para a magnitude que alcançara o evento, já recebendo participantes da Argentina e do Uruguai. Motivado por esse crescimento na abrangência de expositores, o governo do Estado comprou neste período 64 hectares da Fazenda Kroeff, em Esteio, local que inicialmente não agradou o setor, que o considerava distante da Capital. O novo parque foi inaugurado em 29 de agosto de 1970. Em 1972 a feira ganhou o nome de Expointer, sendo realizada a cada dois anos, até 1984, quando passa a ser anual. Nesta primeira edição, além dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Paraná, 13 países participaram com suas delegações. Um total de 2,9 mil animais de 45 raças estiveram expostos. 

O papel da Expointer no avanço da agropecuária é inegável, tanto do ponto de vista econômico quanto tecnológico. Não há como negar, entretanto, a importância da feira como um evento social e de integração entre o homem do campo e o cidadão urbano. Gerações de crianças conheceram os animais de criação visitando os pavilhões que neste agosto chegam às quatro décadas e meia de existência. Algumas destas gerações produziram homens públicos no setor do agronegócio e muitos produtores de destaque. O secretário da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Domingos Velho Lopes, é um desses exemplos. Aos 54 anos, completados no dia 24 de julho, Lopes trabalha há meses para que tudo esteja de acordo no retorno da feira 100% presencial. Na cerimônia de lançamento dos 45ª Expointer, no dia 15 de agosto, reiterou a vocação gaúcha para a agropecuária e o interesse da população pelo evento. “A grande vedete da Expointer neste ano será justamente esse encontro, do rural e do urbano”, disse. Para ele, a lembrança mais remota das visitas ao parque na infância e na adolescência, além da reunião de pessoas de vários locais, é a de percorrer o parque e conhecer "o glamour das raças", ver pelagens e animais que não conhecia. 

A subsecretária do Parque Exposições Assis Brasil, Elizabeth Cirne Lima, primeira mulher a administrar o parque, no comando das obras necessárias para abrir os portões nos 45 anos da feira a partir do dia 27, não tem dúvida da influência do evento que caracteriza a história do Rio Grande do Sul, assim como em sua própria história e no gosto pela pecuária. Professora licenciada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para encarar a tarefa gigantesca de organizar a feira em ano eleitoral, Elizabeth lembra de, aos cinco ou seis anos, entrar na pista do gado corte (ainda no Parque do Menino Deus) para receber com o pai, o ex-ministro da Agricultura Luiz Fernando Cirne Lima (leia entrevista nas páginas 4 e 5), para receber os prêmios por grandes campeões bovinos criados pela família. "Lembro de vê-lo julgando os animais também. Depois, quando o meu pai foi ministro, por alguns anos moramos fora do Estado, aí eu não vinha, por conta das minhas atividades escolares", recorda.

Beth Cirne Lima voltou a frequentar as pistas de Esteio a partir dos 17 anos, aí já como expositora. Hoje, também é vice-presidente da Associação Brasileira de Criadores de Devon, mantendo sua intimidade com a feira. "É uma grande responsabilidade comandar a feira nesta data, mas temos certeza que vai dar tudo certo", completa. A subsecretária estima que cerca de 600 mil pessoas acessem o parque nos nove dias de feira, número projetado a partir de eventos do gênero ocorrido em 2022 que apontaram o interesse do público pela volta das modalidades presenciais.

Ex-subsecretário do Parque de Exposições Assis Brasil e consultor desde 1991 para a escolha do Prêmio Destaques Correio do Povo, entregue ao final da Expointer, o veterinário José Arthur Martins frequenta a exposição internacional desde 1977, na época como estudante e secretário de jurados de animais na pista central. Coordenador geral da exposição de animais da feira por mais de 20 anos, Martins acha difícil destacar algum evento em sua carreira no parque como o mais marcante. “Foram tantas histórias”, admite. Para ele, as edições que ficaram para trás fizeram da Expointer o que ela é, mas agora é hora de olhar para o futuro. “A pandemia transformou a Expointer. Antes disso a tecnologia já vinha fazendo, com o julgamento de animais, por exemplo, dando aos jurados uma gama de informações que vão muito além da observação dos exemplares em pista”. Nos próximos três ou quatro anos, projeta José Arthur, mais mudanças vão acontecer e a face digital da Expointer se acentuará para todos, em especial no modo de organizar o evento.

Trajetória do evento que nasceu para se superar

As feiras agropecuárias do Rio Grande do Sul derivam da vocação do Estado para a pecuária. Em 1901, em pavilhões fechados nos Campos da Redenção (atual área do Parque Farroupilha), em Porto Alegre, com a visitação de 67 mil pessoas, ocorreu a exposição que, 71 anos depois, daria a origem à Expointer. A iniciativa ganhou força a partir de 1909, quando passou a ser realizada no Prado Rio-grandense, onde depois foi construído o Parque de Exposições do Menino Deus, onde, hoje, é a sede da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural

Foto: Edgar Planella / CP Memória

1967 a 1969 – Os organizadores da Exposição Estadual de Animais identificam que o Parque do Menino Deus não tem mais capacidade de abrigar o evento, dado a expressiva presença de produtores gaúchos e também de pecuaristas da Argentina e do Uruguai. Com o projeto de realocar a feira, o governo do Estado adquire 64 hectares da Fazenda Kroeff, em Esteio, local inicialmente questionado pelos expositores, por ser distante de Porto Alegre.

1970 – Em 29 de agosto, com a realização da 33ª Exposição Estadual de Animais, é inaugurado o Parque de Esteio.

1972 – A exposição muda de status e passa a se chamar Exposição Internacional de Animais, a Expointer, que já em sua primeira edição tem a participação de 13 países (Canadá, Holanda, França, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Uruguai, Argentina e Chile). Nesta edição, com 22 mil metros quadrados de área coberta, a Expointer contabiliza 2,9 mil animais inscritos, de 45 raças.

1974 - Chegam ao parque, doadas ao Estado do Rio Grande do Sul, as tradicionais esferas colocadas na entrada do Parque de Exposições. Doadas pelo governo da então Alemanha Ocidental, as estruturas possuem as cores do Estado e são a marca da Expointer.

1977 – O Parque de Esteio passa a se chamar Parque Estadual de Exposições Assis Brasil (PEEAB), homenagem a um dos mais importantes políticos e produtores rurais gaúchos no começo do século 20. Assis Brasil, em agosto do mesmo ano, teve a memória reverenciada com o título de Patrono da Agricultura, distinção concedida pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul.

1984 – As exposições de caráter internacional passam a ser realizadas não mais de dois em dois anos, mas anualmente.

1998 – A área total do Parque de Exposições Assis Brasil é ampliada, passando de 64 para 141 hectares.

1999 – A Expointer é marcada por grandes novidades, a maior delas é o início da participação das agroindústrias com a realização da primeira Feira de Agricultura Familiar, com 30 expositores.

Foto: Luis Gonçalves / CP Memória 

2000 – A 23ª Expointer levou 341 mil pessoas ao Parque de Exposições Assis Brasil em nove dias, batendo um novo recorde de visitação diária.

2001 – A 24ª edição da Expointer confirma a superação dos valores comercializados. O balanço apontou um total de R$ 2.282.298,00 e 1.443 animais vendidos e um volume de negócios na área de máquinas de R$ 30,1 milhões.

2002 - O setor de máquinas foi o grande destaque da exposição com um crescimento de 245% na comercialização. O faturamento do setor de máquinas agrícolas chegou a R$ 104 milhões. As empresas de máquinas e implementos agrícolas passam a ocupar uma área que hoje se estende por 13 hectares.

2003 – A Expointer recebe 620 mil visitantes. Pela primeira vez, dois presidentes de República, Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Jorge Batle, do Uruguai, abrem oficialmente a feira.

2004 – O maior número de visitantes da história: 720 mil pessoas (207.603 pagantes).

2005 - Em 2005, foram inscritos 5.956 animais e dez nações estiveram representadas na feira: Alemanha, Argentina, Áustria, Camarões, Chile, China, Equador, Peru, Reino Unido e Uruguai.

2006 - Registra-se na 29ª Expointer um público de 640 mil visitantes. Novamente aconteceu a superação de números, que indicaram uma venda de animais no valor de R$ 7.232.467,00, na Agricultura Familiar foram comercializados R$ 449.592,00 e os expositores de artesanato alcançaram o faturamento de R$ 1.087.351,20.

Foto: Ricardo Giusti / CP Memória

2007 - Realiza-se a 30ª Expointer com mais uma superação de dados, como o de público, com 695 mil visitantes e um faturamento total de R$ 175.036.502,00, equivalente a U$ 89.167.855,00 pela venda de animais, comercialização de máquinas e suplementos e outros. Foram realizados nos nove dias da feira 416 eventos.

2009 – O faturamento total da Expointer chega à marca de R$ 1.144.280,00. São 4.316 animais participantes e um público total de 561 mil pessoas. O setor de máquinas comercializou cerca de R$ 827,5 milhões, correspondendo à venda de 15 colheitadeiras e 230 tratores. As vendas de animais alcançaram R$14 milhões.

2010 - Com 2,2 mil expositores e mais de 5 mil animais expostos, a feira destacou-se pelos números de comercialização e pela mostra de produtos da melhor genética gaúcha. Cerca de 420 mil pessoas visitaram a exposição.

2012 - Em 2012, ocorre o lançamento da maquete de remodelação do Parque Assis Brasil, projeto que buscava movimentar o parque durante todo o ano.

2013 - A 36ª edição da Expointer confirmou o slogan que diz: “É hora de festejar o nosso crescimento”. O aumento de 62% na comercialização total – de R$ 2,036 bilhões para R$ 3,292 bilhões em 2013 - e de 460% de financiamento de projetos de irrigação – de R$ 56 milhões para R$ 314 milhões - é reflexo da integração entre políticas públicas e os bons momentos dos setores produtivos do campo.

Foto: Eduardo Rocha / Divulgação / CP Memória

2015 - A parceria público-privada é assinada entre o governo do Estado e a construtora Bolognesi, prevendo construção de hotel, agroshopping e área de eventos no entorno do Parque. A empresa se encarregaria da construção de um dique para proteger o parque de alagamentos e teria 10 anos para fazer os investimentos privados na área concedida.

2018 - Foi desfeita a parceria público-privada com a Bolognesi. No mesmo ano, o parque inaugura o novo pavilhão da Agricultura Familiar, com 7 mil metros quadrados de área.

2019 - Última feira realizada presencialmente antes da pandemia do Covid-19, a Expointer teve 416 mil visitantes e um faturamento total de R$ 2,7 bilhões.

Foto: Mauro Schaefer / CP Memória

2020 - A feira é realizada de forma digital, com eventos transmitidos por site concebido para aquele fim e com venda de máquinas em portal exclusivo, atendendo ao distanciamento social determinado pela pandemia.

2021- Com a chegada da vacinação, mas ainda com limitações sanitárias, a 44ª Expointer acontece de forma híbrida, com e permite a entrada diária de até 15 mil visitantes.

Cirne Lima, o homem que plantou a semente da exposição internacional

Transição do Parque Menino Deus para o Parque de Esteio aconteceu a partir da primeira experiência do pecuarista, ex-ministro da Agricultura, como jurado de feira britânica, em 1967

Com a filha Elizabeth Cirne Lima, produtora rural e atual subsecretária do Parque Estadual de Exposições Assis Brasil, numa das propriedades da família, em Dom Pedrito. Foto: Arquivo Pessoal / CP Memória

Na história dos 45 anos da Expointer como exposição internacional há um homem que, se não foi diretamente o responsável pela transformação da feira na década de 70, foi sua inspiração. Este homem é Luiz Fernando Cirne Lima, agrônomo, pecuarista, ex-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), incentivador de importantes projetos culturais e um ex-ministro da Agricultura que deixou sua marca na história do Brasil e da agropecuária brasileira. Aos 89 anos, dono de uma memória precisa e, segundo ele, alimentada pelo estudo diário das novidades que se apresentam no mundo, Cirne Lima foi o primeiro brasileiro a ser convocado como jurado de exposições de animais fora do Brasil. 

Aos 34 anos, em julho de 1967, já com a experiência de uma década como juiz nas feiras gaúchas, onde estreou em 1952, ainda aluno da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi julgar bovinos Devon na Royal Show, em Londres, feira agropecuária com tradição desde 1839. Acompanhou Cirne Lima na viagem um grupo de pecuaristas, entre os quais, Lauro Macedo, da Cabanha Azul, de Uruguaiana. "Para se ter uma ideia, naquele tempo, final dos anos 60, o parque onde acontecia nossa exposição no Menino Deus tinha quatro hectares. O espaço da exposição inglesa era de 55 hectares, o que despertou nos criadores que me acompanharam o sentimento de que era necessário um lugar maior para a feira gaúcha", conta. 

De volta a Porto Alegre, o grupo procurou o secretário da Agricultura do Rio Grande do Sul da época, Luciano Machado, e apresentou a ideia. "O Luciano Machado comprou a ideia e ainda naquele ano o governo estadual adquiriu os 64 hectares da fazenda do industrial, pioneiro na indústria da celulose no Rio Grande do Sul, Osvaldo Kroeff, em Esteio”, relata. O ex-ministro destaca que essa mudança para o parque de Esteio, inaugurado em 1970 e com a exposição de caráter internacional a partir de 1972, foi o passo fundamental para que a Expointer chegasse ao que é hoje e para sua evolução para uma feira muito abrangente, na área de máquinas, insumos e tecnologias de desenvolvimento da agricultura. "É bom lembrar que as exposições de animais são o início de tudo, ainda no século 19, na Europa, quando não havia parque e os pecuaristas se reuniam nas esquinas para comparar seus animais", aponta. Nessas exposições, pontua, é que começaram a se estabelecer os primeiros critérios de seleção de animais a partir da observação de suas características e a se descobrir quais os acasalamentos que se deveria fazer para obter os rebanhos desejados."Hoje temos ferramentas que nos permitem entrar no genoma dos animais, o que é revolucionário", reconhece. 

Ex-ministro acredita que feiras agropecuárias com a presença de elos da cadeia e público em geral devem permanecer ainda por muito tempo, mesmo diante do avanço das ferramentas digitais. Foto: Vinicius Rorato / CP Memória

“As feiras trouxeram a evolução não apenas no segmento de animais, mas para todo o agronegócio. Saímos das exposições convencionais para as grandes feiras de máquinas. Hoje o principal faturamento das feiras são as máquinas e os animais são uma pequena célula dentro desses eventos”, analisa. O ex-ministro recorda que nas última exposição do Parque do Menino Deus, no final dos anos 60, se houvesse um ou dois tratores para demonstração na feira era muito. Ele também ressalta a particularidade do Rio Grande do Sul no que diz respeito a realização de exposições agropecuárias, que na sua visão não tem similar no mundo. “Além da Expointer, temos a Expodireto, que sem animais é uma feira importantíssima”, acrescenta, ao elogiar o evento realizado em Não-Me-Toque, sempre no mês de março.

Com participação de bovinos Devon confirmada para a 45ª Expointer, Cirne Lima tem ainda mais um motivo para comemorar o acontecimento que ajudou a criar. Sua filha Elizabeth Cirne Lima é a subsecretária do Parque de Exposições Assis Brasil e a comandante da festa. “Eu tenho três filhas e um filho. Já passei minhas propriedades para meus herdeiros. Meu único filho toca com as irmãs a fazenda em Dom Pedrito, onde tem um projeto adiantado em energia eólica. Já a Elizabeth, que tem uma propriedade em Bom Jardim da Serra, em Santa Catarina, sempre foi apaixonada pela pecuária e está envolvida com essa feira de 2022 até as orelhas e eu acredito que vai ser um sucesso”, prevê. O ex-ministro também tem seis netos, os quais se dividem entre os que vão seguir os negócios familiares e os que vão para outros ramos. “Mas teremos sucessão sim, nas propriedades”, sentencia.

Sobre o futuro das feiras presenciais na era digital, Cirne Lima, que tem no currículo inclusive o posto de primeiro redator do suplemento rural do Correio do Povo, criado em 1958 pela Companhia Jornalística Caldas Júnior, crê na continuidade ainda por muito tempo dos eventos presenciais. “Claro que hoje podemos conhecer com um clique do celular todas as inovações lançadas ontem em qualquer lugar do mundo”, reflete. No entanto, o pecuarista acredita no poder da reunião das pessoas e vislumbra a permanência das feiras como um instrumento de trabalho para os elos da cadeia, com lançamento de máquinas e implementos, inovações e o compartilhamento de informações. “Serão grandes simpósios e eventos de interesse humano, que sempre foram, com a chegada de delegações de todas as partes do Estado, de outros estados e de outros países”, conclui o ex-ministro. 

Evolução temperada de lembranças

Edemundo Gressler, presidente da Arco, recorda o passado da ovinocultura na Expointer, ao mesmo tempo em que comemora o crescimento de todas as cadeias pecuárias a partir da feira

Criador da raça de ovinos Ideal, Gressler ressalta a importância do melhoramento genético do rebanho do Rio Grande do Sul e o valor da Expointer como vitrine para tais mudanças. Foto: Lorena Garcia / Divulgação / CP

Quatro horas da madrugada, fim de agosto, inverno rio-grandense típico. Frio. Chuva forte guasqueando. Barraca alagada. Barro. Assim era, em tempos idos, o acampamento dos ovinocultores que vinham à Expointer logo que ela se instalou no parque. O jeito, segundo o presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos, Edemundo Gressler, era levantar, calçar as botas de borracha, fazer um mate e esperar o dia amanhecer. Esta é a lembrança mais pitoresca que o dirigente tem da feira, que começou a participar em 1986, com apenas dois borregos da raça Ideal, de origem australiana e conhecida pela excelente qualidade da lã. 

Na primeira exposição, o proprietário da cabanha Coxilha Verde, com sede em São Sepé, na região central do Rio Grande do Sul, ganhou duas rosetas brancas, que na hierarquia de premiações das raças equivale a uma menção honrosa. Ficou faceiro com o reconhecimento que para outros podia ser modesto. Mas o sucesso da primeira empreitada não parou por aí. "Ainda consegui vender na feira os dois borregos", recorda.

Nos anos seguintes, a cabanha fundada em 1982 conseguiu emplacar cinco grandes campeonatos, além de premiações menores, como as de reservados de campeões e campeãs. O borrego Coxilha Verde 1299, foi o que mais se destacou até hoje, grande campeão da raça em 2009 e bicampeão em 2010. "A exposição que começou em 1972, sem sombra de dúvida, e não apenas para os ovinos, veio para consolidar e exibir a pujança da pecuária gaúcha",comenta. Gressler, durante muitos anos, foi superintendente de registro genealógico da Arco, tendo observado com total atenção a evolução genética dos rebanhos ovinos do país. "É incrível a mudança de características fenotípicas das nossas raças", diz ele. 

E é esse apuro genético que o ovinocultor e representante dos criadores gaúchos e do Brasil guarda como a marca da Expointer. Para ele, nada é mais gratificante que a reunião dos criadores e a verificação de como os animais ficam melhores a cada ano, o que reflete o empenho dos produtores em melhorar sua seleção. O presidente da Arco é um defensor ardente da continuidade das feiras agropecuárias mesmo na era digital. Embora reconheça a praticidade e a utilidade das ferramentas digitais para o criador, frisa que as feiras têm um papel social importante que deve ser defendido pelos municípios. "Nada vai substituir a oportunidade que é para o criador exibir seus animais em eventos com a presença de público", enfatiza. Aos 68 anos, o veterinário é um dos agraciados neste ano com a Medalha Assis Brasil. A maior honraria do governo do Estado vai ser entregue no dia 2 de setembro, durante a cerimônia de abertura e desfile dos campeões da Expointer, na pista central do parque, às personalidades com contribuição de excelência ao meio rural.

Freio de Ouro, parceiro da feira, faz 40 anos

Disputada desde 1982, a principal prova de promoção dos cavalos Crioulos chega à 40ª edição no dia 4 de setembro deste ano, reverenciando, na 45ª Expointer, a história de ginetes e animais que marcaram seu percurso

Antes disputado de forma unificada, sem distinção entre as categorias macho e fêmea, hoje o cavalo crioulo, em seletivas e credenciadoras disputadas durante o ano, habilita 48 animais de cada cada gênero para disputar a final do Freio de Ouro. Foto: Fabiano Amaral / CP Memória

Neste ano de 2022, aniversário de 45 anos da Expointer, há mais dois aniversariantes no Parque de Exposições Assis Brasil. A Associação Brasileiro de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) completa 90 anos e o Freio de Ouro, principal prova de promoção da raça, chega a sua 40ª edição. A competição dos crioulista está muito ligada a evolução da Expointer, sendo há anos uma das suas principais atrações do evento. O primeiro Freio de Ouro, realizado em 1982, reuniu apenas 12 animais na disputa. Na época, os competidores não eram distinguidos por categoria fêmea ou macho e competiam juntos. O grande vencedor do Freio naquele ano foi o cavalo Itaí Tupambaé, da Cabanha Tupambaé, de Dom Pedrito. Itaí era um dos filhos do mais consagrado reprodutor da raça em todos os tempos: La Invernada Hornero. O animal foi adquirido no Chile, em 1976, pelos criadores Flávio Bastos Tellechea e Dirceu Pons. La Invernada Hornero teve nada menos que 436 filhos e 6.733 netos, que brilharam nas pistas do cavalo crioulo nos anos que se seguiram à sua chegada. "Foi um divisor de água, este cavalo'', reconhece o vice-presidente administrativo da ABCCC, César Hax.

No primeiro Freio, lembra Hax, também se iniciou a linhagem de ginetes que hoje encanta a arena do cavalo crioulo. Quem conduziu o filho de Hornero e levou o troféu no primeiro Freio foi Vilson Charlat de Souza, falecido em 2020. O ginete, habituado a cavalgar nos campos de Sant'Ana do Livramento e cuja vida foi perpetuada no livro de Renato Dalto "Vilson Souza - Uma biografia”, segundo Hax, revolucionou a doma dos cavalos crioulos, introduzindo o requinte na condução dos animais. "Até então, quem disputava as provas eram os peões de estância", comenta o dirigente.

Com o tempo, afirma Hax, a prova do Freio foi se aprimorando. Reconhecendo, por exemplo, que fêmeas e machos não podiam competir juntos. A mudança ocorreu em 1993, quando as categorias foram divididas. Hoje, dois grupos de 48 animais disputam o Freio de Ouro durante quatro dias, até chegar à final, que, em 2022, será dia 4 de setembro, último dia da Expointer.

Ouro em oito finais do Freio

Das 40 finais do Freio de Ouro, realizadas desde 1982 no Parque de Exposições Assis Brasil, o ginete Milton Castro, hoje aos 52 anos, conquistou oito primeiros lugares. A primeira vez que disputou a final, em 1994, já levou o ouro para casa montando a égua JA Namorada, da Cabanha Santa Edwiges. Castro é o maior ganhador da história da competição, tendo conquistado também dois Freios de Prata e dois de Bronze. Foi ouro em 1994, 1996, 1998, 2000, 2005, 2007, 2011 e 2015, quando venceu a prova conduzindo o cavalo JA Libertador, animal que em 2018 fez história sendo o primeiro bicampeão do Freio. 

Na disputa por mais um ouro na 40ª edição, Castro foi vencedor do Freio pela última vez em 2015. Foto: Fabiano Amaral / CP Memória

O segredo para ser um ginete de tamanho brilhantismo, segundo Castro, é trabalhar todos os dias, sem trégua, e controlar "os nervos" para chegar tranquilo e com o pensamento claro na hora da prova. A decisão, segundo ela, depende de uma série de variáveis, que vão das condições do animal até mesmo o estado em que se encontra a pista. Na edição de número 40 do freio, que será disputada no dia 4 de setembro o ginete compete com três animais, duas éguas e um cavalo. A experiência, contudo, não o deixa arriscar prognóstico de premiação. "São cavalos jovens e muito bons", antecipa. 

Sem data marcada para parar, mesmo depois de 29 anos de freios consecutivos, Castro quer deixar um sucessor. O filho Juliano, de 30 anos, embora ainda não tenha disputado a final do Freio, é figura conhecida em credenciadoras e semi finais. Além de ginete, Juliano é domador experiente, sendo o responsável pela a doma do legendário JA Libertador.

 

Passado, presente e futuro na festa de Esteio

Ramiro Oliveira, da Cabanha da Divisa, localizada em Cruz Alta, rememora infância no Parque de Exposições Assis Brasil e prepara sobrinha de 8 anos para continuar o legado da família na maior feira do Estado

Ramiro Cerutti diz que ensina à sobrinha, Maria Fernanda, proprietária de um rebanho de 38 ovinos tudo o que aprendeu com o pai, João Manoel Nogueira de Oliveira, expositor na feira de animais desde a década de 70. Foto: Ramiro Oliveira / Divulgação / CP

O ovinocultor, sócio da Cabanha da Divisa, em Cruz Alta, e também vice-presidente da Federação Brasileira de Criadores de Animais de Raça (Febrac), Ramiro Cerutti Oliveira, tem lembranças de dois momentos nos 45 anos da Expointer. Companheiro do pai, João Manoel Nogueira de Oliveira, tradicional produtor de gado charolês e criador de ovinos Ile de France desde 1976, o menino Ramiro começou a frequentar a feira aos três anos de idade, em 1986. "O pai vinha como expositor de charolês ainda quando a feira era no Parque de Exposições do Menino Deus. Em 72, começou a se reunir com os outros ovinocultores para importar as ovelhas Ile de France", relembra o produtor, cujo rebanho hoje é de 500 ovinos, das raças Ile de France e Naturalmente Coloridos. 

Oliveira conta que, da infância, tem lembrança das amizades que fez no parque e do carinho com que era tratado por um cabanheiro da família, seu Jorge, que arrebanhava as crianças filhas de produtores do entorno para passear, conhecer o parque e comer algodão doce. "Hoje, com a feira num formato mais comercial, não existe mais esta aproximação, mas era o que eu mais gostava, além de deitar nas camas de casca de arroz e dormir junto com os touros", recorda. 

A Cabanha da Divisa participou da Expointer até 2007, quando interrompeu as idas até Esteio em razão de problemas de saúde com o patriarca. João Manoel morreu em 2009, aos 68 anos. Levou tempo para resolver inventários e reorganizar os negócios. Em 2017, o empreendimento voltou às pistas de ovinos no Parque de Exposições Assis Brasil e em 2018 colheu os frutos de um trabalho realizado nos anos em que ficou fora das competições: levou para Cruz Alta seis grandes campeonatos. "Eu disse para a minha mãe e a minha irmã que voltaríamos em 2017 e que o nosso ano na feira seria o de 2020. Veio antes", orgulha-se. Oliveira acredita que a Expointer teve um papel fundamental no desenvolvimento da pecuária gaúcha como um todo, incluindo a ovinocultura. Segundo ele, com a possibilidade de melhoramento genético, hoje as raças ovinas e seus produtos, carne e lã, estão cada vez mais valorizados. "Observamos isso nos leilões de reprodutores, com o aumento expressivo do preço dos animais e com carneiros sendo arrematados por mais de R$ 50 mil", aponta. Para ele, o trabalho conjunto da cadeia da ovinocultura tem oferecido resultados, mesmo com altos e baixos nos últimos anos.

Na 45ª Expointer, que terá início no próximo sábado, a Cabanha da Divisa chega com o olhar voltado para as muitas feiras que ainda virão e onde deve brilhar a pequena Maria Fernanda de Oliveira Fiorenzano, de 8 anos, neta de João Manoel e sobrinha de Ramiro. A pequena, revela o tio, foi grande campeã na Expointer do ano passado com uma ovelha Hampshire Down Naturalmente Colorida e vai buscar o bicampeonato em 2022. De acordo com Ramiro, a menina é encantada com as ovelhas desde os três anos. Acompanha a lida com interesse, inclusive nas madrugadas de parição. Maria Fernanda é, provavelmente, a mais jovem ovinocultora registrada na Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), e já "comanda" um rebanho de 38 animais. "Eu estou ensinando tudo que meu pai me ensinou para ela. Estamos preparando ela para o futuro da cabanha", completa.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895