Homens morrem mais

Homens morrem mais

Mulheres são mais infectadas por Covid-19, mas o número de óbitos é maior entre os homens

Por
Taís Teixeira

O início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil acende a primeira luz neste caminho escuro. A imunização, que começou no dia 18 no Estado, é um ato recebido com esperança, mas que não apaga o número de infectados e os que infelizmente faleceram vítimas da doença. A pandemia da Covid-19 exigiu monitoramento detalhado dos órgãos oficiais para atuar na contenção do avanço da doença e traçar um dos perfis de grupos afetados. A Secretaria Estadual de Saúde (SES) organizou um acompanhamento no qual atualiza diariamente os números de infectados, recuperados, óbitos, taxa ocupacional de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) classificados em parâmetros como 12 grupos etários, raça e sexo. Além disso, os boletins epidemiológicos trazem uma retrospectiva da doença, um resumo da incidência no Brasil, o cenário da Covid-19 e dados recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Conforme levantamento da SES, desde o primeiro caso de Covid-19 identificado no Estado, em 29 de fevereiro de 2020 (confirmação laboratorial em 10 de março de 2020), até quinta-feira (28), 540.157 pessoas foram infectadas pela Covid-19, sendo que 515.605 (95%) tiveram recuperação e 10.567 foram a óbito. Do total de infectados, 288.787 (53%) são mulheres e 251.370 (47%) são homens, o que demonstra que o público feminino contrai mais Covid-19 do que o masculino. Já em relação aos óbitos, a realidade é o contrário: mais homens morreram de Covid-19 do que mulheres no Estado em 11 dos 12 grupos etários, com exceção da categoria 80 anos e mais, em que prevaleceram as mortes femininas.

O infectologista do Serviço de Controle de Infecção dos Hospitais Ernesto Dornelles e Independência, ambos em Porto Alegre, Cezar Vinícius Würdig Riche afirma que “ser homem é um fator de risco para Covid-19”. A doença atinge um maior número de pessoas com idades de 20 a 59 anos, mas, a partir dos 65 anos, sua manifestação pode ser mais grave. O especialista menciona que a maioria dos pacientes que não resistiram à doença apresentava comorbidades (duas ou mais doenças que ocorrem concomitantemente no mesmo indivíduo). “As principais são diabete, obesidade, doenças imunopressoras (como câncer, pessoas com transplante, HIV) e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), causada pelo consumo de cigarro”, descreve.

Sobre os dados mostrarem mais mulheres atingidas pela doença, destaca-se que, segundo apuração do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria Estadual do Planejamento, ano base 2019, as mulheres são maioria na população gaúcha, com cem pessoas do sexo feminino para cada 94,8 homens. As mulheres representam 51,33% dos habitantes do Estado. “Este cenário pode justificar a superioridade de mulheres contaminadas em relação aos homens”, entende o infectologista.

Quanto à classificação por raça, 411.621 dos contaminados são brancos, 21.830 são pretos, 19.676 são pardos, 5.723 amarelos e 1.537 são indígenas e 79.770 não informaram a raça. O especialista cita pesquisa que aponta que, na Região Norte, a infecção e a mortalidade de negros e pardos de Covid-19 está acima da população branca. O médico atribui esse cenário à presença majoritária das etnias negra, parda e indígena no Norte, ao contrário do Estado, que tem mais brancos. “Não há diferenças fisiológicas entre brancos e negros e por isso entendo que o contexto social de fragilidade a que estão expostos no Norte possa elevar o número de mortes de negros e pardos sobre os brancos”, reitera.

A respeito do tempo de reinfecção, o médico alerta que não há relatos de pessoas que tenham contraído a doença pela segunda vez em menos de 90 dias. “Geralmente, quem teve a primeira vez de forma assintomática, ou com poucos vírus, pode ter pela segunda vez de forma mais grave”, avisa.

Há casos de pessoas que tiveram Covid-19, porém, não passaram para os familiares com os quais compartilham a residência. Riche diz que nenhuma doença infecciosa é 100% transmissível e caracteriza cada contato como um risco e uma exposição, já que a transmissão é associada também ao quão sintomático está o doente. “Quanto mais grave, quanto mais sintomas, mais vírus está produzindo, mais está transmitindo”, reforça.

Suplementação apenas com orientação médica

Estar com o sistema imunológico fortalecido diminui à suscetibilidade à doença. Em busca desse reforço, muitas pessoas compraram suplemento vitamínico. A farmacêutica e proprietária da Farmácia Extra Fórmula, na Zona Sul de Porto Alegre, Jaciara Schmitz, sentiu o aumento, em especial, pelas vitaminas C, D e Zinco. “Notamos uma alta em torno de 20% nas vendas de 2020 sobre 2019.” Segundo a proprietária, a idade desses clientes começa a partir dos 40 anos. Muitos apresentam receita médica, outros decidem usar as vitaminas por iniciativa própria. “Quem vem com recomendação profissional relata que, devido ao isolamento, estão sem tomar sol e com déficit de vitamina D, o que causou a necessidade de suplementação”, conta.

A imunologista e alergista do Hospital Moinhos de Ventos Helena Fleck Veslasco diz que a falta de vitamina D e zinco pode ser uma agravante não só para Covid-19, mas para outras doenças infecciosas. Porém, não aconselha a ingestão de vitaminas sem avaliação médica. “Se for consumida em excesso, pode trazer danos ao organismo”, adverte. Além disso, entende que não é apenas a suplementação que ajuda, mas um conjunto de medidas. “Adotar uma rotina saudável, com a inclusão de atividades físicas e de boa alimentação fortalece a imunidade e pode até dispensar o consumo de vitaminas.”

Usar suplementação somente com orientação médica é também o entendimento da alergista e imunologista Luciane Failace. “Suplementações desnecessárias, em altas concentrações e longo prazo, também podem gerar problemas”, salienta. A imunologista elucida que o déficit de vitaminas C, D e zinco deve ser cuidado, mas ressalta que não existem dados suficientes que recomendem o uso na prevenção ou tratamento da Covid-19.

Ela esclarece que a vitamina C tem efeitos antioxidantes, propriedades anti-inflamatórias, influencia na imunidade celular e na integridade vascular. A vitamina D tem o potencial de modular a resposta imune inata e adaptativa. “A ausência é mais comum em pacientes idosos, pacientes obesos e com hipertensão, fatores que estão associados a um pior prognóstico da infecção por Covid-19.” O zinco influencia na imunidade e está em diversos alimentos.

Sobre a ivermectina, que foi apontada como remédio possível para tratamento da Covid-19, há estudos laboratoriais (in vitro) que indicam que o medicamento inibe a replicação viral em culturas de células. “Mas as pesquisas mostram que são necessárias altas concentrações plasmáticas (mais de 100 vezes a dose recomendada) para ter efeito antiviral.” Luciane alerta que há diversos ensaios clínicos, mas eles não têm validade para determinar o uso da ivermectina na prevenção ou tratamento da Covid-19.

Grupo sanguíneo

Uma hipótese que está sendo pesquisada é a interferência do grupo sanguíneo (A, B, AB e O) como fator de proteção ou de exposição à doença. O hematologista dos Hospitais Santa Casa de Porto Alegre e Mãe de Deus Tito Emílio Vanelli Costa explica que já há pesquisas que sugerem que pacientes do grupo sanguíneo A possam ter menos proteção à doença. “A primeira foi no começo da pandemia, na China, e mostrou, entre os que testaram positivo para Covid-19, uma proporção maior de pessoas do grupo sanguíneo A em comparação com o grupo O.” Ele pondera, no entanto que não houve conclusões, mas o estudo gerou possibilidades para novas pesquisas.

Em novembro de 2020, um estudo feito com mais 500 mil dinamarqueses apresentou resultados que corroboram os dados chineses. “Entre os infectados, a proporção dos que eram do grupo sanguíneo O foi menor dos que os do grupo A”, destaca. Ele enfatiza que os estudos hematológicos sobre Covid-19 são retrospectivos, a partir de dados anteriores, o que não gera uma evidência conclusiva. “Os estudos prospectivos são os mais indicados, que partem do presente para o futuro, como o acompanhamento de um caso, mas ainda não foi possível realizá-lo”, esclarece. O médico afirma que o grupo sanguíneo não teve impacto na gravidade da manifestação da doença neste estudo.

Uma pesquisa canadense foi feita para verificar se o grupo sanguíneo afetava a gravidade do paciente com 95 pacientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Covid-19. Costa ressalta que se observou uma diferença significativa para maior gravidade da doença em termos de ventilação mecânica, diálise e mais dias de internação na UTI para pacientes do grupo A. Mas alerta que o estudo sugere e não afirma que o grupo A tem Covid-19 mais grave.

O hematologista comenta que há muitos estudos, mas o que se pode compreender, de forma mais consistente, é que, entre os pacientes infectados, há menor proporção de pessoas com sangue tipo O em relação aos grupos A, B e AB. Também se percebeu menos pessoas contaminadas com o fator RH negativo em relação ao positivo. “Talvez, não se sabe em que medida, os grupos sanguíneos O e fator RH negativo tenham alguma proteção quanto à infecção por Covid-19 e não quanto à gravidade”, diferencia o hematologista.

As microproteínas A e B, que estão nas células vermelhas, também se propagam para outras partes do corpo, como o trato respiratório. O sangue tipo O tem essas duas microproteínas na região nasal. “Esse é um dos fatores considerado para entender por que há menos incidência no sangue O, que contém uma presença maior de microproteína A em uma das vias de infecção da doença”, explica.

Imunidade nas crianças

De acordo com o levantamento da SES, o número de crianças de 0 a 9 anos infectadas no Estado até quinta-feira (28) foi de 17.892, sendo sete óbitos. O público infantil não está sendo atingido na mesma intensidade com o qual sofre com infecções respiratórias. “Nos surpreendeu essa resposta porque crianças são mais propensas a infecções respiratórias”, afirma o infectologista Cezar Vinícius Würdig Riche. Ele esclarece que as crianças afetadas pela Covid-19 costumam ser assintomáticas e carreadoras da doença.

Já o alergista e imunologista pediatra e adulto do Hospital Santa Casa de Porto Alegre Renan Augusto Pereira esclarece que essa menor incidência da doença no público infantil pode estar associada à imunidade inata. “A imunidade infantil, que ainda não está totalmente formada, está pronta para algumas coisas e pode ser que uma delas seja determinante na proteção para Covid-19.” O médico diz que as crianças propagam o vírus em menor quantidade, têm menos complicações e menos sintomas.” Foi esse fato que serviu de subsídio para o retorno das aulas no Estado, pois a infecção e a propagação infantil são menores.”

Nas crianças, os sintomas geralmente são leves, como febre, dores de cabeça, coriza e hipoatividade. O pediatra aconselha os pais a estarem atentos. “Se a febre baixar com medicação e a criança continuar apática, é recomendável buscar ajuda médica.” Ele lembra que boa parte das crianças que evoluíram para situação mais grave já tinham alguma comorbidade, como problemas cardíacos. “Mas esse atributo não é regra, pois algumas não tinham nenhuma doença anterior.”

Outro aspecto que deve ser levado em conta é a presença de ínguas e manchas no corpo, além de falta de ar, principalmente se a criança não tem problemas respiratórios. “Pacientes que têm asma, mas que está controlada, podem ficar mais tranquilos, mas não menos cautelosos”, reforça.

As crianças que faleceram de Covid-19 geralmente sofreram da síndrome multissistêmica inflamatória pediátrica, que é quando há resposta inflamatória exacerbada, muito dimensionada em relação ao mal que atingiu o corpo.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895