Investimento estrangeiro aumenta no Brasil

Investimento estrangeiro aumenta no Brasil

Mesmo diante das dificuldades provocadas pela crise sanitária, grandes companhias seguiram aplicando recursos não só em suas sedes, mas também em outras regiões ao redor do planeta

Por
Correio do Povo

Os últimos dois anos de crise sanitária dificultaram o crescimento de países, demandaram auxílio financeiro de governos para desempregados e suas famílias e tiraram do prumo setores importantes como a indústria, que viu a escassez de componentes e insumos provocar baixa na produção em todo o planeta, resultado de paradas obrigatórias que as fábricas precisaram fazer em razão do distanciamento que o coronavírus exigiu.

Gradativamente, a vacinação foi mudando o quadro e as empresas redobraram esforços para continuar investindo. Mesmo diante das dificuldades, grandes companhias seguiram aplicando recursos não só em suas sedes, mas também em outras regiões ao redor do planeta, o que contribuiu para que o mundo não "parasse" de vez e o desenvolvimento de alguma forma seguisse. Aqui no Brasil, por exemplo, o investimento estrangeiro mais que dobrou em 2021 na comparação com 2020, conforme mostraram dados da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Subimos de posto e passamos do oitavo para o sétimo lugar como a nação que mais atraiu os investidores de fora no ano passado. O valor apurado passou de 28 bilhões de dólares para 58 bilhões de dólares, o que representou avanço de 133%. Os seis primeiros colocados no ranking foram Estados Unidos, China, Hong Kong, Cingapura, Reino Unido e Canadá. No Rio Grande do Sul, a captação de novos investimentos também ganha tração a partir de março, com uma missão governamental aos Estados Unidos.

Os números anunciados pelas Nações Unidas, de 58 bilhões de dólares, são semelhantes aos que já eram estimados pelo Ministério da Economia no final do ano passado. A pasta havia calculado R$ 60 bilhões de dólares para 2021, quase o dobro dos 34 bilhões de dólares verificados em 2020, conforme informação da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais. “O Brasil, como esperado, também foi afetado pela tendência de redução dos investimentos estrangeiros em 2020, mas a economia brasileira começou 2021 em expansão e mostrou recuperação nos ingressos líquidos de investimentos”, havia afirmado João Luís Rossi, secretário especial adjunto de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais durante o Seminário de Investimentos Mercosul-OCDE. Também durante o seminário o subsecretário de Investimentos Estrangeiros da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (SE-Camex), Márcio Lima, salientou que o Brasil é precursor na inclusão de cláusulas de Conduta Empresarial Responsável (CER) em seus acordos de investimentos, além de apoiar estas cláusulas no âmbito das negociações multilaterais.

Para o economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes, o incremento revelado pela Unctad sinaliza um movimento de retomada, passada a crise mais aguda da Covid. Em um primeiro momento, lembrou ele, as empresas que investiam em outros países mandaram recursos de volta para suas regiões. Entretanto, à medida que as atividades retornavam a partir da vacinação, esses mesmos recursos passavam a ser novamente utilizados para operações fora das bases. "Houve um movimento de reação", reitera Nunes. O economista também lembrou que o juro mais baixo entre 2020 e 2021 facilitou setorialmente. Até junho do ano passado, por exemplo, a taxa Selic, hoje em 10,75%, estava em 4,25% ao ano. Os acréscimos feitos pelo Comitê de Política Monetária (Copom), porém, foram necessários para controle da inflação, dificuldade que se mostra persistente no mundo todo. A pandemia mudou radicalmente os cenários, mas os obstáculos, assinalou Nunes, foram se atenuando. "Teve esse susto (o coronavírus), mas a gente vê um movimento de retorno à normalidade", reiterou o economista.

O peso da Bolsa

Especificamente no mercado financeiro, o investimento do exterior tem parcela significativa nas operações. A Bolsa de Valores, a B3, mostra em seu site uma lista com tipos de investidores, valores de compras e vendas e o índice de participação. Neste mês, entre os dias 1 e 9, por exemplo, o investidor estrangeiro teve parcela de 24% nas compras, somando R$ 101,25 milhões. Nas vendas, os resultados são um pouco menores: participação também de 24%, mas com valor de R$ 93 milhões. No mesmo período, os investidores individuais tinham 8,98% de participação nas compras, somando R$ 34,6 milhões, e 9,06% nas vendas, com R$ 34,9 milhões. A B3 também havia divulgado dados de janeiro, que revelaram disposição do estrangeiro em investir. A entrada líquida de capital no primeiro mês do ano alcançou R$ 24,8 bilhões, bem mais que os R$ 14,5 bilhões verificados em dezembro. Além disso, o valor significa 35,1% do total de 2021, que chegou a R$ 70,7 bilhões.

Há regras que precisam ser seguidas para quem investe no Brasil, de acordo com a Resolução 4.373 do Conselho Monetário Nacional (CMN). Entre estas está a necessidade de o investidor estrangeiro contratar uma instituição para atuar como representante legal. É preciso ainda manter relatórios atualizados e ter um representante fiscal. Recentemente, no último dia 7, outro órgão divulgou nova regra sobre o tema. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou resolução que dispensa o investidor não residente no país, mas neste caso pessoa natural, não empresa, de obter o registro específico na autarquia para aplicar nos mercados financeiro e de capitais do Brasil.

Rio Grande do Sul busca atrair investidores

No Estado, há investimentos importantes nos ramos de energia, infraestrutura e tecnologia, uma parcela deles com aporte externo. A vinda de companhias estrangeiras geralmente parte de um trabalho de captação. O governo do Estado mantém programas de atração de investimentos para evidenciar o potencial do Rio Grande do Sul. Para março, a partir do dia 7, está previsto um roteiro do governador Eduardo Leite e comitiva por Nova Iorque, Washington e também região do Texas, nos Estados Unidos. Na última missão à Espanha, no ano passado, os contatos resultaram em projetos relacionados com a indústria eletrônica, energia termelétrica e eólica, rodovias e mobilidade. As iniciativas se espalham por várias regiões. Na duplicação da RSC-287, por exemplo, principal ligação entre o Centro do Estado e Porto Alegre, o contrato de concessão que prevê R$ 2,7 bilhões em investimentos pelos próximos 30 anos foi feito com o grupo espanhol Sacyr. Dos R$ 2,7 bilhões planejados, a quantia de R$ 1 bilhão deverá ser aplicada já nos primeiros 10 anos. Em Guaíba, por meio do Proedi, o Rio Grande do Sul atraiu o investimento da empresa Giovenzana Connecting Brasil. Os investidores italianos aportaram R$ 8 milhões para instalar uma unidade de produção de eletrônicos para elevadores no Distrito Industrial de Guaíba. A previsão é de geração de 150 empregos diretos.

Para a região de Tapes foi acertado o parque eólico com capacidade para gerar 239 MW de energia e investimento de R$ 1,09 bilhão. O projeto é da Brain Energy e prevê 69 aerogeradores com 114 metros de altura cada estrutura. Na região do Litoral Norte, em Tramandaí, a Iberdrola lidera um projeto calculado em R$ 30 bilhões para um parque eólico offshore (dentro do mar), com 3GW e 200 aerogeradores. Outro fruto da missão à Espanha no ano passado foi a confirmação do licenciamento ambiental para o Grupo Cobra, que investirá de R$ 6 bilhões na instalação de uma usina termelétrica a gás natural em Rio Grande. O empreendimento deverá gerar 5 mil empregos diretos. A comitiva ainda buscou atrair investidores para transporte Hyperloop, uma espécie de trem de altíssima velocidade que iria de Porto Alegre à Serra, com custo total de 7,71 bilhões de dólares em 30 anos. Neste valor são incluídos 3,18 bilhões de dólares (41,2%) para despesas de infraestrutura, frota, estações e aquisições de terras, além de 2,02 bilhões de dólares (26,1%) para custos operacionais e 2,52 bilhões em impostos (32,6%).

Em outra ponta, os investimentos no Rio Grande do Sul com recursos estrangeiros se dão em processos de desestatização. O braço de transmissão da Companhia Estadual de Energia Elétrica, a CEEE-T, por exemplo, tem hoje participação estrangeira. Em 2021, mesmo ano em que a ONU detectou avanços no investimento estrangeiro, a CPFL Energia foi a vencedora do leilão de privatização do controle acionário da CEEE-T, com concessão até 2042. O lance de R$ 2,67 bilhões foi feito em julho na Bolsa de Valores em São Paulo, a B3. A CPFL Energia faz parte da State Grid, estatal chinesa que é a terceira maior organização empresarial do mundo e a maior empresa de energia elétrica, atendendo 88% do território chinês e com operações na Itália, Austrália, Portugal, Filipinas e Hong Kong. Do mesmo grupo CPFL também faz parte a RGE Sul, outra empresa de energia, porém no ramo de distribuição. A RGE Sul atende hoje a 381 municípios gaúchos.

Para o secretário do Desenvolvimento Econômico, Edson Brum, os investimentos no Rio Grande do Sul no ramo de energia, por exemplo, ganham importância por sinalizarem segurança para empresas que desempenham outras atividades. Com energia suficiente instalada no Estado para sustentar a produção de todos os tipos de ramos, a tendência é de aumento do interesse do empresário em se estabelecer por aqui. "Hoje a China tem que parar por causa da energia", relembra Brum, referindo-se à crise energética e hídrica que atinge várias partes do mundo. Na região da Ásia, tornou-se comum as companhias suspenderem atividades em determinados dias da semana por necessidade de economizar luz. Só a usina termelétrica recentemente licenciada em Rio Grande, observa, deverá gerar um terço da energia necessária para o investidor no Estado, o que também atrairia a atenção de outros países. A chegada de novas empresas ao RS, analisa o secretário, está relacionada também com gestão. “O Rio Grande do Sul fez a lição de casa”, assinala, citando as reformas administrativa, previdenciária e tributária. Brum calcula também que em 2022 o investimento privado poderá chegar a R$ 12 bilhões, recordando ainda os R$ 6 bilhões aportados somente pelo grupo Cobra em Rio Grande. O secretário ainda destacou a contribuição em pesquisa e tecnologia trazida pelas universidades regionais, o que auxilia a capacitar equipes e empresas.

O Rio Grande do Sul também foi cenário de um recente destaque não somente em ramos como energia e indústria, mas em atividades que envolvem comércio e varejo. A Arezzo, famosa pelos sapatos femininos, promoveu um follow-on na Bolsa de Valores no início de fevereiro e a demanda pelos papéis foi seis vezes maior que o ofertado. Detalhe: entre os investidores que entraram na operação, quase metade, ou 40%, eram estrangeiros. O follow-on é o termo em inglês para “oferta subsequente”, ou seja, é diferente do IPO, que é a “estreia” das ações de uma empresa no mercado, o que a Arezzo já havia feito há 11 anos, ou seja, tem capital aberto e ações negociadas na Bolsa mas fez nova transação. De um modo geral, as companhias tomam essas iniciativas porque permitem, por exemplo, angariar mais recursos para financiar planos de expansão sem precisar recorrer a crédito nos bancos ou financiamentos. O preço da ação na operação realizada pela Arezzo ficou em R$ 82,35 no dia da oferta, 4 de fevereiro, e o valor levantado superou R$ 830 milhões, totalizando em R$ 1,6 bilhão o capital social. “Os feedbacks dos investidores durante o roadshow foram excelentes”, destacou a Arezzo em comunicado por meio de sua assessoria de imprensa. “A companhia seguirá investindo em tecnologia, logística e em sua cadeia de suprimentos com o objetivo de fomentar o crescimento acelerado das marcas”, detalhou a nota. A empresa com sede em Campo Bom tem uma rede de franquias com 356 lojas distribuídas em 180 municípios de todos os estados brasileiros, segundo informação em seu site.

Fluxos podem ser mais positivos em 2022

A previsão é de que financiamentos internacionais no setor de infraestrutura continuem crescendo devido a condições favoráveis de crédito a longo prazo, pacotes de estímulo à recuperação e programas de investimento no exterior.

Para 2022, as perspectivas são otimistas no documento publicado pela Unctad. O relatório do braço da ONU para o desenvolvimento prevê que o fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) seguirá positivo neste ano, especialmente porque os financiamentos internacionais nos setores de infraestrutura continuarão em rota de crescimento. O otimismo é alavancado por condições favoráveis de crédito a longo prazo, pacotes de estímulo à recuperação e programas de investimento no exterior. Pelo mundo, as transações relacionadas com IED aumentaram 77% em 2021 na comparação com 2020. A recuperação superou os níveis pré-pandemia. O valor alcançado em 2021 chegou a 1,65 trilhão de dólares. Em 2020 o volume havia somado 929 bilhões de dólares. A Unctad informou também que nos países em desenvolvimento, grupo onde está o Brasil, a alta foi de 30%, com o IED batendo a marca dos 870 bilhões de dólares.

Nas economias desenvolvidas, o fluxo de investimento direto somou 771 bilhões de dólares no ano passado ou três vezes mais que em 2020. Nos Estados Unidos, o mercado de fusões e aquisições foi o principal responsável por fazer com que os fluxos subissem 114%. Na União Europeia houve alta de 8%. Acordos de projetos financeiros internacionais subiram 53% em números e 91% em valor no ano passado, com os principais aumentos em regiões de alta renda da Ásia e da América Latina.

Desenvolvimento e emprego como bônus

Geração de empregos, transferência de tecnologia, acesso a redes de marketing internacionais, financiamentos externos e desenvolvimento da infraestrutura estão entre os principais benefícios obtidos a partir do IED, de acordo com o Banco Mundial. Do senso comum, sabe-se que investimento estrangeiro é basicamente a ação de empresas do exterior aplicando recursos em um determinado país por meio de instalação de indústrias, serviços de energia, comunicação, tecnologia e assim por diante. Há, no entanto, a expressão Investimento Estrangeiro Direto (IED), que dá um sentido mais amplo e específico ao tema.

O IED engloba construção de novas instalações, reinvestimento de lucros obtidos em operações no exterior e empréstimos entre empresas do mesmo grupo econômico, assim como fusões e aquisições. Neste último caso, o resultado mostrou-se expressivo, já que no ano passado o Brasil registrou recorde de fusões. Levantamento da consultoria KPMG informa que no acumulado de 12 meses de 2021 foram 1.963 operações, 59% mais que em 2019, período considerado, até então, o melhor da série histórica, com 1.231 negociações. Os resultados de 2021 consolidam o ano passado como o melhor período em 25 anos, desde que a pesquisa foi iniciada pela consultoria. Ainda que as operações realizadas no ano passado sejam em sua maioria domésticas, somando 1.289, logo a seguir, na segunda posição, aparecem as operações do tipo "CB1", com um total de 581. Este tipo de iniciativa ocorre quando uma empresa de capital majoritário estrangeiro adquire de brasileiros capital de empresa estabelecida no Brasil.

Conforme conceito trazido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), o IED é a movimentação de capitais internacionais para propósitos específicos de investimento. "Quando empresas ou indivíduos no exterior criam ou adquirem operações em outro país", conforme detalha o texto no site da instituição. A Apex também atua para promover a competitividade das empresas brasileiras em seus processos de internacionalização e orienta sobre melhores oportunidades para negócios com investidores do exterior.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895