Manejo do pasto reduz metano

Manejo do pasto reduz metano

Pesquisa aponta queda da emissão do gás quando gado se alimenta de gramíneas em altura adequada

Uma projeção do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) indica que o Brasil pode ter emitido até 20% mais gases responsáveis pelo efeito estufa em 2020. Se confirmado pela consolidação dos dados do ano passado, o volume terá chegado a 2,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente – unidade de medida utilizada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que reúne todos os tipos de gases que causam o problema, como o carbônico e o metano. O principal motivo apontado pelo SEEG são as mudanças de uso da terra, diretamente relacionadas ao setor agropecuário, que ocorre em todo o país.

O cuidado com a pastagem, que, muitas vezes, passa batido por diversos pecuaristas, pode amenizar esse cenário. Além de ser mais barato do que outros insumos voltados para alimentação bovina, se manejado corretamente, o pasto pode contribuir para redução da emissão de gás metano pelo animal e, ainda, aumentar sua produtividade de carne e de leite. No caso de novilhos que se alimentam exclusivamente de pastagens cultivadas de azevém e aveia, irrigadas e adubadas, com altura entre 23 e 30 centímetros, no bioma Pampa, a redução dessas emissões pode chegar a 30% e deixar a produção anual de metano por animal em 48 quilos. A descoberta é de uma pesquisa capitaneada pela rede Pecus (Pecuária Sustentável) da Embrapa, feita em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e a Associação Brasileira de Hereford e Braford (ABHB), que desde 2018 estuda o assunto.

O trabalho iniciou de uma demanda de produtores em 2012. Dois anos antes, o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (ABC) havia sido lançado pelo Ministério da Agricultura para estimular ações que desenvolvessem tecnologias de produção sustentáveis. Na ocasião, o Brasil se comprometeu a reduzir voluntariamente a emissão de gases do efeito estufa entre 36,1% e 38,9% até 2020, com a regulamentação da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Naquele ano, conforme dados do SEEG, o país emitiu 1,69 bilhão de toneladas desses gases.

Para contribuir com esse objetivo, a Embrapa reuniu 300 pesquisadores para avaliarem sistemas de produção agropecuária nos biomas Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal, Pampa, Amazônia e Cerrado. No caso do Pampa, as pesquisadoras da Embrapa Cristina Genro e Márcia Silveira analisaram tanto a emissão do gás pelo gado como a altura e qualidade da vegetação. Foi dessa forma que descobriram que, controlando a estrutura do pasto, era possível diminuir a concentração de metano no meio ambiente.

A lógica é pensar em um sistema cíclico. Quando uma planta atinge uma altura adequada, significa também que a sua raiz é profunda, explica Cristina, o que possibilita um maior acúmulo de nutrientes e de carbono por meio de matéria orgânica do solo. “Alimentando-se de uma planta com mais nutrientes e dentro de uma amplitude de altura adequada, o animal terá uma digestão mais fácil e rápida”, afirma a cientista. “Assim, emitirá menos metano e engordará mais rápido, já que há mais oferta de pasto por hectare”, complementa. É por isso que as pesquisadoras argumentam que é possível aumentar a produção de carne e de leite mesmo em uma pecuária neutra ou de baixa emissão de gases do efeito estufa. “Se irrigar e adubar o pasto, esses números podem ser ainda maiores”, avisa Márcia. “Sem contar que a carne produzida a pasto fica com excelente qualidade e valor nutricional, inclusive com grande presença de ômega 3 e de perfis de ácidos graxos benéficos à saúde humana”, salienta Cristina. O consumo deste alimento, pelos humanos, tem benefícios como o fortalecimento da imunidade, a estabilização do humor, a diminuição de inflamações e a prevenção de alguns tipos de câncer.

Para chegar a esses resultados, no entanto, foi necessário primeiro definir a altura ideal de algumas espécies forrageiras. Monitorou-se, então, a temperatura, o índice de radiação solar, a fertilidade do solo, a umidade do ambiente e as condições fisiológicas da planta, como maior ou menor desenvolvimento foliar e sua altura, em diferentes estâncias onde os bovinos, que foram cedidos pela ABHB para a pesquisa, estavam. “Relacionando todos esses fatores, foi possível inferir quando o pasto oferece mais nutrientes ao animal e contribui mais na fixação de carbono no solo. Assim definimos uma altura ideal”, esclarece Márcia.

De acordo com o estudo, o azevém, por exemplo, está em sua altura ideal quando chega entre 15 e 20 centímetros no pastejo contínuo. Em pastejo sob lotação rotativa, os animais devem entrar quando o pasto estiver com 20 centímetros e sair quando estiver entre oito e 12 centímetros.

Com a altura do pasto acertada, os pesquisadores prenderam buçais de inox próximos às narinas e à boca dos bovinos, por cinco dias, para coleta do gás. As amostras foram levadas a um laboratório da Ufrgs. Lá, foram retiraras com seringa e tiveram sua concentração avaliada. “Os protocolos de coleta de gases e de análises utilizados no projeto são reconhecidos internacionalmente e recomendados pelo IPCC”, acrescenta Cristina.

O manejo

Para manter a altura adequada de uma pastagem, Márcia sugere que, em vegetações naturais, o produtor faça a medição com régua ou bastão medidor pelo menos uma vez ao mês no outono e no inverno e a cada 15 dias na primavera e no verão. No caso de pastagens nativas melhoradas por fertilização e semeadas com cultivares de inverno, o controle deve ser feito quinzenalmente durante todo o ano. Como o pasto é heterogêneo, também é necessário medir a altura em diversas áreas da vegetação para, ao final, calcular uma média dos valores registrados.

Prática de monitorar a altura da pastagem ajuda na produção e no clima. | Foto: Felipe Rosa

A pesquisadora lembra ainda que o produtor deve controlar a quantidade de animais por hectare para que o crescimento do pasto se recomponha naturalmente e não seja afetado pelos bovinos. “É um olho no gado e outro no pasto”, resume.

Gás produzido na digestão ABC entra na segunda fase

O IPCC indica que um novilho em terminação emite de 56 a 70 quilos por ano de metano, que é produzido na digestão de ruminantes e é eliminado por eructação, respiração e gases intestinais. O metano é considerado mais prejudicial ao ambiente do que o gás carbônico. No entanto, é responsável por até 20% do problema, enquanto o dióxido de carbono fica com 60%.

ABC entra na segunda fase

As tecnologias previstas no Plano ABC  já se espalharam por quase 50 milhões de hectares entre 2010 e 2018. Os dados consideram, além das áreas financiadas com recursos do Programa ABC, aquelas com investimentos dos próprios produtores e outras linhas de créditos. Considerando apenas o financiamento do Programa ABC, que foi superior a R$ 21 bilhões, a área agrícola soma quase 10,5 milhões de hectares.A partir de agora, o Plano ABC passa para uma segunda fase, que dura até 2030. “Estamos revisando tudo o que foi feito para torná-lo ainda mais abrangente, mantendo as tecnologias já fomentadas, incluindo outras e acrescentando bases estratégicas fundamentais, como a abordagem integrada da paisagem”, esclarece a diretora do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura, Mariane Crespolini. As pesquisas da Rede Pecus continuam.


Resultados devem ser disseminados

Amostras para análise são recolhidas por coletores de gás colocados próximos às narinas e à boca dos animais, onde ficam durante cinco dia. | Foto: Ian Cezimbra/Divulgação

O desafio da pesquisa da Rede Pecus agora é disseminar as informações que levantou para o maior número de produtores possível, algo  inviabilizado durante a pandemia do coronavírus. Os produtores associados ao Programa Estâncias Gaúchas, que, juntos, possuem 100 mil hectares de campo nativo e abatem 200 cabeças por semana, serão um desses públicos. “O mercado tem exigido que a produção de carne e de leite tenham alguns diferenciais. Hoje em dia não cabe mais produzir por produzir”, avalia o agrônomo e coordenador da iniciativa, Marcelo Fett Pinto.

Parceiro da pesquisa, o Programa Estâncias Gaúchas foi lançado em 2019, na Vitrine da Carne Gaúcha da Expointer, em Esteio, por criadores que visam uma pecuária mais sustentável, feita em campos nativos preservados. Na ocasião, eles também divulgaram a marca própria de carne do programa, a “Estâncias Gaúchas”. O  registro dela já foi feito no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O momento atual é de negociação dos produtores com indústrias frigoríficas e varejo para efetivar a venda. A previsão é de que a carne com este selo esteja ainda neste ano em gôndolas de supermercados no Estado.

A carne já é produzida a partir de técnicas de bem-estar animal, seleção genética, boas práticas de manejo do pasto, sanidade e preservação da natureza, o que certamente embute um diferencial. Os associados ao programa contratam, inclusive, consultoria de biólogos, que fazem levantamentos da biodiversidade de cada propriedade, como forma de comprovar o nível de preservação de cada local de produção. Com a marca, Fett Pinto espera ir além. “Queremos consolidar essa carne como uma referência em qualidade e de sistemas agropecuários sustentáveis”, diz.

Na foto, biólogos fazem levantamentos na Área de Proteção Ambiental do Ibirapuã para comprovar a preservação da biodiversidade nativa do local. | Foto: Marcelo Fett Pinto/Divulgação

Quando forem feitas capacitações com informações da pesquisa aos associados, Fett Pinto, que também é produtor, entende que será possível agregar ainda mais rentabilidade e produtividade às propriedades vinculadas ao programa. Mas o pecuarista admite que já é possível adotar algumas técnicas por conta própria. “Na prática, e após algumas medições, calibramos o olho com boa precisão para as alturas dos pastos, podendo nos valer de referências, como a altura do pasto em relação ao casco do cavalo e aos bichos de campo, como a lebre”, destaca.

O programa firmou outra parceria, no final do ano passado, com a marca francesa de calçados Vert. A empresa, conhecida pela sustentabilidade da sua moda, se interessou no couro  que os associados do programa poderiam fornecer. Hoje, ela vende o tênis “Campo” a partir de matéria-prima criada em solo gaúcho.

Empresa terá protocolos

Assim como o Programa Estâncias Gaúchas, a multinacional Nestlé também mostrou interesse em reduzir suas emissões de gases do efeito estufa. Em fevereiro deste ano, a empresa assinou uma parceria com a Embrapa para que esta desenvolva protocolos a serem adotados pelos seus fornecedores. A meta é neutralizar todas suas emissões até 2050.De acordo com o chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste, André Novo, os dados e inovações gerados pela parceria serão abertos. “Isso significa que qualquer produtor de leite ou empresa poderá ter acesso às informações geradas pela parceria, o conhecimento será público”, explica. “Nós queremos conscientizar e trabalhar junto com a sociedade e as instituições especializadas para tornar nossa cadeia de fornecimento de leite o mais sustentável possível”, afirma Barbara Sollero, gerente de Desenvolvimento de Fornecedores e Qualidade da Nestlé Brasil.

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*Sob supervisão de Elder Ogliar

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895