Margens reduzidas

Margens reduzidas

Cotações da soja seguem altas, mas não são acompanhadas pela rentabilidade porque custo da lavoura que está sendo plantada no Rio Grande do Sul subiu mais ainda, o que leva economistas a recomendarem cautela ao produtor que quiser fazer investimentos de longo prazo

Por
Danton Júnior

O ciclo de alta nos preços de algumas commodities agrícolas esconde o fato de que o produtor deve ter margens reduzidas na safra que está plantando agora (foto acima). Os custos dos principais insumos utilizados na lavoura tiveram crescimento expressivo desde a última colheita, o que não é diferente no caso da soja. A cotação da saca de 60 quilos da oleaginosa aumentou em relação à registrada há um ano, mas o desembolso necessário para a aquisição dos insumos subiu ainda mais. No ano passado, os insumos foram adquiridos quando a taxa de câmbio era menor, o que permitiu boa rentabilidade ao sojicultor na hora de negociar o grão no mercado, cenário bem diferente do observado em 2021.

“A soja tende a ter uma redução de margem significativa”, resume o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz. Conforme levantamento da própria entidade, o item fertilizantes foi o que mais pesou na planilha de custos do produtor rural. O aumento foi de 119% em relação a setembro de 2020. Os herbicidas, por sua vez, subiram 60%. Financiamento e custo da terra tiveram elevação de 48% e 19%, respectivamente.

O preço de nivelamento, segundo a Farsul, subiu em cerca de 30% para as lavouras de soja. Isso significa que, no ano passado, a saca deveria ser negociada a R$ 99,26 para cobrir todos os custos. Hoje, esse valor é de R$ 129,36. A margem do produtor na primavera de 2020 era de 25%. Agora é calculada em 18% – considerando-se o preço da saca a R$ 157,51, mais do que os R$ 132,11 registrados há um ano. “E ainda temos que colher, o que é sempre um desafio”, observa da Luz. O economista entende que, apesar da queda na margem, o cenário ainda pode ser considerado “bom”, mas, diante das circunstâncias atuais, diz que a recomendação ao produtor é que tenha cautela na hora de pensar em investimentos a longo prazo.

Para da Luz, a alta nos custos é motivada pelo cenário de oferta e demanda internacional de insumos e não pode ser atribuído somente à alta da moeda norte-americana. “O câmbio é um componente a mais. Ele piora mais a situação, mas não é o causador”, acredita. O economista vê com preocupação a possibilidade de escassez de insumos no mercado internacional, embora acredite que isso ainda não ocorra na safra 2021/2022 e tenha possibilidade de se tornar um percalço na safrinha de 2022. “Há uma chance concreta de faltar alguns produtos”, avalia.

A atual cotação do grão na Bolsa de Chicago é considerada boa, “com preços de entressafra”, segundo da Luz. A taxa de câmbio do momento faz com que, para o sojicultor brasileiro, o valor esteja elevado, acima de R$ 170,00 a saca no Porto de Rio Grande. O futuro da cotação irá depender muito do que irá acontecer no Hemisfério Sul, conforme o economista, já que no Hemisfério Norte a safra já está plantada e começando a ser colhida. “Hoje o cenário é de termos uma oferta e demanda ainda justa, bem apertada, o que não permite a elevação de estoques e dá um panorama de preços bons”, avalia. Caso a produção nacional aumente em mais de 5%, o economista diz ser possível que as cotações não se sustentem. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) calcula um aumento de produção de 3,4%.

Em maio, a Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (FecoAgro/RS) divulgou um levantamento em que calculava um aumento de custos de 29,98% no desembolso em relação à última safra. O custo total por hectare foi calculado em R$ 4,8 mil, bem mais do que os R$ 3,6 mil do ciclo 2020/2021. “O produtor que se programou e adquiriu os insumos mais cedo, lá no início do ano, tem um outro patamar de custos”, afirma o economista Tarcísio Minetto, da FecoAgro/RS. Já a parcela de agricultores que não antecipou as compras vai ter margens reduzidas nesta safra. Quanto à oferta de produtos químicos, Minetto afirma que as cooperativas estão honrando as entregas e não acredita em problemas para esta safra de verão.

Neste cenário, o produtor terá de fazer muitos cálculos antes de negociar o grão no mercado. “Ele tem que fazer as contas, analisar qual foi o custo que teve com os insumos e ver qual o preço que julga que pode lhe dar uma rentabilidade interessante”, explica Minetto. “Se ele puder travar alguma coisa (no mercado futuro), sempre é bom se proteger”, acrescenta. Independentemente da estratégia a ser adotada na hora de vender a produção, a recomendação é para que o agricultor tenha cautela ao programar investimentos. “O amanhã é incerto. Não sabemos como vai estar o mercado e se os preços da soja se manterão nesse nível”, pondera o economista, que fala em cautela e precaução para garantir a sustentabilidade do processo de produção.

“Se acontecer algum imprevisto, o preço se mantém. Se não, a tendência é diminuir”, avalia o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Rio Grande do Sul (Aprosoja/RS), Décio Teixeira. No momento, segundo ele, os preços ao redor de R$ 160,00 a saca são suficientes para “quebrar o galho” de quem comprou os fertilizantes com antecedência.

Prevenção contra as intempéries

Produtor deve estar atento às recomendações do Zoneamento Agrícola de Risco Climático e pode fazer ajustes fitotécnicos e usar a biotecnologia para aumentar a tolerância da planta à estiagem, fenômeno comum no Rio Grande do Sul

As intempéries fizeram com que a região Sul do Brasil deixasse de produzir mais de 15 milhões de toneladas de soja nas últimas três safras. Segundo a Embrapa Soja, o prejuízo econômico foi de 8 bilhões de dólares, considerando-se a cotação de 500 dólares a tonelada. Numa única safra – 2019/2020 – o Rio Grande do Sul deixou de ganhar quase 5 bilhões de dólares. “Nesse cenário de aquecimento global, uma das principais mudanças que se detecta é o aumento da frequência e da magnitude desses eventos perversos”, resume o pesquisador José Renato Bouças Farias, da Embrapa Soja.

A empresa pública de pesquisa agropecuária tem trabalhado desde o início dos anos 1990 em diversas frentes para reduzir os prejuízos decorrentes do clima nas lavouras. Além das estratégias de manejo, estudos da Embrapa em colaboração com institutos do Japão mostram que a biotecnologia pode contribuir com o aumento de tolerância da planta à seca. De acordo com Farias, ferramentas modernas de engenharia genética otimizam o sucesso do trabalho com um custo menor e maior objetividade, de modo a disponibilizar esses materiais de forma rápida para o agricultor.

“O transgênico era a introdução de gene ou de um fator de construção que era colocado dentro da planta. Hoje, a edição gênica edita o genoma”, detalha o pesquisador. Com isso, pega-se parte do genoma da planta, com a sequência que se imagina que terá maior tolerância à seca, e por meio de técnicas da engenharia genética edita-se a sequência desejada a fim de conferir aquela característica.

Algumas ferramentas já estão ao alcance do agricultor, como é o caso do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), considerado uma técnica essencial para o planejamento da produção porque indica as regiões com maior ou menor risco e a época do ano ideal para o plantio. “É uma ferramenta disponível na palma da mão do produtor, em que ele acessa pelo celular a melhor indicação da sua região”, destaca Farias.

Primeiras lavouras da safra 2021/2022 começaram a brotar e expectativa é que não tenham de enfrentar falta de chuva, como em anos recente. Foto: Joana Trombetta / Divulgação / CP

Ao mesmo tempo, a Embrapa tem trabalhado com a questão do ajuste fitotécnico das cultivares. A pesquisa demonstrou que não basta ao produtor ter uma planta de boa genética, mas que ela tem que estar muito bem posicionada, orientada conforme as práticas de manejo de locais e época de plantio em que pode expressar melhor o seu potencial. “Isso ajuda muito a diminuir o risco”, complementa o pesquisador. Neste sentido, o escalonamento do plantio é uma prática recomendada para que, em caso de uma deficiência hídrica, a produção esteja em estágios diferentes de desenvolvimento e não seja comprometida em sua totalidade.

A adoção de estratégias de combate ao risco climático para as lavouras do Rio Grande do Sul ganha importância porque o Estado enfrenta as perdas mais significativas por estiagem. Farias explica que isso ocorre em razão da alta variabilidade climática do território gaúcho, com muita demanda de água no verão, mas com volume de chuvas às vezes insuficiente e de distribuição irregular. Soma-se a isso a diferença entre o processo produtivo das metades Norte e Sul do Estado – esta última com solos mais pobres e arenosos.

“Vamos ser mais eficientes e conseguir superar mais as adversidades se unirmos todos os esforços e atacarmos as diversas frentes disponíveis: desde obedecer o zoneamento com um ajuste fitotécnico, buscando melhor manejo de solo e maior disponibilidade de água, até usar uma tecnologia com genética mais avançada”, define Farias. 

Insumos preocupam

A escassez de insumos agrícolas em meio à pandemia de Covid-19 tem chamado a atenção de entidades ligadas ao campo. Audiências públicas sobre o tema foram promovidas recentemente na Câmara dos Deputados e no Senado. Apesar da preocupação, a crença é de que não há riscos com relação à safra 2021/2022. A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja/MT) orientou os produtores daquele estado a reduzir o uso de adubo. No Rio Grande do Sul, a entidade congênere não chegou a adotar o mesmo discurso. “Todo produtor tem uma reserva de nutrientes no solo. Tem que saber explorá-la”, afirma o presidente da Aprosoja/RS, Décio Teixeira. A sugestão, porém, é usar adubações alternativas, como o pó de rocha.

De acordo com Teixeira, a maioria dos produtores adquiriu os insumos de forma antecipada, porém há casos de mercadorias que ainda não foram entregues. O que a Aprosoja/RS faz questão de dizer que não quer é a utilização do herbicida hormonal dicamba nas lavouras gaúchas, em razão da volatilidade apresentada pelo produto. “O risco para o produtor é muito grande. Estamos orientando que não usem por enquanto”, resume Teixeira. A Aprosoja/RS chegou a reivindicar à Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) que o tema fosse discutido no âmbito da Câmara Setorial da Soja. 

Preparo do solo e tratos culturais não devem ser prejudicados nesta safra porque a maioria dos produtores gaúchos já fez as aquisições. Foto: Dirceu Gassen / Especial / CP Memória

Outra preocupação dos produtores de soja é com relação ao clima. Em outubro, o Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul (Copaaergs) informou que a possibilidade de ocorrência do La Niña estava acima dos 70%. O fenômeno é caracterizado por precipitações abaixo da média. No final de outubro, as chuvas ajudaram a irrigar o solo nas regiões produtoras, o que indica que por enquanto o La Niña não se confirmou. Segundo Teixeira, da Aprosoja/RS, há inclusive um outro fator de alerta. “As chuvas com granizo têm sido muito violentas”, observa. “Esperamos que elas possam diminuir com o aquecimento do clima.”

O diretor técnico da Emater, Alencar Rugeri, afirma que por enquanto permanece inalterada a estimativa de safra levantada pela entidade. A produção de soja esperada para o ciclo 2021/2022, anunciada durante a última Expointer, é de 19,94 milhões de toneladas, o que representa uma redução de 2,26% em relação à colheita passada. Rugeri defende que o produtor trabalhe na sua lavoura tendo como base o tripé gestão, profissionalismo e planejamento, de modo a obter bons resultados. 

Compras antecipadas aumentaram a expectativa de rentabilidade 

A compra antecipada de insumos deixou Neimar De Conti com a expectativa de boa rentabilidade para a safra de soja 2021/2022. Produtor da localidade de Lajeado Limoeiro, em Novo Machado, no Noroeste do Rio Grande do Sul, ele diz que montou a estratégia por seguir a orientação de um parceiro comercial. “Ele me alertou que os preços iriam subir e que eu corria o risco de enfrentar também a falta de produto”, recorda. “Me antecipei, vendi soja para fazer as aquisições e agora estou tranquilo”, complementa. O agricultor exemplifica que comprou cloreto de potássio, nutriente para a soja, a R$ 87. Hoje o valor chega a R$ 200.

De Conti destinou uma área de 40 hectares para a cultura e tem uma expectativa de produtividade de, pelo menos, 70 sacas por hectare, o mesmo volume que colheu na safra anterior. Ele lembra que com a previsão de El Niño, no ano passado, a safra estava ameaçada, mas o fenômeno não se confirmou. Para este ano, De Conti tem informações de que o clima promete ajudar. Dos 40 hectares, cinco estão em uma área de pedregulho, que precisa de mais água para sustentar a planta. “A terra vermelha segura mais a água no solo”.

Neimar De Conti diz que se preveniu contra a alta do custo e a escassez de produtos para a lavoura, que começa a plantar nos próximos dias. Foto: Ana Paula Golin De Conti / Divulgação / CP

O agricultor explica que a boa expectativa de rentabilidade para a sua área se mantém a partir da relação custo versus preço do grão. “Como consegui comprar insumos de forma antecipada e levando em conta o preço do grão hoje, há boas chances de termos uma boa rentabilidade”, calcula. “Porém, se eu tivesse comprado insumos agora, a realidade seria outra”. De Conti prevê uma redução de 20% na margem de lucro para quem comprar os insumos agora.

Apesar do otimismo, o produtor está preocupado com o combustível. Além do preço do diesel estar R$ 5 o litro, ele percebe a falta do produto. “Estou há uma semana aguardando a chegada do combustível que encomendei”, revela. De Conti optou por deixar a comercialização para o pós-colheita, já que entende que seria arriscada no cenário atual, em que há instabilidade de preços e muitas empresas do segmento estão fechando. “Não temos mais segurança e garantias na comercialização antecipada, além de o preço ser baixo”, analisa.

O plantio da soja está programado para a segunda quinzena de novembro. “É o período que apresenta os melhores resultados na hora da colheita, aqui na região.” Na semana passada, ele começou a colher o trigo, para liberar espaço para a soja. (Felipe Dorneles)

Geopolítica provoca incerteza

Tendência é que demanda da China pela soja brasileira siga crescendo em 2022, mas dificuldades para se obter dados da economia daquele país e formação de blocos comerciais deixam margem de dúvidas para analistas fazerem projeções mais concretas

A percepção de que a rentabilidade do produtor tende a cair na safra 2021/2022 sucede a constatação de que a colheita do ciclo 2020/2021 teve uma das melhores margens entre desembolso e receita da história. O professor Nilson Luiz Costa, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Economia do Agronegócio da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), observa que as cotações da soja têm ficado acima das médias dos últimos anos tanto no Brasil quanto na Bolsa de Chicago. Os preços aquecidos estimularam a venda dos estoques, que hoje estão baixos.

Oleaginosa colhida no Brasil deixou boa relação entre custo e preços na safra passada, que não vai se repetir na atua. Foto: Guilherme Testa / CP Memória

Neste momento em que a economia global começa a voltar ao normal, a tendência é de que a importação de soja pela China – maior comprador da oleaginosa brasileira – siga crescente em 2022. Porém, imaginar o que irá acontecer com os embarques é um exercício ingrato. “O que nós temos para analisar são os números do USDA”, ressalva Costa, referindo-se ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e à dificuldade de se obter dados relacionados à economia chinesa. Os números do terceiro trimestre apontam para uma desaceleração da economia do gigante asiático, com crescimento de 4,9% – no primeiro trimestre de 2021 a expansão foi de 18,3%.

O especialista vê alguns elementos de incerteza no cenário internacional, principalmente de natureza geopolítica, como a formação de blocos e as patrulhas de China e Rússia no Mar do Japão. “Aquela região do globo tem muitos elementos que, embora eu não diga que possam resultar em um conflito, tiram a normalidade de um processo”, observa, deixando claro que esses fatores podem provocar impactos na demanda global pela soja brasileira. Apesar da incerteza, Costa vê motivos para otimismo, principalmente porque considera que o produtor está capitalizado em função da última safra. Quanto ao prêmio para exportação da soja, a tendência é de queda entre os meses de novembro e abril e de elevação durante a entressafra, alerta o professor.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895