Mudar de caminho

Mudar de caminho

Insatisfações no ambiente de trabalho podem levar as pessoas a novas possibilidades. Porém, as mudanças requerem organização e planejamento

Por
Taís Teixeira

Chegar à fase adulta tem muitas implicações. Entre elas, podemos citar a implicação social do indivíduo, que passa a ter obrigações e responsabilidades para viabilizar o próprio sustento e galgar conquistas importantes para si. Via de regra, ter uma profissão e atuar nela é um dos caminhos para isso. Com base nessa premissa, muitas pessoas investem na qualificação do ofício que um dia escolheram por afinidade, habilidades e outros quesitos. Porém, no andar da carruagem, o presente e o futuro que se delineiam podem não corresponder às expectativas projetadas. Outra hipótese é que o brilho inicial que aquela função tinha, pode ir se perdendo, dando espaço à opacidade. Neste cenário, mudar de profissão passa a ser uma alternativa. Mais do que isso, para uns, torna-se uma necessidade. É neste momento que entra em cena o que chamamos de transição de carreira.

Com a pandemia, essa atitude de ajustar uma nova rota profissional ganhou mais força. Uma pesquisa executada neste ano pela Microsoft - Works Trend Index 2021, com 30 mil pessoas ao redor do mundo, mostrou que 40% dos trabalhadores consideram uma transição de carreira ainda este ano. Na América Latina, esse número aumenta para 53%.

A engenheira e consultora de carreira Angélica Dalla Rosa entende essa passagem como qualquer mudança de atuação ou de posicionamento que o profissional promova na sua área. “Um advogado que atua na área civil, mas que resolve atuar na área tributária ou empreender com um novo negócio imobiliário são movimentos considerados como transições de carreira”, exemplifica. A especialista reitera que o momento atual colaborou para esse contexto. “A pandemia também é um fator que influencia nesse crescimento da busca pela transição de carreira, visto que muitas pessoas começaram a repensar suas trajetórias quando o mundo parou diante da Covid-19”, explica. Ela acrescenta que o descontentamento com trabalho atual (que atinge nove em cada dez brasileiros), a falta de qualidade de vida, de perspectiva de crescimento profissional na sua área e de oportunidades, além de não ver mais propósito e sentido em continuar na ocupação, são os principais motivos de profissionais que anseiam por essa mudança.

A rotina de home office e o isolamento social, em quase dois anos de pandemia, favoreceram um comportamento mais introspectivo. A diretora de transição de carreira e cofundadora da Success People, localizada em São Paulo, Neiva Gonçalves, reforça que esse contexto permitiu um olhar mais profundo para os valores e propósitos próprios, o que gerou questionamentos em muitas pessoas. “Será que estou fazendo realmente o que eu quero? Estou no trabalho que tem a ver com o meu propósito?” são exemplos das perguntas que a especialista destaca que devem ser feitas.

Provocar o autoquestionamento é uma prática elucidativa para encontrar respostas que ajudem a trilhar um novo caminho. Neiva explica que uma das metodologias aplicadas para ajudar quem busca essa transformação é a VIP (valores, impactos e propósito de vida). A partir deste tripé, a pessoa deve ser capaz de responder a cada um desses aspectos, relacionando como os seus posicionamentos podem se refletir na sua vida e no mundo. “Esclarecer para si essa questão é muito importante”, enfatiza. Outro atributo salientado é a felicidade associada à execução da carreira. “Muitas pessoas me procuram e dizem que não estão felizes, mas afinal, o que é não estar feliz?”, indaga, relatando que é importante encontrar o motivo dessa infelicidade (um ambiente tóxico, relação com os colegas, com o gestor, valores pessoais desalinhados com a empresa, etc).

A presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Crismeri Delfino, entende que as pessoas ficaram mais conectadas consigo na pandemia, mas, também, pela falta de emprego, buscaram novos mercados, o que desencadeou uma onda forte de atividades empreendedoras como solução. “É preciso entender que a vontade de mudar está ligada à insatisfação, por não gostar mais do que se faz, por não ter crescimento, pelo salário que não atende mais, pela falta de propósito e de novos desafios”, assinala.

A rotina estabelecida na pandemia, que deu força ao trabalho remoto, possibilitou a experimentação de um novo modelo laboral, que agradou a muitas pessoas. A dirigente atenta para a realidade de que a transição não tem uma hora certa nem idade ideal para mudar. “É viável em qualquer idade e tenho observado isso acontecer muito pela faixa dos 50 a 60 anos, momento em que as pessoas escolhem o que as deixa mais felizes, o que não é um esforço nem um peso, o que proporciona um rendimento maior”, destaca.
Crismeri acredita que pensar em si é um entendimento que deve estar muito claro e ser uma prioridade nessa transformação, que requer, antes da decisão final, explorar novos mercados, angariar conhecimento e informação, reconhecer oportunidades, o que é possível não apenas diante de investimento financeiro, mas com um volume ilimitado de conteúdos gratuitos disponíveis na Internet. “Planejar, trabalhar e estudar para ti com disciplina e sem impulsividade, sentindo aquilo que toca o seu coração”, orienta.

Controle emocional para passos firmes

“Tudo tem a hora certa.” Essa é uma das falas populares que costuma se dizer para oferecer força para um conhecido, amigo ou familiar que passa por um momento de dificuldade ou de incerteza. A psicóloga da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e colaboradora da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho (CPOT) do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) Rita Luedke é objetiva ao explicar esse momento. “A hora em que ir faz mais sentido do que ficar”, afirma. Ela salienta que é uma decisão muito particular, que depende de cada pessoa e de seu momento de vida. “Não é simples, e sim, muito complexo, há repercussões, com certeza, e são essas repercussões que, na maior parte das vezes, interferem na decisão”, pondera, ressaltando que é fundamental considerar que o caminho pode trazer surpresas, desafios, gratificações e frustrações, mas que deve-se estar disposto a ousar e a experienciar.

A psicóloga explica que o autoentendimento é importante para cada um ver como se percebe no contexto em que vive, o que ajuda a identificar essa insatisfação como algo pontual ou generalizado. Ela relata que, nesses casos, o “sinal de alerta” mais reconhecido é o desconforto, embora nem sempre ele seja percebido assim. “Por vezes é uma situação que chateia, noutras é o percurso que passou a ser difícil, quando antes não o era, o salário, a desmotivação quanto a realizar o que se propõe a fazer, a valorização que deveria ter ocorrido e não aconteceu, gerando frustração, que passa para insatisfação”, sintetiza.

Rita enumera os sinais de insatisfação mais triviais: alterações de humor, irritabilidade constante, pouca paciência, alteração no sono, alteração no apetite, baixa tolerância à frustração nos mais variados momentos (pessoas explosivas por alguma situação que não justifique esta atitude), automedicação como forma de se manter “bem”, álcool com frequência (para “aguentar” as demandas ou para “relaxar” um pouco), uso frequente de drogas (principalmente para se manter focado, ligado, produtivo), oscilações nos relacionamentos pessoais, alteração da libido, isolamento, tristeza e tantos outros que nem sempre reconhecemos como associados ao significado do momento de vida daquela pessoa. “Certamente esses sinais não necessariamente estão associados à insatisfação no trabalho, o que torna necessário que se avalie, profissionalmente, caso a caso, para que possamos validar o ‘nexo causal’ (fatores que causam algo e o efeito naquela pessoa) no contexto”, explica.

Porém, a psicóloga enfatiza que nem sempre o desgosto está apenas no trabalho, às vezes é consigo próprio e com seu desempenho profissional. “Por vezes, há outras questões envolvidas, como conflitos familiares e/ou financeiros, que independem do trabalho propriamente dito, mas dependem de uma melhor organização dos recursos financeiros oriundos dele”, destaca Rita.

O psicólogo, mestre em Saúde Pública e docente Ricardo Werner Sebastiani acrescenta aos sintomas relativos a esse descontentamento a “síndrome de domingo”, que é uma sensação de angústia e mal-estar no fim de domingo. Além disso, adiciona outros aspectos relacionados. “Ansiedade, aumento da crítica e autocrítica, dificuldade de concentração, lapsos de memória, eventualmente insônia e ganho de peso”, completa. Sebastiani endossa que a pandemia proporcionou um olhar mais apurado para as perspectivas profissionais, mas ressalta que a saúde mental no trabalho já é uma questão debatida mundialmente. “O tema sofrimento mental e comprometimento de carreira profissional foi abordado no Fórum Econômico de Davos, em 2019, dentro de um dos macrotemas centrais de discussões, que era a saúde mental no ambiente de trabalho”, pontua. Ele comenta que o assunto foi incluído na pauta porque a cúpula do evento já tinha constatado preocupante nível de sofrimento mental no trabalho.

O especialista evoca a importância de manter as outras dimensões da vida para além do trabalho bem cuidadas para se evitar que a situação evolua para quadros mais graves. “Relação afetivas, interesses pessoais, hobbies, atividades de lazer, outros interesses que gerem prazer, satisfação e sentimento de realização como esportes, atividades culturais, atividades assistenciais, atividades religiosas, entre outras, sempre tendo em mente que não se deve tomar decisões por impulso nem quando se está sob pressão”, aconselha. Atividades físicas e ao ar livre são bastante recomendáveis. “Meditação, ioga, dedicar-se a algo que lhe faça bem, independentemente de ser ‘produtivo’, procurar sempre que possível desligar-se da rotina, mudar de ambiente, aprender coisas novas e manter alimentadas as boas amizades”, descreve.

O professor ainda destaca que a permanência nessa condição por longo período pode progredir para diagnósticos mais sérios, como Burnout, transtornos depressivos, crises de pânico, problemas psicossomáticos, entre outros. Entre essas complicações, a Síndrome de Burnout é uma das mais severas. Conforme o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde sobre Doenças Relacionadas ao Trabalho, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, essa condição se caracteriza como “a sensação de estar acabado” e é um tipo de resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho. O trabalhador que antes era muito envolvido afetivamente com os seus clientes, pacientes ou com o trabalho em si, desgasta-se e, em um dado momento, desiste, perde a energia ou se ‘queima’ completamente.

O psiquiatra e coordenador do Núcleo de Psiquiatria do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Fernando Uberti, ressalta que antes da pandemia já se observava que o ambiente de trabalho vinha causando transtornos psiquiátricos, em especial no setor privado, uma realidade de que cargas horárias elevadas, convivência marcada pela cobrança de metas, não só no aspecto financeiro, mas nas relações hierárquicas entre chefe e colaboradores. “No Brasil, a doença psiquiátrica e mental é a terceira causa de afastamento do trabalho temporário ou permanente”, relata. Em primeiro lugar, estão as causas externas, relacionadas a condições precárias, que podem ocasionar acidentes de trabalho, e em segundo lugar estão as doenças osteomusculares.

Uberti esclarece que esses transtornos costumam se manifestar pela junção das vulnerabilidades individuais, predisposição genética e fatores estressores vivenciados no decorrer da vida. “A pandemia modificou de maneira súbita muitos aspectos, sendo um deles a dinâmica do trabalho, realidade que não era um escolha, mas sim, uma imposição pela circunstância, o que contribuiu para esse estresse e adicionou um novo impacto social sobre essa questão”, explica.

A interação nas redes sociais pode prejudicar a dinâmica de trabalho. O médico salienta que o padrão de demonstração de felicidade nesses ambientes virtuais pode causar uma baixa tolerância à realidade, à medida que desencadeia uma ideia imediatista de objetivos e de estabelecimento de metas no sentido de visibilidade, de crescimento e de aumento de salário, combinação que acaba favorecendo um sentimento de frustração mais intenso. “Parece uma relação de sofrimento psíquico, com pessoas menos preparadas para enfrentar frustrações”, avalia.

Transição de carreira exige avaliação

“Procurar trabalho dá trabalho”, afirma a diretora de transição de carreira da Success People, Neiva Gonçalves. Ela enfatiza que é preciso focar no objetivo e determinar um plano de ações para fazer essa virada. Contudo, redirecionar a rota profissional pode ser não somente trabalhoso, como dispendioso. O especialista em Gestão Estratégica de Pessoas e Comportamento Organizacional e professor da Escola Brasileira de Administração Pública de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, Marco Tulio Zanini, percebe que na pandemia houve uma transição voluntária e involuntária em decorrência de uma grande perda de postos de trabalho no Brasil e de um resfriamento brusco da economia, em especial nos serviços. “Muita gente ficou desempregada e teve que buscar uma nova colocação, ou seja, fez a transição de forma involuntária, forçadamente, o que gerou uma movimentação”, constata.

Já as pessoas que tinham emprego fixo passaram por uma mudança de rotina impactante ao ficarem sem contato diário e, até mesmo, sem o próprio deslocamento até o trabalho. “Não temos dados, mas podemos identificar que muitas pessoas tiveram aumento de produtividade em casa em relação ao ambiente de trabalho, fator que fez esse público migrar de forma voluntária para uma atividade com mais autonomia”, esclarece. Mesmo assim, o docente ainda considera baixa a transição voluntária. “Essa modificação ainda precisa ser mensurada e, na minha perspectiva, é inexpressiva se comparada à mudança da economia”, avalia. Zanini relata que esse movimento pode ser menos oneroso para algumas áreas, como a tecnologia da informação (TI), segmento em que faltam profissionais.

Zanini salienta, no entanto, que optar pela transição de carreira tem que ser um processo constituído com clareza. “O que está oculto é o preço que se paga”, alerta. Ele explica com o exemplo de um executivo que decide virar consultor dentro da área que adquiriu experiência, passagem que não acontece de forma imediata, já que exige mudança de comportamento e um investimento para se preparar formalmente a fim de atingir essa meta. “É possível fazer transição de carreira, sempre existe a possibilidade, mas tem um preço a ser pago, que pode aumentar conforme a idade”, explica.

Ser dono do próprio negócio é o sonho de muita gente. Todavia, o especialista adverte que abrir um negócio requer estudo de mercado, de demanda e um preparo financeiro e técnico, que muitas vezes é negligenciado e contribui para que o empreendimento não prospere. “É preciso ter cuidado para não se encantar apenas com a ideia, sem entender a rotina de empreendedor, que não é trivial, e pode exigir muito mais trabalho”, ressalta.

Planejamento e estratégia

Ajustar as rotas da carreira não pode ser um movimento oriundo de atitudes intempestivas, movidas por impulsividade. O planejamento é fundamental, assim como saber usar as ferramentas disponíveis para atalhar o caminho. Um desses recursos é a rede social LinkedIn, focada em negócios e contatos profissionais. A diretora de Carreira Neiva Gonçalves afirma que muitas pessoas alcançaram seus objetivos profissionais usando o LinkedIn de forma estratégica. Ela explica que cada usuário recebe uma nota formada por uma equação que envolve quatro pilares: configuração, posicionamento, estratégia e relacionamento. “A partir do preenchimento dessas categorias, o LinkedIn atribui uma nota para aquele profissional”, esclarece. A importância dessa nota é que ela coloca o perfil em evidência. “Por exemplo, se um recrutador digita ‘jornalista, Porto Alegre’, os profissionais com melhores notas serão direcionados para ele”, explica. Ela reforça que postar com frequência, interagir com os integrantes da sua rede e publicar artigos são exemplos de comportamentos que impulsionam o perfil. Para saber sua nota e como está a sua pontuação em cada pilar, acesse aqui.

Outro ponto importante é compartilhar esse momento de dúvidas com a família ou com pessoas próximas. “A pessoa tem que avaliar com seu cônjuge, com seus pais, se terá reserva financeira enquanto não estiver estabelecida para organizar essa situação com segurança”, reforça.

Neiva percebe que o perfil de profissionais que mais buscam ajuda especializada para ajudar no processo de mudança é de pessoas que ocupam cargo de gerência para cima, em especial nas áreas de tecnologia da informação, logística, comercial, marketing, entre outras.

A engenheira e consultora de carreira Angélica Dalla Rosa acredita que definir um novo objetivo profissional pensando somente no dinheiro ou em se livrar do trabalho atual é um erro comum. “Vejo muita gente fazendo transição de carreira e voltando a ficar insatisfeito porque não parou para pensar que a nova área não estava alinhada com seus objetivos e interesses”, avalia.

Não saber o que quer ou querer muitas coisas

Desejar novas perspectivas nem sempre significa que se saiba qual é o novo caminho que se pretende seguir. A vontade de mudar nem sempre vem acompanhada de uma certeza e por isso se torna fundamental compreender bem o que está se passando naquele momento em que tudo parece nebuloso.

Existe um perfil de pessoas que são as multipotenciais, as quais têm muitos talentos diferentes, gostam e conseguem explorar diversas áreas. “Essas pessoas podem atuar em diferentes frentes de trabalho, posições e atividades simultaneamente”, explica Angélica Dalla Rosa. Ela ressalta que o único cuidado que esse grupo deve ter é com a sua gestão de tempo, tendo claro quais projetos da sua carreira são prioridades e em quais momentos irá se dedicar para cada um deles.

Neiva Gonçalves dá uma dica simples, mas que pode ser muito útil. “Fazer trabalho voluntário na área em que se pensa que tem afinidade”, sugere. Ela explica que ser conselheiro voluntário de uma empresa pode ser um caminho para mostrar o trabalho no local e fazer uma autoavaliação de como é desempenhar aquela função.

A psicóloga Rita Luedke diz que essa situação lembra o livro “Alice no País das Maravilhas”, clássico infantil que conta a história de uma menina curiosa que segue um coelho branco de colete e relógio e que mergulha sem pensar na sua toca, sendo projetada para um novo mundo, repleto de animais e objetos antropomórficos, que falam e se comportam como seres humanos. Rita se refere especificamente ao episódio em que ela pergunta ao gato qual caminho deve seguir e ele responde, que depende de onde ela quer chegar. “Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve”, afirma Rita.

A psicóloga também enfatiza que se tenha consciência das suas prioridades e relata que escuta muito “isto é prioridade, aquilo é prioridade e aquele outro também é” dos seus pacientes e ressalta que não tem como viver assim. “Quem tem inúmeras prioridades, não tem nenhuma”, afirma. Ela destaca a importância de buscar auxílio de quem possa ajudar a ir organizando as demandas e sentimentos e de conviver com pessoas e situações que façam bem e transmitam segurança.

O psicólogo Ricardo Werner Sebastiani entende que esse momento de ressignificação pode ser acompanhado de orientação profissional. “A psicoterapia não trata apenas de doenças mentais, ela é uma oportunidade para colocar a vida em uma cena reflexiva e decodificar nossas emoções e sentimentos”, elucida.

Para quem quer mudar

O que fazer:

  • Conhecer a si mesmo;
  • Perguntar-se sobre o que deseja;
  • Saber quais habilidades você tem e precisa ter; 
  • Projetar como você se vê daqui a cinco anos;
  • Investir no networking e no LinkedIn;
  • Estruturar o plano de ação e começar a agir (currículo atrativo, com no máximo duas páginas, bem escrito e que inclua, além da expertise profissional, resultados, trabalhos voluntários feitos, definição de posicionamento).
  • Pesquisar sobre o novo mercado de atuação e fazer “tests-drives” para entender se essa nova área é para você;

O que não fazer

  • Não tomar atitudes precipitadas e sem dialogar com as pessoas com as quais você convive; 
  • Jamais falar mal da antiga empresa ou do antigo chefe em uma entrevista. O recrutador pode conhecê-lo e isso pode ser constrangedor e você perder a vaga; 
  • Evitar de postar nas redes sociais frases ou memes como “odeio segunda-feira” e “odeio acordar cedo”, afinal, a pessoa está procurando um emprego e essa manifestação pode ser prejudicial; 
  • Considerar uma visão otimista ou pessimista demais também são fatores em que o profissional precisa ter cuidado.


Eles mudaram

Mudar não é tarefa fácil e nem sempre é possível no momento em que se quer. Na história dos profissionais a seguir, é possível notar que a transição não foi abrupta, mas planejada e executada com segurança.

Em transição para a literatura

Alexandre Beluco é formado em engenharia civil e mestre e doutor em engenharia mecânica, mas a paixão pelas letras fez com que lançasse um livro na mais recente Feira do Livro de Porto Alegre. Foto: Miguel Costa / Divulgação / CP 

O que a área da engenharia e um livro de crônicas têm em comum? Quem pode responder é o professor do Instituto de Pesquisa Hidráulica da Ufrgs Alexandre Beluco, de 51 anos. Embora tenha optado pela área das exatas, ele é formado em engenharia civil e mestre e doutor em engenharia mecânica, a paixão pelo universo das letras sempre o acompanhou. Foi durante a pandemia, com o isolamento e os deslocamentos reduzidos, que ele decidiu dar espaço para o gosto pela escrita: fez a inscrição em um curso para novos escritores. A iniciativa potencializou um desejo que estava adormecido e que começou a tomar forma. Resultado: o lançamento do livro “Energias renováveis, velharias clássicas e uma certa obsessão positiva”, na Feira do Livro de Porto Alegre deste ano.

Com 39 crônicas, o livro aborda a área em que Beluco trabalha há 25 anos, que é o progresso tecnológico. “Falo de energias renováveis, de engenharia, do cotidiano da área como uma tentativa de falar com um público mais amplo, de literatura”, enfatiza.

O escritor, que já tinha muito material escrito produzido, considera que está em fase de transição. Ele vai seguir dando aulas até a aposentadoria, que ainda está indefinida, mas já projeta a literatura para o futuro porque se sente identificado com esse caminho. “Tenho um plano de publicar dois livros por ano até completar dez livros de crônicas e depois partir para a ficção”, adianta. O livro é da editora Metamorfose e está disponível na versão impressa. As vendas, segundo ele, estão boas para um escritor iniciante, que vai adotar o nome Alexandre F. Beluco como escritor. “Vai ter nova impressão em dezembro”, comemora.

O gerente que apostou no próprio negócio

Com 18 anos de experiência na área administrativa e após perder o emprego durante a pandemia, Rodrigo Menna Barreto Oliveira decidiu que iria investir em um negócio próprio. Foto: Mauro Schaefer

Com 18 anos de experiência na área administrativa, sendo 14 anos dedicados ao setor automotivo, Rodrigo Menna Barreto Oliveira, 35 anos, atuava havia sete anos em um grupo empresarial do segmento. Nos últimos três anos, estava na função de gerente e tinha um alto salário. O cenário de crise potencializado pela pandemia fez com que a empresa reduzisse gastos e desligasse colaboradores. Foi assim que Oliveira perdeu o emprego. Neste momento, decidiu contratar ajuda especializada para traçar uma nova rota. “Fizemos um projeto onde identificamos oportunidades e riscos e trabalhamos para estruturar um negócio com resultados tranquilos, o que deu certo e já temos resultados superiores.” Ser dono do próprio negócio não estava nos planos do empreendedor, que é graduado em administração, mas aos poucos foi percebendo que esse seria o melhor destino para aplicar o valor recebido na sua rescisão. “A percepção de que antes fazia todo um esforço para receber um percentual e hoje eu recebo 100% foi muito decisivo para mim, fora a questão da autonomia e flexibilidade de horários”, relata.

Assim, o gestor e a esposa montaram uma empresa de personalizados e aluguel de brinquedos infantis, em um espaço na própria casa. No auge da pandemia, ele fabricou muitas máscaras e inovou nas festas infantis. “Alugo brinquedos para as crianças comemorarem os aniversários em casa, já que não podia ter eventos sociais”, recorda. Além do planejamento construído por meio da mentoria profissional, a formação e a experiência em administração foram fundamentais para o negócio prosperar. “É claro que tive receio, mas hoje estou muito satisfeito com a decisão que tomei”, afirma.

A volta ao mundo corporativo

Silvia Veridiane Henriques Munhoz trabalhava havia 14 anos em uma multinacional quando quis abrir seu próprio negócio. Porém, a experiência a fez perceber que sentia falta do mundo corporativo, para onde acabou voltando. Foto: Murilo Munhos / Divulgação / CP

A paulista Silvia Veridiane Henriques Munhoz trabalhou 14 anos no setor de logística de uma multinacional. Ela entrou como analista e estava na função de gerente financeira quando decidiu dar vazão ao desejo de ser dona do próprio negócio e se preparar para essa realização. Deixou a carreira consolidada e investiu na franquia de um restaurante e delivery de comida chinesa em parceria com o marido. No início, a motivação estava alta. Com o tempo, a falta do trabalho em equipe, do estabelecimento de metas para cumprir e do ambiente corporativo começou a fazer falta. “Eu não me adaptei ao comércio, se tornou algo não prazeroso para mim”, relata. Silvia percebeu que a ideia que tinha concebido sobre empreender não correspondia à realidade. “Sou competitiva e o mundo corporativo, com equipe, metas, é muito mais atrativo para mim.” No entanto, nesse momento, a profissional, que é formada em administração, se sentiu perdida e decidiu buscar ajuda profissional para fazer uma recolocação. “Vim de uma carreira onde trabalhei por 14 anos, não sabia como fazer um currículo, como se portar em uma entrevista e busquei ajuda profissional nesse sentido.”

O investimento deu certo. Em seis meses, Silvia estava recolocada em uma empresa nacional. Começou como coordenadora e logo ascendeu para gerente financeira, atingindo o objetivo que tinha determinado para o seu retorno. “Durante os três anos em que tive o restaurante, nunca deixei de me qualificar”, explica, contando que tem um MBA em controladoria e está concluindo outro em gestão executiva financeira. Com essa experiência, Silvia voltou com “senso de dono”, sentimento que pode ser descrito como a sensação de estar no seu lugar. Mesmo assim, ela aconselha as pessoas a fazerem um planejamento e tentar. “Eu só descobri que o mundo não era o meu, quando eu tentei”, confessa.

A jornalista que virou eletricista

Para mudar de carreira, a preparação é fundamental. Aline conta que a terapia foi importante para se conhecer e decidir quais caminhos iria seguir. Foto: Guilherme Almeida

De 2008 a 2014, Aline Simões Trindade, 36 anos, trabalhou como jornalista, passando por veículos de comunicação como rádio, jornal impresso, site e assessoria de imprensa. Durante esses anos, foi percebendo que estava insatisfeita com a profissão e com o mercado. “Eu fiz uma escolha precoce, ainda na infância, mas nunca refleti de fato se era isso que eu queria”, explica. A necessidade de mudança foi ficando mais clara. “Eu estava investindo em algo que não tinha nada a ver comigo”, constatou.

O discernimento foi sendo conduzido com ajuda da terapia. “Começamos a direcionar o tratamento para essa questão”, conta. Foi aí que percebeu que gostava de trabalhos manuais, detalhados. “Eu não decidi de primeira pela elétrica, antes pensei na hidráulica, massoterapia, pintora”, lembra. Mas foi um problema de elétrica na própria casa que deu a resposta procurada. “Chamei um eletricista e ele disse que tinha que trocar tudo e eu não gostei da resposta”, disse. Aline foi pesquisar na Internet e descobriu que o seu problema era algo simples, o qual ela mesma resolveu. Os estudos sobre a área despertaram o interesse e ela se matriculou no curso básico do Senai. “Eu me apaixonei e decidi estudar mais para trabalhar com mais segurança, o que me fez fazer o curso técnico na Escola Técnica Estadual Parobé”, conta.

Desde 2015, ela atua na nova profissão. A transição de carreira foi tranquila porque ela já estava em terapia, base que ela considera fundamental, e tinha reserva financeira. “Eu me preparei para não passar dificuldades”, explica.

Arrependimento é uma palavra que não encontra morada no sentimento da eletricista. “Correspondeu à minha expectativa porque vejo como uma troca, eu entrego e recebo satisfação ao resolver o problema do cliente com diálogo, entendimento, sem querer cobrar caro, mudar tudo, mas de forma justa para ambos”, avalia. Hoje, ela resolve de uma troca de tomada até projetos de fiação de uma casa.

Mais difícil que a transição, é ser mulher em uma profissão composta majoritariamente por homens. “Passei e passo por situações em que ser uma mulher jovem trabalhando com elétrica não passa credibilidade, chegando ao extremo de não me deixarem acessar o relógio de um prédio por ser mulher”, relata. Aline acrescenta que essa reação também ocorre de forma sutil como, por exemplo, quando conta a profissão, ouve como resposta comentários como “mulher, eletricista?”. Mas Aline não se intimida e segue firme, feliz e orgulhosa da sua profissão.

Ex-bancário criou marca de roupas femininas

Ele é o segundo dos seis filhos de um casal de agricultores de Três Passos, cidade do interior gaúcho. O pai, que plantava milho e soja e tinha uma granja de suínos, era ativo e atuante como líder comunitário. “Era procurado para resolver os problemas das pessoas próximas.” A mãe, embora não fosse profissional, era costureira de mão cheia. “Desde pequeno via minha mãe e as tias fazendo as roupas da família para festas da comunidade, da igreja, batizados, casamentos, aniversários, eventos que aconteciam com certa regularidade e para os quais toda família era convidada.” O burburinho na hora de tirar medidas, a textura dos tecidos e a movimentação e euforia em torno dos modelos povoam as lembranças mais fortes de infância. Na cabeça do menino de 5 anos, ele também tinha que exercer uma função naquela dinâmica: começou a fabricar pequenos brinquedos. “Montava carrinhos em cima dos carretéis de madeira das linhas que minha mãe usava na costura.” As recordações não estão apenas no sentimento, mas também nas cicatrizes presentes nos dedos das mãos, que muitas vezes foram cortados enquanto fabricava os próprios brinquedos.

Essa é a história de Alcides Debus, 66 anos, fundador de uma marca de roupas que nasceu em 1987 e hoje tem 25 lojas no Rio Grande do Sul, um e-commerce e mais três franquias, inclusive em Natal, no Rio Grande do Norte. Embora pareça que Debus tinha consciência de sua aptidão para o ramo da moda, ele trilhou outro caminho antes de criar a marca.

Ex-bancário concursado, Alcides Debus é fundador de uma marca de roupas femininas e tem uma rede com 25 lojas no Rio Grande do Sul, além de e-commerce e mais três franquias. Foto: Guilherme Almeida

Aos 12 anos, decidiu que queria estudar no colégio interno, na cidade de Três de Maio. “Fiquei dos 13 aos 17 anos estudando três turnos por dia”, conta. Aos 18 anos, fez um concurso público para a CEEE, onde ficou por três anos. Aos 21 anos, a possibilidade de ser escriturário da Caixa Econômica Federal fez com que Debus enfrentasse novo certame público. Mais uma vez foi aprovado, no mesmo ano em que passou no vestibular para o curso de Administração com habilitação no Comércio Exterior. “Neste ano, 1977, vim para Porto Alegre”, relembra.

Trabalhar no banco despertou seu “DNA para moda”. Neste ambiente, notou que as colegas não tinham muitas opções para se vestirem com elegância para aquela época e espaço. “Um dia, uma colega foi mandada para casa para trocar de blusa porque o chefe e alguns colegas acharam que ela estava vestida de forma inadequada, fato que despertou várias ideias dentro de mim”, revela. Debus começou a fazer roupas e levar para a agência. “Todas as vezes voltava com a sacola vazia e vários cheques no bolso”, relembra, contando que foi assim que percebeu que tinha certa facilidade para criar e desenvolver modelos.

Ele conta que a transição de carreira durou dez anos. Quando optou por se tornar empreendedor, já tinha duas lojas, cuidadas pela ex-esposa, com quem teve quatro filhas (ele é pai de seis filhos, dois deles são gêmeos do atual relacionamento). No momento em que decidiu abandonar a estabilidade financeira e a progressão de carreira, sentiu receio, mas não o suficiente para que permanecesse na atividade. “Apesar de ter um certo medo, eu tinha muita segurança do que estava fazendo, tinha planejado isso, não foi de uma hora para outra”, relembra.

A busca pela qualificação é constante e a vontade de ampliar o conhecimento é quase uma obstinação. “Estou sempre fazendo cursos, pesquisando na Internet e viajando para aprender sempre mais”, disse. De todas as funções, a que causa brilho nos olhos é desenhar e produzir os modelos. “Participo de todo processo, mas o que eu gosto mesmo de fazer é de criar as roupas”, salienta o empresário, que já foi presidente da Câmara dos Dirigentes e Lojistas e condecorado com a Medalha Mérito Farroupilha. Como bom empreendedor, o futuro já está planejado. “Abrir para mais franquias e investir na licença da marca”, projeta.

A reportagem especial sobre mudança de carreira, entrevistamos a psicóloga da Secretaria Estadual de Saúde do RS, colaboradora da Comissão da Psicologia Organizacional e do Trabalho (CPOT) do Conselho Regional de Psicologia (CRPRS) e consultora organizacional. Utilizamos alguns trechos dessa entrevista, que está completa para ajudar no melhor entendimento dessa questão. 

CP - Quais sintomas psicológicos são mais comuns e indicam que a pessoa está insatisfeita com o trabalho?

Rita - Depende de cada pessoa e do quanto ela se conhece, como se percebe no contexto em que vive. Irá identificar essa insatisfação como algo pontual ou algo generalizado? O “sinal de alerta” mais comumente reconhecido é o desconforto, embora nem sempre ele seja percebido assim: por vezes é uma situação que chateia, noutras é o percurso que passou a ser difícil (quando antes não o era), o salário, a desmotivação quanto a realizar o que se propõe a fazer, a valorização que deveria ter ocorrido e não aconteceu, enfim… várias ações que poderiam/deveriam ter sido feitas, seja pela pessoa, seja colegas/chefias/mercado, mas que não ocorreram (ou, se existiram, não obtiveram o resultado desejado e, por consequência, não “geraram” o sentimento” que era esperado ou desejado na pessoa). Gera frustração e a frustração gera insatisfação.

Aqui é importante termos claro que nem sempre a insatisfação está apenas no trabalho – às vezes é consigo próprio e também com seu desempenho profissional, por consequência. Por vezes,há outras questões envolvidas, como por exemplo: conflitos familiares e/ou financeiros, que independem do trabalho propriamente dito, mas dependem de uma melhor organização dos recursos financeiros oriundos dele.

Os sinais de insatisfação podem manifestar-se de inúmeras formas: alterações de humor, irritabilidade constante, pouca paciência, alteração no sono (muito/pouco/sonhos/ insônia), alteração no apetite (muito/pouco), baixa tolerância à frustração nos mais variados momentos (pessoas explosivas por alguma situação que não justifique esta atitude), automedicação como forma de se manter “bem”, álcool com frequência (seja para “aguentar” as demandas seja para “relaxar” um pouco), uso frequente de drogas (principalmente para se manter focado, ligado, produtivo), oscilações nos relacionamentos pessoais, alteração da libido, isolamento, tristeza e tantos outros que nem sempre identificamos como associados ao significado do momento de vida daquela pessoa. Certamente que os sinais acima não necessariamente estão associados à insatisfação profissional: faz-se necessário que se avalie, profissionalmente, caso a caso para que possamos validar o “nexo causal” (fatores que causam algo e o efeito naquela pessoa) no contexto atual.

CP - Como agir para evitar que o estado emocional se agrave e interfira nas escolhas?

Rita - Buscar identificar ao máximo o que está ocorrendo e ser muito honesto consigo mesmo. Talvez você não goste da resposta, mas precisa obtê-la para decidir o que fazer com ela. Falo aqui de autoconhecimento e isso inclui situar-se realmente no aqui e agora, suas responsabilidades, seus papéis, se você gosta do que se tornou ou se não está satisfeito com você. Uma conversa franca consigo mesmo é fundamental aqui. Conecte-se com seu eu; este é um exercício que só você pode fazer. E não há problema algum em perguntar a opinião de pessoas que te cercam, desde que você considere as respostas e não as use para se justificar. A visão que os outros têm de nós muitas vezes nos surpreende, desaloja, nos tira da zona de conforto, concorda? Então, tentamos explicar que o outro está equivocado, ao invés de tentarmos identificar, em nós, o que fizemos para o outro pensar/sentir assim, não é mesmo? Na maior parte das vezes é assim e não há problemas, desde que você respeite o outro e a si próprio.

Outra alternativa é buscar profissionais que possam te auxiliar a lidar com as próprias emoções e os efeitos delas em você e nos seus relacionamentos, inclusive profissionais. Quanto mais você postergar a decisão rumo ao autoconhecimento, mais você vai andar por aí, encaixando-se em situações que podem parecer escolhas suas, mas que nada mais são do que, realmente, falta de opção. E quem foi que te colocou nesta situação? Você!

CP - O que provoca no estado psíquico se manter em um trabalho o qual não se quer mais ficar?

Rita - Veja bem, quando se fala em “um trabalho que não se quer mais ficar” eu entendo que por vezes, o significado daquele trabalho vai muito além. Há pessoas para as quais trabalhar é prioridade de vida, não conseguem se ver sem trabalho, não acreditam que possam existir sem trabalhar – e isto não tem a ver só com o salário. Tem muito mais a ver com o significado de estar trabalhando naquele lugar, naquela função, estar ativo no mercado, no status que isto traz, do que propriamente no que significa em termos de gratificação. Por exemplo: “como posso não querer estar aqui, trabalhando, quando….” (e por aí seguem inúmeras justificativas que sustentam um profissional estar em um trabalho que não quer mais ficar, mas que se vê tão parte de si que nem consegue se imaginar diferente). Ou “veja onde cheguei, tudo o que tive que aguentar para chegar aqui, tanto que abri mão … e que agora olho para trás e vejo que faria muito diferente, mas... como vou dizer isto? Serei julgado e criticado. Não, melhor continuar aqui que é conhecido e sei como lidar”. Não estamos aqui para definir o que é certo ou errado e sim para dizer que você não está sozinho e que talvez não estejamos falando só do significado do seu trabalho para você, mas principalmente para esta imagem que você criou para si e para quem te cerca – imagem que você se encarregou de manter, custe o que custar, certo?

Por outro lado, há aqueles que acreditam que uma pessoa não fica, de fato, onde não quer mais ficar. Se ela está ali, é porque ainda quer, ainda acredita que pode mudar, que algo pode acontecer para melhorar. Veja bem: a questão aqui volta a centrar-se na pessoa: falamos em ela querer mudar de atividade/tarefa (fazer outras atividades) ou em mudar o trabalho em si (gostaria de continuar no local, na atividade, mas que algumas coisas lá mudassem)? Porque dependendo da resposta, muda tudo. Se ela quer ousar, tentar coisas novas, desafiar-se, a motivação toma a frente. A energia impera. Não há dificuldades (pelo menos a pessoa, inicialmente, não as identifica). Seu sentimento é de conquistas. Por outro lado, se deseja que o trabalho onde está mude, percebe-se como passiva, incapaz de gerar movimento, descrente, delega ao externo a responsabilidade por sua motivação ser reativada novamente, desvalorizada em seu saber e em seu fazer. Novamente não há certo ou errado, e sim formas de perceber as relações que se estabelecem entre ser humano e seu trabalho, nos mais variados momentos de vida.

E, em outros tantos momentos, onde a pessoa realmente não quer estar mais ali e necessita por outros tantos fatores externos, identificamos constrangimento, sentimentos de evitação quanto à participação em atividades grupais (busca por situações de isolamento ou atividades individuais), desgaste nas relações (inclusive na relação consigo mesmo), desmotivação quanto a ir ao trabalho ( e também de voltar para casa), situações de evitação em relação a expor sua opinião nas mais variadas situações cotidianas – e isto literalmente “consome o ser humano” visto ocorrer a desvalorização de si próprio, descrença na própria capacidade de inovar/propor algo, despersonalização, medo, tristeza, depressão.

CP - Como conter as emoções quando não é possível mudar, pelo menos naquele momento?

Rita - Dar-se conta do que está ocorrendo aqui e agora. E ter claro que não é somente sobre você e sim vai além de você: é um processo. Nem sempre as coisas acontecem como, onde e quando queremos não é verdade?

No decorrer do nosso crescimento enquanto ser humano, quantas vezes levamos “nãos” das pessoas e da vida, seja de forma verbal ou não verbal? Inúmeras, concorda? E cá estamos, continuamos andando, com inúmeras frustrações nesta história, mas com muitos risos e boas lembranças também.

Embora muitas situações não pareçam mudar, a forma como cada um de nós as encara e/ou vivencia é diferente. E talvez o desafio esteja em descobrir novas oportunidades na situação atual, que inicialmente parecia limitadora do seu desejo de mudança, mas pode ser um estímulo e tanto à sua criatividade ou até mesmo reforçar ainda mais sua decisão de que você não quer alongar esta relação “mais do que o necessário”.

Ao refletir sobre a realidade, tanto de forma individual quanto coletivamente, a compreensão sobre os efeitos da atual situação são ampliados (e alguns de nós talvez percebam coisas “óbvias”, que estavam ali, mas somente agora se tornaram “visíveis”), a capacidade de enfrentamento por consequência também-se amplia de forma significativa e surgem novas opções para que sejam atenuados os efeitos momentâneos, em nossas vidas.

CP - O que é a síndrome de burnout?

Rita - Conforme o Manual de procedimentos para os serviços de saúde: doenças relacionadas ao trabalho, do Ministério da Saúde, 2001, a sensação de estar acabado ou a síndrome do esgotamento profissional é uma resposta longa do organismo a fatores que o estressam (tanto emocionais como interpessoais) no trabalho. As relações humanas (incluindo a ausência delas) é fator de muita relevância no contexto laboral, não há como negar isto. Trabalhamos com colegas, fornecedores, clientes/pacientes e tudo o que estes relacionamentos trazem consigo, então ao não perceber sentido ou haver sobrecarga nestas relações, ocorre o automatismo e não percepção (por vezes entendido como desinteresse) em relação ao seu fazer, tanto na tarefa em si quanto no impacto desta. O julgamento fica comprometido, não intencionalmente e sim pela pessoa não ter condição nenhuma nem de cuidar de si próprio, quanto mais de dar conta de suas responsabilidades laborais, percebe? Não há “razão e nem significado”, e assim ocorre o esvaziamento do sentido daquilo que se faz, como uma “queima”, uma redução a cinzas, daquilo que um dia se foi e/ou fez algum sentido. Entretanto a vida segue, e este profissional sequer percebe isto… não por opção, mas sim porque também precisa de ajuda, e imediata.

Na maior parte das vezes, burnout está associado a estresse laboral, entretanto a recíproca não é verdadeira.

A literatura científica nos traz informações preciosas sobre epidemiologia e fatores de risco de natureza ocupacional conhecidos como potencializadores em relação ao esgotamento profissional. Por outro lado, cotidianamente escutamos muitas pessoas usando o “eu estou com burnout”, “fulana está com burnout” de forma equivocada. As questões de “autodiagnóstico pelo google” não são estimuladas e nem validadas na prática, visto cada pessoa ter uma história de vida e constatarmos que no ambiente laboral, situações que impactam de uma forma em um indivíduo podem impactar de forma totalmente diferente em outro. A síndrome de burnout é reconhecida pelo Código Internacional de Doenças (CID) 10 com o código Z73.0 e existem pré-requisitos para que um indivíduo seja diagnosticado com esta doença. Sim, trata-se de uma doença, logo, pressupõe necessidade de avaliação multidisciplinar e tratamento personalizado adequado (que inclui psicoterapia, tratamento farmacológico prescrito e monitorado bem como intervenções psicossociais).

Ainda, importante destacar neste momento que o diagnóstico de burnout a um trabalhador não diz respeito apenas a ele, mas também ao seu contexto pessoal e profissional – focando neste último, deve sinalizar à organização uma investigação da situação de trabalho onde possa atuar de modo corretivo e/ou preventivo em relação aos seus trabalhadores, focando na organização e significado do trabalho em si, para aqueles que dela fazem parte .

CP - Quais dicas para manter o controle emocional?

Rita - Controle emocional é algo muito pessoal, nem sempre o que gera bom resultado para uma pessoa, o fará para outras. Neste quesito, respeito consigo mesmo e com suas crenças são fundamentais, independente da validade alheia. Por exemplo: uma pessoa prefere meditar antes do enfrentamento de situações que lhe parecem ameaçadoras, outra pessoa acredita que orar lhe trará forças e segurança de que não está só naquele momento, e outra ainda pode ter certeza de que o controle da respiração trará os sentimentos de que tanto necessita. Tecnicamente, enquanto profissional da área da Psicologia, tendo a reforçar que a questão do autoconhecimento é fundamental aqui: conhecer e aceitar seus pontos de fragilidade, fazem parte de seu desenvolvimento, da sua trajetória. Ninguém é forte, correto, perfeito o tempo todo. Não se exija demais. Se reconheça como sendo você mesmo e, se precisar de ajuda, saiba onde buscar (ter uma rede de apoio é de muita importância para se sentir seguro, aceito, cuidado. Se você ainda não tem, identifique/construa a sua, com brevidade).

CP - Como fazer essa mudança estando em “paz”?

Rita - Entender que autoconhecimento e automonitoramento fazem parte do processo. Isso não quer dizer que você precisa se robotizar, mas sim,reconhecer que fez e fará erros e acertos, tomou decisões que te trouxeram tristezas e alegrias, arrependeu-se e aplaudiu-se em muitas decisões e cá está. Você fez o melhor que podia naquele momento, com os recursos que tinha. Você é humano e vai continuar sendo. E é aí que está seu valor: na sua trajetória de vida e isto não inclui só o seu profissional, mas você por inteiro. Entenda que você é muito mais do que suas atividades e suas responsabilidades profissionais.

Em muitas situações no trabalho, o virtual permite que fisicamente você possa estar onde quiser estar, em qualquer lugar do mundo; em outras situações se faz imprescindível estar presencial, e está tudo bem. Nenhuma é mais ou menos, são diferentes e ambas importantes. O desafio aqui é internamente: você esteja onde deseja estar também, aí dentro, dentro de você! Porque você não estará “em paz”, estando em um lugar e querendo estar em outro.

Novamente trago a importância de reavaliar as prioridades e as suas bases de vida: se isto estiver conectado, você está em paz para a mudança.

CP - Como saber a hora certa de mudar?

Rita - A hora em que ir faz mais sentido do que ficar. E isto é uma decisão muito particular, depende de cada pessoa e de seu momento de vida. Não é simples e sim muito complexo, há repercussões com certeza e são estas repercussões que na maior parte das vezes, interferem na decisão. Acredite!

Fundamental considerar que o caminho pode te trazer surpresas, desafios, gratificações e frustrações, mas que você está disposto a ousar, se experienciar. Não tem receita de bolo. Às vezes ocorrem opções: você escolhe ou é escolhido, seja para sair ou ingressar de/em algum lugar; noutras vezes não: você aceita o fluxo, de forma passiva e entende que “a vida é assim”… Novamente aqui o importante não são os elogios ou críticas, e sim, se dar conta do quão conectado cada um está consigo, ou não e, a partir desta constatação, agir.

De forma ampla, as pessoas tendem a ter um bom sentimento onde identificam seus valores reconhecidos ou se reconhecem nos valores que lhe estão sendo apresentados: há conexão, afinidade - por exemplo: trabalhar em sua casa ou mais perto de casa; ter uma jornada de trabalho mais flexível; poder aprender novas atividades e talvez desenvolver habilidades; ter uma nova organização pessoal e familiar e outros tantos.

A forma como as pessoas vão se relacionar com seu novo trabalho e suas perspectivas de futuro profissional, são pessoais, não há como padronizar. E também não nos cabe julgar as opções/necessidades de cada um. Ao optar, não quer dizer que as pessoas vão obter o que desejam, mas quer dizer que estão abertas a experimentar, vivenciar, decidir sobre sua trajetória profissional. Ocorrerão erros e decepções, sim, é fato. Mas faz parte do processo, como teclei anteriormente.

Ser protagonista da sua vida requer considerar que a caminhada tenha subidas e descidas, curvas e retas, e que se deseja trilhar o caminho.

CP - Quando a pessoa não sabe o que quer, o que se aconselha fazer?

Rita - Esta pergunta me lembra Alice no País das Maravilhas quando ela pergunta ao gato qual caminho deve seguir e ele responde: depende de onde você quer chegar. Porque é fato: se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve.

É importante que identifique suas prioridades. Como Psicóloga escuto muito: “isto é prioridade, aquilo é prioridade e aquele outro também é” - simplesmente não tem como viver assim. Quem tem inúmeras prioridades, não tem nenhuma. Então, busque auxílio de quem pode te ajudar a ir organizando as demandas e sentimentos, o “novelo todo enrolado”, de pessoas e situações que te façam bem, que te façam sentir-se seguro, que te permitam se reconectar com o seu “eu” de base – porque ele pode estar bem lá no fundo, mas ele está aí, e você sabe disto.

Outra ação importante é evitar tomar decisões quando a dúvida estiver presente. Certezas podem ser difíceis em muitos momentos, é verdade, mas convém você prestar atenção em si próprio e se reconhecer na sua decisão e nos impactos que ela poderá trazer (tanto a você quanto àqueles que lhe são queridos). Poder contar com pessoas nas quais você confia e ter auxílio profissional qualificado te permitem sentir maior segurança e respaldo nas suas decisões. Tenha claro que os impactos das mudanças podem ser inúmeros, não há como prever – o que podemos fazer é lidar com eles, da melhor forma que nos for possível.

CP - Pessoa com múltiplas habilidades, que não sabe qual caminho seguir, o que é indicado?

Rita - Se falarmos em pessoas superdotadas, sabemos que a rotina geralmente é desmotivadora e o desafio está em mantê-los em um fluxo constante, considerando que em muitos momentos simplesmente este fluxo não faz sentido a eles. Seja no âmbito profissional ou interpessoal. Aqui é importante acompanhamento profissional qualificado, para que sintam-se aceitos e integrantes nos mais variados grupos ao longo da vida, respeitando suas características individuais.

Se falarmos das gerações Y e Z, o enfoque é outro: também não se sujeitam a atividades que não fazem sentido a eles, logo precisam estar realmente envolvidos no fluxo da atividade (de onde vem, o que acontece e para onde vai). Porque o que fazem não é simplesmente “aquilo ali” (se for, não o farão por muito tempo). Pessoas com múltiplas habilidades são curiosas, gostam de desafiar-se e são ousadas, por vezes são inquietas - ansiosas até (não falamos aqui de ansiedade patológica), não gostam de conversas longas horas preferindo a objetividade, são direcionados para a ação. Não estão presas às noções de tempo e espaço e de horários rígidos: seus objetivos os fazem envolverem-se por horas a fio em uma demanda, caso julguem necessário. Ao ter dúvidas sobre qual caminho seguir, buscam optar por situações que tenham afinidade com suas experiências de vida, com seus valores e com aquilo que gostam – veja bem, não se trata de egoísmo e sim de pontos de referência, de identificação, onde o seu “eu” se reconhece e a pessoa se permite ir além, desde que, como dito anteriormente, isto faça sentido para ela).

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895