Multiprodução sedimenta caminho do arrozeiro

Multiprodução sedimenta caminho do arrozeiro

Com relação de troca desfavorável, cultivo de arroz cede espaço para a soja e abre nova fronteira agrícola na Metade Sul do Estado, com crescimento também às lavouras de milho e à integração com a pecuária

Por
Thaise Teixeira

O cultivo do arroz, um dos alimentos mais consumidos na mesa do brasileiro, é atividade que exige conhecimento e empenho por parte do produtor. Sempre demandou dos agricultores flexibilidade e inteligência para que a relação de troca entre a produtividade e a rentabilidade no campo valesse a pena. Ora porque o preço da saca de 50 quilos não cobria o custeio, ora porque sobrava oferta no mercado interno, ora porque entrava grande quantidade de arroz no país via Mercosul, ora por conta de estiagem, ora pelo recrudescimento das exigências ambientais. 

Chegar à excepcional média de 9 mil quilos por hectare, como foi na safra 2020/2021, quando o Rio Grande do Sul contabilizou 945,9 mil hectares plantados com o grão, é consequência do processo de qualificação da lavoura orizícola, o que não tornou menos desafiador superar a produtividade média (ainda não consolidada) de 8,3 mil quilos por hectare projetada para a safra 2021/2022. No ciclo atual, 957 mil hectares do território gaúcho foram ocupados com o plantio, os quais enfrentaram intensa escassez hídrica.

Com a colheita quase finalizada, a cultura espera totalizar um volume produzido de 7,6 milhões de toneladas. A qualidade dos grãos é considerada boa, embora a grande luminosidade e o calor excessivo do verão tenham provocado abortamento de muitas flores, impedindo as plantas de atingir o máximo desempenho. “Temos queda de 10% com relação aos números do ano passado, mas não em todas as regiões produtoras”, relata o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho. Segundo ele, na Fronteira Oeste e na região Central, produtores chegaram a abandonar áreas semeadas em razão das dificuldades de fornecimento de água para os sistemas de irrigação. Na região Sul, Planície Costeira Interna e Planície Costeira Externa, a safra é boa.

Na régua do tempo, também é possível observar que, há dez anos, na safra 2011/2012, a média produtiva do arroz por hectare estava em 7,4 mil quilos, para uma área de 1.043 milhão de hectares plantados. Ou seja, o arrozeiro gaúcho, responsável por mais de 70% da safra brasileira do grão, em uma década, alcançou uma produtividade 12% maior em uma extensão de terra 9% menor, conforme série histórica do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). Entretanto, por condições desfavoráveis de mercado, de cinco anos para cá, o cultivo de arroz vem cedendo espaço para a soja. Segundo levantamento do Irga, da safra 2011/2012 à safra 2020/2021, o aumento do cultivo de soja nas áreas orizícolas é de 205,8%, de 121.166 hectares para 370.594 hectares.

O movimento ganha força e se intensifica mediante à iminente escassez de fertilizantes para a safra 2022/2023 e com a disparada de todos os outros custos de produção. Pesam, ainda, na balança de decisões do setor, as respostas do mercado. Enquanto a saca de 50 quilos do arroz em casca é comercializada por volta de R$ 70,00 no Brasil, a de soja, de 60 quilos, balizada pelo mercado internacional, bate na casa dos R$ 200,00, e a do milho, também de 60 quilos, na dos R$ 100,00. “O custo desta lavoura (arroz) é incompatível com o valor pago pela saca, que está abaixo do custo de produção. Hoje, teríamos de vendê-la, ao menos, por R$ 80,00 para empatar”, explica Velho.

O dirigente já projeta uma diminuição de 100 mil hectares na área plantada com arroz para a próxima safra, recomendação que a Federarroz tem feito nos últimos anos com foco na diversificação de culturas. “Ou o orizicultor torna-se um produtor ‘multissafras’, ou sairá do mercado. Vamos chegar a 800 mil hectares no curto prazo”, sentencia. A mudança deve ocorrer com diferentes intensidades. “Há quem possa dispor de 10% da área para a soja, outros, 50%, e há quem vá desistir de plantar arroz”, exemplifica.

A paulatina migração ou rotação com as lavouras de soja tem mudado as cores dos campos da Metade Sul do Estado. Velho afirma que, atualmente, a região conta com 400 mil hectares de arroz dedicados à soja, número que logo deve chegar a 500 mil hectares. “Dom Pedrito é um grande exemplo. Já plantou arroz e soja em igual quantidade. Em algumas vezes, mais arroz que soja. E, hoje, conta com somente 30 mil hectares plantados com arroz”, ressalta. Outro exemplo, aponta, é Cachoeira do Sul: a capital nacional de arroz, hoje, planta mais soja que arroz. Na conta, entram também municípios como Uruguaiana, Santa Vitória do Palmar, Itaqui, Alegrete, São Borja, Arroio Grande e São Gabriel, que, juntos, respondem por quase metade da produção orizícola gaúcha. 

“O arroz passou a integrar um grande sistema de produção, com soja, milho, forrageiras e gado. Para permanecer no negócio e torná-lo viável, o orizicultor tem de produzir 9 mil quilos ou 10 mil quilos de arroz por hectare”, condiciona o presidente do Irga, Rodrigo Machado. Nesse cenário, a cultura do milho chega com força para integrar o “mix produtivo”. A seu favor, tem a conjuntura de mercado internacional e o déficit na produção estadual e nacional do grão, básico para as cadeias produtivas de proteína animal. “Esses criadores, por vezes, pagam mais caro pelo frete do que pelo próprio milho”, pontua Machado. Por isso, o Irga prepara o lançamento do projeto Milho em Terras Baixas, através do qual estimulará o plantio do cereal já na próxima safra. “As estações experimentais já estão rodando experimentos de milho”, revela a diretora técnica do Irga, Flávia Tomita.

Equilíbrio de mercado vem da exportação

Presidente da Federarroz afirma que comércio internacional do grão é muito importante para o setor, pois cria a referência de preço e diminui a pressão no mercado interno

De acordo com a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federrarroz), de 80% a 85% do arroz em casca produzido no Rio Grande do Sul destinam-se ao mercado interno. A fatia restante vai diretamente para o mercado internacional, estratégia usada pelo arrozeiro para regular os preços na comercialização doméstica. As remessas, resultado da negociação entre agricultores e corretoras, também os auxiliam a enfrentar a concorrência do arroz proveniente do Mercosul. São importações não tributadas, cuja produção utiliza-se de insumos até 50% mais baratos que no Brasil e é realizada sob menores obrigações trabalhistas, além de contar com garantias de preços constantes. “As exportações são muito importantes para o setor, pois criam referência de preço e diminuem a pressão no mercado interno”, explica o presidente da federação, Alexandre Velho. 

Segundo o dirigente, a prova disso ocorreu em 2021, quando orizicultores optaram por aproveitar melhores condições de compra do mercado interno em detrimento das oferecidas pelo externo. “Perdemos muitos negócios porque os produtores preferiram vender o arroz ao mercado doméstico. Porém, o custo foi alto para todos, pois, com maior oferta interna, os preços naturalmente achataram no segundo semestre”, detalha.

Na contramão do rumo tomado no ano anterior, a Federarroz anunciou, na última semana, a exportação de 30 mil toneladas de arroz em casca para o México. A intenção é que, além dessa quantidade, sigam para aquele país mais 60 toneladas do grão, negócio esse que, de acordo com Velho, em breve, deve ser consolidado. A comercialização resultará no embarque de 600 mil sacas de 50 quilos de arroz, negociadas, em média, pelo valor aproximado de R$ 74,00. 

O presidente da Federarroz lembra que o preço equivale ao praticado no Brasil, contando com despesas de frete, Funrural e CDO. No entanto, ao participar da operação, o produtor auxilia na diminuição do estoque de arroz em casca no mercado interno. E, diferentemente do ano anterior, protagoniza um movimento que culmina na possibilidade de reação do preço do grão no segundo semestre.

A ação facilitadora da Federarroz neste processo, enquanto organizadora das operações e catalisadora de negócios com pequenos, médios e grandes produtores de arroz, é a mesma da Associação Brasileira da Indústria de Arroz (Abiarroz) em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) por meio do Projeto Brazilian Rice, dedicado à indústria. A iniciativa promove campanhas de divulgação do arroz beneficiado brasileiro em mercados estratégicos, promove exportações e fortalece a imagem do Brasil como importante player no mercado internacional do grão.

As remessas externas de arroz beneficiado brasileiro tiveram início nos anos 2004 e 2005, naquela época ainda de grãos quebrados. Mas as exportações do grão beneficiado inteiro, branco, integral e parboilizado começaram mesmo a partir de 2012. Desde então, as beneficiadoras acumulam vendas para mais de 100 países, entre eles Canadá, México, Turquia, Estados Unidos, Peru e Venezuela.

Frederico Wolf, de Dom Pedrito, ressalta que um dos vários ganhos econômicos com a rotação de culturas é a menor necessidade da aplicação de agrotóxicos, já que o manejo preserva as qualidades do solo e evita a resistência das plantas daninhas e pragas. Foto: Patrícia Wolf / Divulgação.

De acordo com o diretor de Assuntos Internacionais da Abiarroz, Gustavo Trevisan, a expectativa é de exportar 1,4 milhão de toneladas de arroz beneficiado este ano. A meta supera o saldo de 1,2 milhão de toneladas exportadas pelas indústrias em 2021, mas está 42% aquém dos negócios realizados em 2020, quando o país totalizou 1,85 milhão de toneladas embarcadas, sob os efeitos da pandemia.

A expectativa de redução na comercialização está no cenário internacional, afetado pela guerra entre Rússia e Ucrânia e pelo lockdown na China, que voltou a ter ocorrências de Covid-19. A incerteza deve-se ainda à quebra nas dinâmicas operacionais de várias cadeias produtivas de suprimentos após a pandemia, que encareceram tarifas, estruturas de armazenamento e transporte. “Estávamos mais otimistas, mas vemos muitas dificuldades por conta da alta dos fretes marítimos. Desde o começo do ano passado, os preços (aluguéis) dos contêineres subiram 700% para nossos mercados”, relata Trevisan. Acrescentam-se a isso as oscilações cambiais desfavoráveis, a instabilidade política e a inflação, que registra alta em nível mundial. 

A redução no número de rotas dos navios, prática recorrente desde fevereiro e março do ano passado, frisa Trevisan, encareceu os fretes em até 11 vezes. “Quem consegue esse frete e esses contêineres são os produtos de maior valor agregado. Por exemplo, um quilo de Iphone é mais valorizado que um quilo de arroz”, comenta o executivo, assinalando que a expectativa, dessa forma, é de um segundo semestre preocupante.

Mas enquanto agosto não chega, a ordem é intensificar os negócios. Segundo a Abiarroz, no primeiro trimestre deste ano, as vendas externas de arroz beneficiado aumentaram 73% em relação ao mesmo período do ano passado. “Os destaques foram o quebrado e o arroz com casca”, detalha o executivo. As remessas externas de arroz (base casca) somaram 451,3 mil toneladas no período, mais que o dobro de igual período de 2021, quando foram embarcadas 207,7 mil toneladas, conforme a Abiarroz, com base em dados do Ministério da Economia.

A ação mais recente do Brazilian Rice ocorreu na Sial Canadá este ano, entre os dias 10 e 22 de abril, em Montreal A oportunidade resultou em negócios imediatos avaliados em 80 mil dólares e em outros estimados em mais de 1,6 milhão de dólares, a quatro indústrias brasileiras, nos próximos 12 meses. Entre os mercados alcançados estão Canadá, Estados Unidos, Iraque, Jordânia, Trinidad e Tobago, Arábia Saudita, Costa do Marfim e Índia. 

O resultado foi considerado satisfatório, mas, conforme Trevisan, ainda há muitas barreiras de entrada ao produto beneficiado nacional por conta da concorrência baseada em preço. “São fornecedores que não têm um produto tão seguro quanto o nosso, mas oferecem a tonelada em torno de 400 e 500 dólares enquanto a tonelada FOB Rio Grande está em 650 dólares”, aponta.

Plantio na hora certa é fundamental

Plantar as variedades de sementes adaptadas a cada tipo de solo e a cada região, escalonar as janelas de semeadura e de colheita para fugir das intempéries e usar sementes de ciclo mais longo em regiões mais suscetíveis à estiagem fazem parte da cartilha do Frederico Wolf, que traz o cultivo de arroz na própria história familiar. “Antes de qualquer coisa, temos que aprender a plantar na hora certa, a lidar com o excesso de temperatura, com a umidade. A tecnologia disponível é muito grande, mas, para que seja efetiva, é preciso aprender, antes, a fazer o básico”, recomenda. 

O produtor de arroz, de soja, de milho e pecuarista conta que, com a técnica, alcança a média produtiva de 43 sacas de 60 quilos de soja por hectare, número que chegou a 64 sacas por hectare na safra passada, mas será menor na atual em razão da estiagem. No arroz, sua produtividade está por volta das 190 sacas por hectare. E assegura que, para isso, seu melhor e contínuo investimento está no conhecimento, tanto na contratação de profissionais especializados como na participação de palestras, eventos, lançamentos de produtos e reuniões com produtores. 

“A tecnologia de máquina nos permitiu plantar uma área muito maior, mas no momento certo. Hoje, não plantamos um hectare a mais se o trator não tiver piloto automático para evitar transpasse, para não ter furo no solo e para o plantio ocorrer mais rápido. Mas na janela de tempo ideal”, completa.

Integração de arroz e soja reforça a rentabilidade

Propriedade de Dom Pedrito é exemplo na aplicação das novas estratégias que passaram a fazer parte da cultura orizícola, utilizando a rotação com a soja e, em breve, com a implantação de milho

Como o referido pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), a realidade da cultura do arroz indica para a transformação da matriz produtiva das propriedades. Na região de Dom Pedrito, na Campanha, é base das palavras do agropecuarista Frederico Wolf, da Wolf Agricultura e Pecuária. O produtor buscou rentabilizar a lavoura de arroz consorciada com a soja desde que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou a primeira variedade de soja transgênica no Brasil, ainda nos idos de 1998. Mas foi nos últimos cinco anos que passou a ceder mais espaço à oleaginosa, assim como a grande maioria dos orizicultores da região. 

Wolf, que trabalhava, há pouco tempo, com base na proporção de 1 mil hectares de arroz para 3 mil hectares de soja, atualmente, produz 1,5 mil hectares de arroz para 5 mil hectares de soja. Com faturamento das suas sete unidades produtivas distribuído entre soja (60%), arroz (30%) e pecuária (20%), vai intensificar a plantação de milho a partir deste ano. “A lavoura de arroz só existe em nossa região porque temos a soja. Ainda não temos expertise para milho e para a soja irrigada, mas é um passo que vamos ter que dar mais cedo ou mais tarde”, afirma.

Além de a comercialização das commodities ser balizada pelo mercado internacional e, com isso, oferecer mais segurança e rentabilidade ao negócio, Wolf explica que a lavoura de soja rotacionada com a de arroz diminui suas despesas com defensivos agrícolas. O manejo evita a resistência das plantas daninhas, de doenças e de pragas aos agroquímicos. Além disso, melhora a qualidade do solo, interferindo na produtividade. “O arroz é uma cultura que dá resultados. Não podemos negar. Mas, em rotação com a soja, fica ainda melhor, além de ser uma cultura garantida por conta da irrigação”, lembra.

Wolf avalia que a melhor estratégia de negócio é distribuir os vários cultivos de acordo com a aptidão e as condições microclimáticas de cada região. O produtor plantava soja e arroz em tudo, mas, hoje, está mais consciente, plantando em áreas específicas. “O cultivo de arroz irrigado é muito dispendioso, precisa estar próximo a uma fonte de água, ser desenvolvido em áreas mais úmidas”, diz. No caso da soja, o produtor pontua que a terra pode ser mais desgastada e ter maior índice de invasoras. “E, quando não se pode implantar a soja nas áreas de várzeas ou arriscadas a enchente, se faz rotação com a pecuária”, indica. Sua criação de 13 mil cabeças de gado, tanto de genética como comercial, foi destinada à propriedade que não está apta a outros cultivos. “Temos pecuária em regiões não agricultáveis, onde há campos de pedra e o solo é muito raso. Afinal, a pecuária é mais uma atividade, agrega mais renda”, enumera.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895