Na busca pelo extermínio do capim-annoni

Na busca pelo extermínio do capim-annoni

Terrenos do Rio Grande do Sul são férteis para a planta invasora, que pode causar perdas de até 50% da produção animal potencial e que é considerada por pesquisadores como um problema difícil de combater

Entre os métodos para diminuir a incidência da praga vegetal, está o controle seletivo com a máquina Campo Limpo

Por
Camila Pessôa*

Uma preocupação recorrente entre os criadores gaúchos no outono e no inverno é a perda de peso dos bovinos por conta do consumo de capim-annoni. Essas são estações em que a planta dura, resistente, adaptável e difícil de arrancar se sobressai às pastagens nativas, consumidas primeiro por preferência do gado. Muito fibroso e pouco proteico, o capim tradicionalmente causa má alimentação, o que se agrava nas estações mais frias, quando o porte dele fica menor e a textura mais seca.

A gramínea é nativa de terras africanas e foi trazida ao Brasil na década de 1950, de acordo com a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul Fabiane Lamego. Por ter se adaptado bem ao clima do Sul, a planta é encontrada em regiões do Rio Grande do Sul até o Paraná. “No início, quando foi trazida, ela foi vista como uma oportunidade de nova forrageira porque tem uma boa resistência à seca”, explica Fabiane. “A gente vê nessas épocas de estiagem, no campo nativo principalmente. Todas essas espécies ‘boas’, que foram aproveitadas pelos animais, já morreram, já estão muito debilitadas, e o capim-annoni ainda está ali se desenvolvendo”, comenta. 

Em meados do século 20, o otimismo em relação ao capim-annoni foi tanto que a planta foi levada a feiras agropecuárias e teve suas sementes comercializadas entre os agricultores por quase duas décadas. Em 1979, estudos mostraram que se tratava de uma espécie invasora e com baixa qualidade como alimentação animal, o que resultou na proibição de sua venda, recorda Naylor Perez, pesquisador da Embrapa Pecuária Sul. 

A Região Sul do Brasil, conforme Perez, é propícia ao desenvolvimento da planta. Como ela é originária de lugares com menor fertilidade e disponibilidade de água, encontra ambiente favorável em temperaturas que oscilam no inverno e chuva em todos os meses do ano. A dessecação do campo nativo por produtores também favorece o crescimento da gramínea que pode causar perdas de quase 50% da produção animal potencial.

Foi com o objetivo de encontrar práticas verdadeiramente eficazes no combate ao capim-annoni que a Embrapa criou o Método Integrado de Recuperação de Pastagens (Mirapasto), o qual consiste em eliminar as plantas adultas e fortalecer as pastagens, nativas ou cultivadas, para que exista uma competição que evite a infestação com a praga vegetal. Esse método vem sendo aplicado no Brasil e no Uruguai, país que intensifica os trabalhos de prevenção ao capim-annoni e com o qual a empresa brasileira desenvolveu parceria. “Atualmente a atividade pecuária tem sido pressionada pela agricultura, o que faz com que o pecuarista procure investir mais em tecnologia para ter um rendimento compatível”, explica Perez.

Uma das etapas do Mirapasto é eliminar as plantas que estão causando a proliferação. Como não existe herbicida seletivo capaz de eliminar o capim-annoni, a Embrapa desenvolveu a máquina Campo Limpo, que usa o pastejo seletivo ao seu favor: como os animais preferem o pasto nativo, essas plantas não crescem tanto e a espécie invasora fica mais alta. Por isso, a Campo Limpo, em vez de pulverizar o agroquímico, como as máquinas convencionais, é composta por um tecido embebido em herbicida, que entra em contato com as plantas mais altas e mantém só a vegetação nativa. “No método tradicional, elimina-se tudo e o capim-annoni ganha a corrida”, explica Perez. A Embrapa também está trabalhando em pesquisas para mapear a incidência do capim-annoni no território gaúcho.

Além de proporcionar melhores resultados do ponto de vista do desempenho da pecuária, o Mirapasto auxilia na preservação ambiental. Atua na recuperação da área afetada e conserva a riqueza da biodiversidade dos Pampas. Essa preocupação com a preservação vem aumentando entre os produtores e segmentos ligados ao setor agropecuário, ressalta Perez. Segundo ele, o Ministério do Meio Ambiente adotou um conjunto de ações para preservar a Reserva Biológica do Ibirapuitã, localizada na região sudoeste do Rio Grande do Sul, utilizando o sistema desenvolvido pela Embrapa para preservar as gramíneas nativas. 

Mesmo com a relativa eficácia do Mirapasto em áreas já infestadas, a pesquisadora Fabiane Lamego diz que é essencial tomar providências para a prevenção do surgimento do capim. “É claro que hoje nós temos várias áreas bastante infestadas e reverter esse processo é custoso, mas é possível”, garante. “Uma das coisas que a gente pode fazer é controlar os animais que circulam nessas áreas”, afirma, ao explicar que os bovinos são os maiores disseminadores do capim-annoni, uma vez que consomem as sementes nas inflorescências, partes mais maleáveis da planta. De acordo com a pesquisadora, uma única planta pode deixar cerca de 80 mil sementes por ano, que acabam sendo excretadas no esterco dos rebanhos, facilitando a sua disseminação. 

Fabiane recomenda uma quarentena de sete a oito dias para animais recém-chegados de fora da propriedade e a tomada de atitudes como a utilização da Campo Limpo ou da enxada química caseira, logo no primeiro sinal de infestação. “Atuando na pastagem, atuando no campo, a gente consegue controlar o capim-annoni e não afetar as outras espécies importantes”, finaliza. 

Manejo adequado pode reverter prejuízos

Pecuaristas reconhecem que incidência do capim-annoni é permanente e afeta o ganho de peso dos animais, por isso, adotam as práticas recomendadas pelos pesquisadores da Embrapa na tentativa de conter os danos

Depois de ter a aplicação de herbicida com o equipamento Campo Limpo (desenvolvido pela Embrapa), o qual seleciona o capim-annoni, vegetação mais alta, a praga é eliminada da área e volta a permitir o pastejo dos animais nas espécies nativas de bom valor nutricional. Foto: José Loutar / Arquivo Pessoal

José Loutar tem uma propriedade de 640 hectares em Dom Pedrito, na Região da Campanha, onde cria cerca de 500 cabeças de gado. Ele afirma que o combate ao capim-annoni se trata de uma briga constante. “Ele toma conta da pastagem nativa, o gado não come ele e quando come só enche a barriga e não engorda nada”, reclama. Lotar conta que depois que começou a aplicar o Método Integrado de Recuperação de Pastagens (Mirapasto), há cerca de cinco anos, sua propriedade mudou “da água para o vinho”. O criador, que utiliza o Mirapasto todos os anos, observou ganho de peso nos animais e agora consegue fazer o diferimento (prática de interromper o pastejo em determinada área para acúmulo de forragens). Para controlar o capim-annoni, Loutar também faz o uso de roçadeira química e ajustes de lotação dos animais. 

O pecuarista Rafael Nunes, cuja propriedade em Sant’Ana do Livramento tem 1,2 mil hectares, mantém um rebanho de 980 bovinos. Nunes lembra que o capim-annoni, além dos problemas de manejo, causa desgastes nos dentes do animal, que pode não conseguir se alimentar corretamente por conta disso. O produtor ressalta que desde o momento da compra da propriedade, em 1997, o capim-annoni já tinha sido detectado em pontos isolados do terreno, mas a invasora começou a se expandir entre 2005 e 2006. “Aí começamos a cuidar”, revela Nunes, segundo o qual, as principais perdas que a praga causou foram em relação ao uso de espaço. “Não utilizava áreas para o pastejo porque estavam infestadas”, diz. 

A propriedade de Nunes está dentro do Parque do Ibirapuitã, portanto, lá não se pode dessecar o solo e o controle da invasora só era realizado por meio das roçadeiras. Como havia necessidade de roçar o terreno de três a quatro vezes por ano e após a roçada e o pasto ficava entre 30 e 40 dias em pousio, nessas circunstâncias o produtor também não conseguia usar todo o terreno. 

Em 2022, Nunes introduziu a utilização da máquina Campo Limpo em sua propriedade. “Começamos a utilizar onde há infestação de moderada a alta. Foi a primeira vez que foi feita a aplicação e o efeito foi muito bom”, comenta. “Conseguimos controlar o capim e ficar com área verde onde pudesse ocorrer o pastejo”, descreve. Ele afirma que vai continuar com a prática de agora em diante. 

*Sob supervisão de Nereida Vergara

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895