O retorno indesejado

O retorno indesejado

A fome volta a crescer no país

Por
Christian Bueller

Quem passa pela Praça Brigadeiro Sampaio, no Centro Histórico de Porto Alegre e vê cabanas feitas de lona, como que abraçadas em volta de um tonel de latão que serve como fogão a lenha improvisado, nem imagina que ali mora um técnico em enfermagem. De profissão fundamental em época de pandemia, Paulo Evandro, 36 anos, passou por um 2020 intenso e complicado, mas não por conta de extensas e exaustas horas na linha de frente no combate à Covid-19. A sua batalha foi particular, diante das desventuras que encarou nos últimos anos e que acarretaram na saída de casa, para longe da família e da vida que levava, como cuidador em uma clínica geriátrica em Canoas. Atualmente, a carteira de trabalho é utilizada como balizadora de uma verdade que ele carrega desde que foi morar na rua, perto da Usina do Gasômetro, e o ajuda na hora de pedir dinheiro e comida e não ser confundido como bandido. Não fossem as doações que ele e seus vizinhos recebem eventualmente, o ex-profissional de saúde estaria entre os 19,1 milhões de brasileiros que efetivamente passam fome, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan).

Depois de recuar significativamente até meados da década passada, a fome voltou a crescer no Brasil e a chamada insegurança alimentar disparou nos dois últimos anos. São quase 116,8 milhões de pessoas nessa situação, sem acesso pleno e permanente a alimentos, o que corresponde a mais de duas vezes a população da Argentina. Pela pesquisa, realizada em cinco regiões do país, em áreas urbanas e rurais, em dezembro de 2020, mais da metade da população está em situação de insegurança alimentar leve, moderada ou grave. Dessa forma, o total passou de 36,7% dos domicílios, em 2018, para 55,2% no final do ano passado.

Problema histórico no país, a fome teve números reduzidos entre 2004 e 2013, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Em 2013, a parcela da população em situação de insegurança alimentar havia caído para 4,2% – o nível mais baixo até então, como resultado potencializado pelos esforços da campanha Fome Zero, liderado pelo falecido sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Isso fez com que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) finalmente excluísse o Brasil do Mapa da Fome que divulgava periodicamente. No entanto, entre os anos de 2013 e 2018, a insegurança alimentar grave teve um crescimento de 8,0% ao ano. A partir daí, a aceleração foi ainda mais intensa: de 2018 a 2020, o aumento da fome foi de 27,6%. Significa que, em apenas dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para os atuais 19,1 milhões no país.

Mesma insegurança que toma conta da comerciária Vanessa Louzada, de 43 anos. Em busca de uma vida melhor, saiu de Canoas com o marido André em direção a Torres, litoral norte gaúcho e, posteriormente, Criciúma, na vizinha Santa Catarina. Com a chegada da pandemia, o companheiro, frentista, não encontrou mais oportunidades de emprego aos 50 anos. “Fiquei parada em casa porque tinha comorbidades, recebendo apenas meu salário-base, quando vieram as medidas de isolamento, mas ainda estava empregada. Só que a renda era a única da casa, enquanto meu marido sofria com o preconceito por causa da idade. Ainda tive que comprar medicações para minha filha”, lembra Vanessa. A pior época foi dezembro, período em que a maioria das pessoas, em meio às festividades, já está projetando o ano seguinte. A família da lojista pensava no que ia comer. “Tinha que fazer uma loteria: pagar o aluguel para que não ficássemos sem ter onde morar e comprar comida. Não pagava as contas e acabei entrando no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito)”, confessa. André precisou fazer uma campanha nas redes sociais para pedir emprego e ajuda com cestas básicas. Como diz Vanessa, a partir dali, “a coisa degringolou”. “Já fiquei desesperada e sem dormir. Teve dias que só comíamos polenta, um tipo de alimento que costumamos deixar para lá. Polenta no almoço e na janta, para enganar a fome. O pior é que, mesmo com diabetes e necessitando de uma alimentação diferenciada, não podíamos dispensar arroz e farinha quando nos ajudavam. Já estava complicado o básico, não podíamos cortar nada”, conta a lojista.

Fatores como a alta no preço dos alimentos e do gás de cozinha, além do contexto da pandemia, contribuem para que a fome volte a crescer no cenário brasileiro. Foto: Ricardo Giusti

Aumentos nas faturas de água e energia elétrica e no preço do gás contribuíram com o cenário preocupante. “Antes da pandemia, a gente sempre dava um jeito, ia atrás. Mas ficou difícil para todo mundo, não tem para onde correr”, reitera. Sem ter a certeza de que continuará no emprego assim que voltar a trabalhar no modo presencial, Vanessa confessa a pouca animação, mas diz ter esperanças no futuro. “Não temos tido notícias boas, é muito complicado mesmo. Mas a gente é brasileiro, não desiste nunca”, sorri.

Caso semelhante é o de Jucemara, 43 anos. Morar embaixo da ponte não é uma figura de linguagem. É a realidade para ela que, antes de operar os tendões dos dois braços podia fazer faxinas e levar dinheiro para dentro de casa, na Vila Areia, bairro Navegantes. “Tenho quatro filhos e o marido também está desempregado. Está bem difícil, conto com a ajuda de outras moças que moram no mesmo terreno”, diz. São três famílias juntas que, além das restrições para alimentarem os filhos, ainda terão que sair de onde moram em virtude das obras à beira da BR-290. “Se algumas entidades não ajudam, ficamos sem arroz e feijão. Com a alta do gás, fazemos o que vem no fogão à lenha”, explica.

No primeiro trimestre de 2021, três em cada dez lares brasileiros viveram sem nenhuma renda obtida através do trabalho, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base nos microdados da PNAD, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Devido à crise provocada pela pandemia de Covid-19, a proporção de domicílios sem nenhuma renda de trabalho saltou de 25% no primeiro trimestre de 2020 para 31,5% no segundo trimestre, com ligeira redução a 31,2% no terceiro.

O Cadastro Único, também conhecido como CadÚnico, é um grande cadastro social, que permite às pessoas com renda de até três salários mínimos o acesso a diversos programas sociais. Segundo dados mais recentes levantados pelo Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (Consea), há 994.150 famílias (2.505.891 pessoas) cadastradas no Estado. Destas, 33% têm ganhos mensais entre R$ 0 até R$ 89. Já famílias de R$ 89,01 até R$ 178 são 12%, enquanto de R$ 178,01 até meio salário mínimo são 23% e acima de meio salário mínimo são 32%. Os dados partiram do “Relatório Conjunto entre Câmara dos Povos e Comunidades Tradicionais e Câmara Estratégias de Produção e Abastecimento sobre medidas de reparação da vulnerabilidade alimentar durante o surto de coronavírus no território do Rio Grande do Sul”. No entanto, o documento, que serviu para diversas ações de garantia ao direito à alimentação saudável e adequada de povos quilombolas, comunidades de matriz africana e indígenas gaúchos, é de abril de 2020 e não foi atualizado, segundo o presidente do Consea-RS, Juliano de Sá. “Se não tivermos os dados, não temos como mensurar o que precisamos fazer”, diz.

Entre as medidas sugeridas pelo relatório do Consea-RS está a ampliação de verbas para políticas públicas essenciais como Bolsa Família, Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Também a manutenção de mercados públicos, feiras livres, restaurantes populares e universitários e a salvaguarda dos espaços de comercialização de alimentos com segurança. Para o presidente do Conselho, a fome começou antes da pandemia, mas algumas ações precisam ser ajustadas. “Além de combater a falta do alimento, é necessário fortalecer a outra ponta, da produção. Temos visto pouco por parte do poder público”. Juliano de Sá acredita que as pessoas sairão diferentes do processo da pandemia. “E os governantes também devem rever seu papel, o tema central para os gestores vai ser o acesso aos alimentos”.

Alta nos preços

Em 2013, o país foi excluído pela ONU do Mapa da Fome, mas desde então viu o problema crescer e hoje atinge 19,1 milhões de brasileiros. Foto: Ricardo Giusti

As dificuldades impostas pela pandemia perpassam o quesito saúde. Segundo o IBGE, a inflação alcançou, em 2020, o patamar de 4,52%, o maior índice registrado desde 2016 (de 6,29%), elevando em 14,09% os preços de alimentos e bebidas – um percentual quase três vezes maior que a inflação geral. Estes dados também indicam que os itens mais importantes da cesta básica tiveram aumento de preço expressivo, dentre os quais se destacam o óleo de soja, com um acréscimo na ordem dos 103,79%, além do arroz (76,01%), batata inglesa (67,27%), tomate (52,76%), frutas (25,40%) e carnes (17,97%). Com isso, os pratos ficaram cada vez mais vazios, fortificando a necessidade do exercício da solidariedade por parte dos brasileiros nos diversos âmbitos e segmentos da sociedade.

O Consea-RS criou, ainda no ano passado, o Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome, em que debate um plano de ações, adaptação dos programas existentes à situação de emergência e estratégias para as cadeias curtas de abastecimento. Foram convidados integrantes das três esferas de governo, Banco de Alimentos, Ação da Cidadania, entidades, federações e movimentos sociais. “As pessoas têm refletido sobre o modo de viver. Não quero a volta do antigo normal, nem que quero o novo. Quero um outro olhar. Ainda vemos crianças nas sinaleiras da avenida Ipiranga. Essa pandemia, apesar das tristezas, trouxe oportunidades para nos reinventarmos. Ainda estamos sob uma atmosfera fúnebre e, ao mesmo tempo, existe aquele olhar para a solidariedade”, afirma o presidente do Consea-RS, Juliano de Sá.

O Comitê já doou mais de 520 toneladas de alimentos, aproximadamente 40 mil cestas básicas, atendendo população periférica, indígenas, quilombolas, povos tradicionais, pescadores, ciganos, migrantes e afins. “Estamos para receber, na semana que vem, mais duas mil cestas, das quais 500 vão para famílias do Salto do Jacuí”, informa Sá. Para doar, é possível usar o PIX, com a chave CNPJ 33654419001007 ou depósito via Banco do Brasil, agência 1248-3, conta corrente 55450-2.

Solidariedade

Uma iniciativa já existente no exterior começou no Brasil, a partir de uma ideia surgida no Conselho de Cidadania da Federação das Indústrias do Estado do RS (Fiergs), em 2000. Como forma de combater a fome, o desperdício de alimentos e a alimentação incorreta, nasceu o Banco de Alimentos de Porto Alegre, o primeiro do gênero do país. Desde então, já arrecadou e distribuiu mais de 60 milhões de quilos de alimentos. Somente durante a pandemia, distribuiu mais de dois milhões de quilos de gêneros alimentícios beneficiando cerca de 300 instituições de Porto Alegre. Com a Rede de Bancos de Alimentos do Rio Grande do Sul, criada para atender outros municípios gaúchos, o número de quilos até dezembro do ano passado alcançou cinco milhões. “Vamos chegar a 10 milhões, com certeza”, projeta o presidente-executivo voluntário do Banco de Alimentos da Capital, Paulo Renê Bernhard.

Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, as atividades de arrecadação e distribuição continuaram, com exceção do trabalho presencial junto a mercados e demais estabelecimentos que a entidades fazia antes de março de 2020. “Vamos voltar com essas ações, com todos os cuidados, a partir do início do mês de julho”, adianta Bernhard. O “maior desafio em 20 anos”, como ele classifica, foi enfrentado com o apoio dos colaboradores de sempre, os Rotarys, Lions, escoteiros e outros setores da sociedade. “Tivemos que ser criativos e utilizar a tecnologia, já que, em determinados momentos, nem entregas por drive thrus podíamos por conta do distanciamento”, lembra o presidente. Foi criado, então, o site Doe Alimentos (www.doealimentos.com.br), em que é possível contribuir por meio de transferências bancárias, com qualquer quantia de dinheiro e quantos alimentos o internauta quiser contribuir. De forma prática e rápida, a pessoa pode montar uma cesta de alimentos e doar, beneficiando instituições de 34 cidades gaúchas. “Tem sido um show de solidariedade das pessoas e das empresas. Muitos que não encontravam uma forma de ajudar, descobriram que existem mecanismos”, diz Bernhard.

Quem não puder contribuir doando, pode se tornar um dos mais de cinco mil voluntários do Banco de Alimentos. “É como se fosse uma Defesa Civil, não adianta fazer só quando tiver episódios de chuvas, alagamentos, temos que estar prontos para qualquer tempestade. Nosso lema é combater a fome e levar a esperança”, diz o presidente da organização, orgulhoso. Bernhard enfatiza que a pandemia continua forte e, mesmo que a situação esteja difícil para todos, sempre é possível ajudar a quem mais precisa. “A fome também prossegue, as pessoas continuam desempregadas. O pessoal de CTG (Centro de Tradições Gaúchas) e circo, por exemplo, nunca dependeram de ninguém e, agora, eles precisam de ajuda”.

A solidariedade já faz parte da vida de Paulo Renê Bernhard. “É uma felicidade indescritível contribuir com quem não tem sequer um alimento para botar no prato do seu filho. Agradeço a Deus por ter condições de ajudar. O sorriso de todos os voluntários é permanente, todos os dias”, afirma.

Organizações não governamentais mobilizam-se para que a doação de alimentos possa beneficiar o maior número possível de famílias. Foto: Ricardo Giusti

Ensinando a dividir

“São cinco pessoas na minha casa, estamos praticamente todos desempregados, então, está bem difícil, vai ajudar bastante, as panelas já estavam se batendo, sou diabética, não posso ficar sem me alimentar”, diz Maria Cristina Costa, moradora do bairro Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. “A situação está difícil, estão caras as comidas, encareceu o custo de vida e subiu o preço das coisas. Só quem está do lado de cá sabe dos perrengues que passa, não é só encher a barriga, mas encher o coração com esperança e fraternidade”, concorda a vizinha Ana Lúcia Almeida. “Moramos duas pessoas em casa, eu e uma filha de 15 anos. Estou sem renda nenhuma, tem dia que acordo e não tenho o que colocar na mesa, é desesperador tu não saber para onde correr e nem o que fazer. A pandemia piorou bastante, está bem difícil mesmo”, relata a também vizinha, Cristiane dos Santos Marques.

Os três depoimentos saíram naturalmente de pessoas que têm dificuldades para alimentar até mesmo os filhos, mas que receberam cestas básicas em ações de entidades beneficentes. Cristiane ainda teve tempo para deixar uma lição importante a muitas pessoas que ainda não tiraram o olhar do próprio umbigo, mesmo no cenário atual: “Não sou só eu que estou passando por isso, aquela cesta ali eu vou dividir com quem está precisando. A gente sempre divide o que ganha porque têm muitos precisando que nem eu. É importante ajudar e olhar para o próximo. Essa pandemia veio para isso: para um cuidar mais do outro”.

Ações do estado

O governo do Estado realiza o programa PopRua RS, por meio da Secretaria do Trabalho e Assistência Social, movido por acolhimentos institucionais que consistem na entrega de quentinhas, equipamentos de proteção individual (EPIs), disponibilização de espaço para higienização e banho, encaminhamento para pernoite/alojamento, informação sobre trabalho e emprego e direitos humanos. Desde dezembro do ano passado, a iniciativa já distribuiu 109.293 mil refeições e lanches à população de rua de Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul. Até maio deste ano, foram 37.149 acessos, sendo 1.974 pessoas diferentes. Foram ofertadas 56.979 refeições (almoço e janta) e 52.314 lanches (café da manhã e tarde). Profissionais da Assistência Social prestaram 3.134 atendimentos e 6.695 pessoas foram encaminhadas para pernoite/alojamento. Outros 6.256 kits de higiene foram distribuídos e 40.984 EPIs.

A iniciativa é resultado da parceria entre Estado, terceiro setor e empresas que contribuíram com recursos destinados ao fundo do Programa de Incentivo à Inclusão e Promoção Social (Pró-Social), que concede incentivo fiscal para o financiamento de projetos sociais no Estado às empresas através da renúncia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), autorizado pelo Executivo Estadual. O recurso, no valor de R$ 3,6 milhões, é proveniente do Fundo Estadual de Apoio à Inclusão Produtiva (FEAIP).

Índice que era de 36,7% do total de domicílios no Brasil que se encontravam em situação de insegurança alimentar em 2018, saltou para 55,2% no ano passado. Foto: Ricardo Giusti

Histórias em comum

Recicladora na Vila Areia, Luziara, 57 anos, revela já ter passado muita fome. “Eu e meu velho, José, com quem sou casada há 40 anos, moramos à beira do rio (Lago Guaíba). Sou mãe de nove filhos, a maioria tudo casado. A gente se ajuda, a comunidade tem 40 moradores. Não é fácil. Mas é conforme Deus quer, né?”, conta. O trabalho começa cedo, mas nem sempre o retorno financeiro é proporcional ao esforço cotidiano. “Muitas vezes, não tinha nem almoço, nem janta, tomávamos um café. Se não tinha café para os adultos, ao menos, a gente dava para criança. É assim mesmo”, conta Luziara, agradecendo a Deus por tudo, mesmo os dias mais complicados. “Nunca perdi a esperança. Jamais”, garante.

Mesmo com 25 anos, a venezuelana Yulimar Sequera, a Yuli, também tem muita história para contar. Buscou uma nova vida no Brasil em Boa Vista, no Estado de Roraima. Com a ajuda da Organização das Nações Unidas (ONU), conseguiu viajar para o Rio Grande do Sul. Mas, grávida de sete meses, foi abandonada pelo marido, que nem conheceu a filha. “Eu pesava 45 quilos, muito magrinha. Nem sabia que teria filha”, lembra. Há um ano, reside no Jardim Protásio Alves, zona norte da Capital, vendendo de casa em casa, meias e artesanato que ela faz. “Com o que vendo, consigo pagar as contas e comprar fraldas. É muito difícil”, diz em um português razoável. Para sustentar os pequenos Jhon e Yanis, ela procura uma máquina de costura que custa R$ 300 usada para ela mesmo poder vender as peças que produz. “Hoje em dia, costuro com uma máquina emprestada. Eu faço esforço com todo amor porque quando chego na casa, vejo duas crianças que amo. Eu sei que precisam que eu dê tudo por elas”, conta.

As histórias de Luziara e Yuli são apenas duas de muitas que a produtora Nara Sonallio, catarinense radicada no Paraná até 2010, quando veio para o Estado, já encontrou. Incansável, ela é a fundadora do Instituto Criança Mais Feliz RS. Tudo começou com uma ação pontual em 2015 que deu origem a muitas outras. Em seis anos de trabalho, 100% voluntário, a iniciativa já atendeu mais de 20 mil crianças com a doação direta de mais de 400 mil itens. Agora em 2021, o que era um projeto social independente tornou-se uma organização não governamental.

O objetivo é atender ainda mais, e cada vez melhor, as crianças que se encontram em situação de vulnerabilidade no Rio Grande do Sul. “Somos uma ponte entre as pessoas que querem ajudar e não sabem como – e são muitas! – e os milhares de crianças que precisam receber e não sabemos o quê, quando nem como. Quanto mais temos acesso, mais entendemos o quão vulnerável é a sobrevivência delas e o quão necessário é atender ao pedido de toda mãe que nos procura, desde um brinquedo de aniversário para seu filho até roupas, calçados, leites, materiais escolares e, principalmente, alimentos”, explica Nara.

Mas, para isso, precisa de uma sede definitiva. “Recebíamos doações em um imóvel de uma produtora, que foi vendido. Então, não poderemos repetir ações como fizemos no mês passado”, explica. Na última semana de maio, em dois dias de plantão, foram arrecadados e entregues meia tonelada de alimentos, 500 litros de leite e mais de 200 cobertores. Para saber como ajudar, é possível consultar o site criancamaisfelizrs.org.br/.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895