Pandemia afeta o Enem 2020

Pandemia afeta o Enem 2020

Com abstenção recorde e abertura de período para reaplicações de provas, estudantes revelam como foi a experiência de fazer o Enem 2020

Por
Daiana Garcia*

Após quase um ano de aulas remotas, com atividades digitais, exercícios entregues impressos na porta das escolas e encontros somente por meio da tela do celular, estudantes que cursavam o 3° ano do Ensino Médio no ano passado enfrentaram o desafio de realizar as provas do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) 2020. O concurso teve provas aplicadas nos dias 17 e 24/1 (na versão impressa) e 31/1 e 7/2 (versão digital). Não por acaso, esse Enem foi marcado por datas diferenciadas e alteradas, em razão da pandemia de Covid-19, e ainda pelo número recorde de abstenções, observado nas duas versões do Exame.

Os dados preliminares divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela aplicação do Enem, revelam que, no primeiro dia de provas impressas houve uma abstenção de 51,5% dos candidatos. Ou seja, dos mais de 5,5 milhões de inscritos para a versão impressa, cerca de 2,8 milhões faltaram ao Exame, número que ainda subiu para 55,3%, no segundo domingo de provas. Já no Enem Digital, o primeiro dia de aplicação registrou uma ausência de 68,1%, dentre os 93 mil candidatos inscritos, o que resultou em pouco mais de 29 mil candidatos presentes. Assim como na versão impressa, no segundo dia de aplicação das provas digitais a abstenção aumentou, alcançando a marca de 71,3% de inscritos ausentes.

O presidente do Inep, Alexandre Lopes, argumenta que o recorde de faltas está relacionado, principalmente, à Covid e às campanhas contrárias à aplicação do Enem. “A gente entende que isso é muito em função da pandemia. Alguns locais estão em lockdown e as pessoas não saíram de suas casas para fazer as provas”, explicou. Apesar disso, considerou positiva a aplicação piloto do Enem Digital. “Estamos muito satisfeitos com o resultado. Acho que, nesse momento, estamos escrevendo mais um capítulo importante na história do Enem, a primeira vez da aplicação digital.” Segundo ele, este foi o começo da consolidação gradual do novo modelo do Exame, que deverá ser totalmente digital até 2026.

Ensino durante a pandemia

As dificuldades de acesso ao ensino durante a pandemia podem ter sido os principais obstáculos para os candidatos que realizaram o Enem 2020. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em novembro de 2020, em torno de 46,3 milhões de pessoas, de 6 a 29 anos de idade, frequentavam escola ou universidade – representando 60,0% da população nessa faixa etária. E dos estudantes que frequentavam a escola, 61,7% eram do Ensino Fundamental, 20,9% do Ensino Médio e 17,4% do Ensino Superior.

Entre o alunado de cursos presenciais que participou das atividades letivas, 32,7 milhões não tiveram aulas presenciais em novembro. E, destes, 87,5% tiveram atividades remotas, 11,7% não tiveram e para 0,8% não houve, porque estavam em férias. Dessa forma, o contingente de pessoas que frequentavam a escola, mas que não tiveram atividades em novembro, foi de 5,3 milhões de pessoas.

Mesmo para quem estava recebendo atividades remotas para serem realizadas em casa, o levantamento aponta que 21,2% não tinham computador, tablet ou celular disponível para fazer as tarefas, 28% não possuíam acesso à Internet, 3,6% precisaram lidar com afazeres domésticos ou cuidar de familiares, 2,5% tiveram problemas de saúde, 23,2% disseram que não conseguiram se concentrar e, por fim, 21,5% alegaram outros motivos.

Enem 2020

Enem Impresso: 17 e 24/1.

Enem Digital: 31/1 e 7/2.

Enem PPL: 23 e 24/2.

Reaplicação: Os pedidos para reaplicação do Enem 2020 já foram encerrados e o Exame será oferecido tanto para quem fez a versão impressa como para quem fez a digital. Ocorrerá dias 23 e 24/2, mesma data em que será realizado o Enem para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL). O resultado das solicitações de reaplicação do Enem pode ser acessado em: enem.inep.gov.br/participante.

Gabarito: O Inep já publicou os gabaritos das duas versões do Enem 2020. Todas as respostas podem ser acessadas no portal do Instituto, no link: bit.ly/2NliduF.

Resultado: As notas finais dos participantes que realizaram o Enem 2020 serão divulgadas no dia 29/3, na Página do Participante: enem.inep.gov.br/participante.

Uso da Nota: Os participantes do Enem poderão usar as notas obtidas no Exame para ingresso no Ensino Superior, ainda em 2021, por meio dos programas federais: 

  • Sisu (Sistema de Seleção Unificada), que oferta vagas em instituições públicas de Ensino Superior e cujas inscrições ocorrerão de 6 a 9/4, no site.
  • ProUni (Programa Universidade para Todos), que oferece bolsas de estudo parciais ou integrais em universidades particulares. Mais informes aqui
  • Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que concede financiamentos parciais ou integrais em instituições privadas. Detalhes no site.

Aulas remotas e Exame

Recém-formada no Ensino Médio, Luísa Canto relembra dificuldades das aulas remotas e o reflexo da pandemia na hora de prestar as provas do Enem 2020. Foto: Alexandra Niederauer / Especial / CP

Para a participante Luísa Canto, 18 anos, realizar o Enem após um ano de aulas remotas foi um desafio. A jovem, que concluiu o Ensino Médio no ano passado na Escola Estadual de Ensino Médio Sarmento Leite, na Capital, explicou como ocorreram as aulas durante o ano letivo de 2020. “Nós tivemos aulas remotas por videochamada todos os dias, os professores também nos mandavam apostilas e tentavam nos ajudar, mas o acompanhamento em sala de aula fez muita falta”, destacou. Ela lembra que, em 2019, enquanto ainda cursava o 2° ano do Ensino Médio, realizou a prova do Enem para treinar e acredita que teve mais dificuldades na edição de 2020, mesmo já estando formada. “Em 2019 foi mais tranquilo, me senti bem mais preparada. Nesta última edição, foi muito estranho entrar em uma sala de aula e pegar a caneta para o teste, com outros alunos em volta, depois de um ano em casa”, recorda a candidata.

Sobre as medidas de prevenção adotadas para realização da prova impressa, Luísa confessa que não se sentiu tranquila enquanto fazia o Exame na Fadergs, no centro de Porto Alegre. “Era uma sala com 45 pessoas e só cinco janelas. Mesmo com o distanciamento respeitado, porqu a sala era grande, não consegui me sentir segura e passamos muito calor.”

Além disso, a estudante admite que quase chegou a desistir de prestar as provas quando soube onde faria o Enem, já que a localização era muito distante do local onde ela reside. “Moro no Rubem Berta, tive que ficar dentro de um ônibus por 45 minutos. Quando a prova terminou, já era noite e senti medo de voltar para casa sozinha”, acrescentou Luísa.

Já para Gabriela Silveira, 21 anos, representante da União Nacional dos Estudantes no RS (UNE-RS) e que também realizou a versão impressa do Enem, o recorde de abstenções está ligado ao fato de os estudantes não terem conseguido um acesso à educação de qualidade. “A maioria dos alunos de escolas públicas não tiveram aulas, muitos não conseguem fazer cursinho pré-vestibular ou sequer têm acesso à Internet. Então, isso, com certeza, tem a ver com o desânimo das pessoas, por acharem que não vão se sair bem no Exame, e acabam desistindo.”

Gabriela realizou a prova na Escola Técnica Estadual Parobé, na Capital, onde afirma que todas as regras preventivas foram seguidas. “Eu, inclusive, fiz a prova em uma sala extra, já que a minha sala havia alcançado o máximo de capacidade permitida e era preciso garantir o distanciamento”, explicou. Segundo ela, apesar dos cuidados que foram tomados no primeiro dia de provas, houve aglomeração em frente à instituição, devido à chuva. Também no segundo dia foram enfrentados problemas em relação ao clima. “Estava muito calor e não podíamos ligar os ventiladores da sala, tinha mais a máscara, foi difícil de respirar e aquilo acabou prejudicando a prova”, alega.

A jovem informou, ainda, que chegou a dizer para sua família que só prestaria o exame caso chegasse e o local não estivesse lotado. “Senti bastante medo de fazer a prova e, realmente, só fiz porque tinha distanciamento e o cuidado dos fiscais”, afirma, contrapondo, porém, que houve atraso no horário dos ônibus, entre outros problemas que poderiam ter sido evitados, se “a logística da cidade fosse pensada para a realização do Enem”.

*Sob supervisão de Maria José Vasconcelos

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895