Pandemia faz casamentos serem remarcados e repensados

Pandemia faz casamentos serem remarcados e repensados

Os registros de casamento nos cartórios do Rio Grande do Sul caíram 50,04% entre março e junho, ante o mesmo período do ano passado. Mas há aqueles que resolvem buscar outras formas de celebrar

Por
Jessica Hübler

A pandemia do novo coronavírus afetou os mais diversos setores, inclusive o de eventos, que movimentou R$ 209,2 bilhões em 2019, no Brasil. Conforme levantamento feito pela Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc), a cadeia produtiva envolve pelo menos 60 mil empresas, além de 1,9 milhão de empregos diretos e terceirizados. Dentro desse segmento, existem núcleos específicos, como é o caso dos eventos sociais, entre os quais estão incluídos os casamentos.

Essa parcela do segmento foi duramente atingida pois, como os protocolos de saúde exigem que não sejam realizadas aglomerações, as festas precisaram ser desmarcadas ou adiadas. Além disso, a oficialização da união entre casais também teve redução. Os registros de casamento nos cartórios do Rio Grande do Sul caíram 50,04% entre março e junho, com relação ao mesmo período do ano passado. Em março, abril, maio e junho de 2019, foram contabilizados 11.874 registros, enquanto este ano o número baixou para 5.932. Em abril a queda foi mais significativa, chegando a 76,29%, pois passou de 2.654 em 2019 para 629 este ano.

De acordo com o sócio da Casar-RS Eventos Sociais, Rodrigo Cardoso, pelo menos oito casais cancelaram os serviços e pretendem retomar a organização futuramente e outros 12 já remarcaram as datas para 2021. “Foi bastante complexo, muitos noivos ficaram entristecidos.” Segundo Cardoso, além da questão emocional, é preciso lidar com os problemas financeiros. Como os casamentos que estavam marcados para 2020 ficaram para o próximo ano, isso acabou impactando diretamente na agenda da Casar-RS.

“Meio ano a gente já perdeu, mesmo mantendo as agendas fica o prejuízo, porque são eventos que organizamos, administramos e executamos em seis meses, que prospectam muitos outros. O nosso melhor público são os futuros potenciais clientes que frequentam as festas”, destaca. Em 26 anos de empresa, Cardoso nunca tinha visto nada parecido.

A verdade, conforme Cardoso, é que está todo mundo reaprendendo. “Não podemos pensar que é o fim do mundo, precisamos repensar as formas de celebrar. Vai acontecer a partir de agora uma readaptação, tudo está mudando muito e ainda vai mudar mais”, define. A parte mais complexa, de acordo com ele, é conseguir fechar as agendas de casas de festa com os mesmos fornecedores que já estavam prontos, com as exigências dos clientes. Muitos casamentos foram remarcados para o segundo semestre, mas a situação começou a ficar mais complicada pelo contexto da pandemia e novas remarcações precisaram ser feitas.

Cardoso comenta que teve casamento que já mudou de data três vezes. “Não existe perspectiva de melhora a curto ou médio prazos, todos os eventos de 2020 foram para 2021, alcançando inclusive o segundo semestre”, afirma, reforçando que as pessoas não querem arriscar sua saúde e a dos convidados, mas “ninguém quer comemorar sozinho”. A pandemia também trouxe novidades para a empresa que já realizou 2,5 mil cerimoniais para casamentos. Foi a primeira vez que a Casar-RS assinou contratos sem ter data específica para que os eventos aconteçam.

Ainda no universo dos casamentos, teve quem precisou se reinventar para conseguir driblar a crise. Foi o caso da estilista Solaine Piccoli, que trabalha há 47 anos confeccionando especificamente vestidos de noiva. Quando Solaine observou a queda no movimento, começou a pensar em alternativas para manter os 11 funcionários. Em 2019, por exemplo, ela atendia 10 clientes por dia e, hoje, este número caiu para um por semana. “Não tem nem como comparar, agora estamos fazendo uma linha de roupas para poder manter os empregos. Continuar somente com noiva é impossível hoje para manter a nossa estrutura.”

Para quem começou no início da década de 1970 e nunca tinha visto nada parecido, Solaine desabafa: “Nem nas maiores crises passamos por isso, está muito estranho, mas estamos fazendo nossa parte”. Com relação às dificuldades, comenta que tem sido um momento importante. “Começamos a refletir que só fazemos uma coisa, temos que pensar nisso. Toda vida só fizemos vestido de noiva e não tinha problema nenhum, agora não.”

Além de estar trabalhando em uma linha casual de moletons exclusivos, bordados manualmente com pedrarias, rendas, paetês e tules, Solaine está vendendo máscaras de tecido. “Começamos fazendo doações, chegamos a fazer 6 mil máscaras para doar, mas percebemos que não temos como viver somente disso, então, para cada máscara que vendemos, doamos outra. Estamos nos reinventando, como a maioria das pessoas, pois não dá para ficar esperando.”

Cerimônia virtual

Nem sempre a ansiedade dos noivos pode esperar o fim de uma pandemia. Por conta disso, a designer Camila de Almeida Godoi, 23 anos, e o desenvolvedor de sistemas Rafael Correa, 26, moradores de São Leopoldo, optaram por uma celebração virtual do casamento civil. O namoro já durava mais de dois anos e os planos do casamento estavam presentes. Os dois se conheceram com amigos em comum e, segundo Camila, desde o primeiro momento ambos já tinham certeza de que algo grandioso estaria por vir. “Sabe quando tu olha para alguém e na hora já sabe que vai acontecer alguma coisa?”

Camila contou que ela e Rafael já falavam em casar nos próximos anos, pois a rotina estava sempre corrida e eles não conseguiam se ver tanto quanto gostariam. Quando a pandemia iniciou, ainda em março, os dois passaram a trabalhar de casa e a convivência passou a ser tão frequente quanto jamais havia sido. Antes juntos somente ao acordar e na hora de dormir, agora os dois passam os dias totalmente juntos. “A gente já morava junto, mas de repente passamos a ficar 100% do tempo colados e a nossa relação melhorou ainda mais”, afirmou Camila.

A união cada vez mais forte chegou a ser motivo de piada entre os amigos. Muitos comentaram que, se o casal estava se dando bem durante o isolamento social, é porque realmente seria para sempre. Na semana que antecedeu o aniversário da Camila, comemorado em 4 de maio, ela já havia pedido Rafael em casamento, mas em um tom informal. “Estávamos tão conectados que ele disse que eu estraguei a surpresa, pois ele planejava fazer o pedido no dia do meu aniversário.”

Os dois basicamente trocaram pedidos de casamento e a ansiedade começou a apertar. Então Camila começou a pesquisar sobre o vestido e sobre as alternativas para realizar um casamento em meio à pandemia. “Já tínhamos pensado em fazer uma cerimônia quando a pandemia acabasse, pensamos em aguardar, mas queríamos tentar adiantar a parte burocrática”, afirmou, reforçando que eles queriam algo diferente, mas não sabiam o quê. 

Então eles encontraram uma startup chamada Wedy que, além de disponibilizar site para os noivos fazerem listas de presentes, por exemplo, também oferecia serviço de transmissão virtual dos casamentos. Após acertarem os detalhes, 19 de junho foi o grande dia. Os dois foram até o cartório para oficializar o casamento, mas a transmissão começou ainda quando estavam em casa. “Somos muito próximos das nossas mães, então escolhemos transmitir para que pudessem acompanhar mesmo de longe. As duas se arrumaram e foram para a frente do computador.”

A cerimônia virtual contou com a presença de 50 convidados, entre amigos e familiares, inclusive um amigo do casal que mora na Alemanha. “Foi muito emocionante e, no final do casamento, estava todo mundo chorando, foi um momento especial para nós e melhor ainda foi ter a oportunidade de compartilhar com as pessoas que a gente ama.” A situação foi descrita por Camila como doida. “Imagina casar no meio da pandemia e ainda transmitir on-line? Foi um webcasamento, mas foi muito bom e valeu muito a pena.” Ainda assim, uma festa após a pandemia não está descartada pelo casal. “Queremos muito abraçar todas essas pessoas”, garantiu. 

Foto: Bruna Fank/Divulgação

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895