Perto da liderança nas Indicações Geográficas

Perto da liderança nas Indicações Geográficas

O Rio Grande do Sul detém até este ano um total de 14 IGs de produtos ou serviços regionais destacados pelo Ministério da Agricultura, apenas duas a menos que o estado de Minas Gerais, atualmente com 16

A carne produzida no Rio Grande do Sul dentro do bioma Pampa é um dos cases destacados pelo Ministério da Agricultura no sistema de Identificação Geográfica nacional, sendo reconhecida pelo sabor e qualidade, o que abre mercados diferenciados

Por
Camila Pessoa*

Com 14 Indicações Geográficas (IGs) que identificam a origem de produtos característicos regionais, o Rio Grande do Sul, é o segundo estado brasileiro com mais IGs, perdendo apenas para Minas Gerais, que tem 16. Para registrar a relevância e proatividade do Estado na criação dessas indicações, e incentivar outras regiões a fazerem o mesmo, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou, em abril, o livro “Indicações Geográficas do Rio Grande do Sul: registradas até março de 2021”, que traz um compilado de artigos de representantes de instituições parceiras neste processo e produtores vinculados às IGs. Os artigos destacam produtos como o couro acabado do Vale dos Sinos, os doces de Pelotas, a carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, o arroz do Litoral Norte, os vinhos e o queijo artesanal serrano.

A publicação editada pelo Mapa destaca a história de algumas das mais importantes Indicações Geográficas já obtidas pelo Estado, como é o caso da carne do Pampa Gaúcho e dos vinhos do Vale dos Vinhedos. Para a pesquisadora em desenvolvimento rural do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) Larissa Bueno Ambrosini, essas indicações não só remetem a aspectos físicos característicos de seu território de origem, como clima, vegetação e paisagem, mas também representam a cultura e a história de cada lugar. Nos exemplos da carne e do vinho, respectivamente, realçam a tradição do Rio Grande do Sul na bovinocultura de corte e a presença e importância da imigração italiana.

As Indicações Geográficas são reconhecimentos concedidos pelo governo para distinguir produtos ou serviços intrinsecamente ligados ao seu local de origem. Isso agrega valor a esses bens e os diferencia de outros produtos similares no mercado, o que reverte em visibilidade e rentabilidade para o produtor. “O reconhecimento desses saberes como traços culturais e identitários vem de longa data, mas contemporaneamente, vemos um movimento forte de valorização de produtos alimentares e saberes enquanto bens culturais que merecem ser salvaguardados, protegidos”, observa Larissa Ambrosini. A pesquisadora cita outros benefícios econômicos e sociais das IGs, como a melhora da organização social dos produtores, pois seu registro gera uma necessidade de gestão coletiva; valorização do território, em especial no fomento do turismo local; e preservação de conhecimentos tradicionais. 

Para criar IGs, as associações de produtores devem abrir um processo específico no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), uma vez que elas não são concedidas a particulares. “Tal como a legislação europeia, a brasileira é fundamentada sobre a proteção pública e trata a IG como um bem coletivo, que pertence e deve ser gerido pela comunidade que detém o saber-fazer”, detalha Ambrosini. Para validar a IG, a associação deve apresentar um estudo com a delimitação da área de produção, a caracterização desse local, as características e especificidades do produto e sua relação com o território que é apontado como origem.

Mesmo ainda ocupando o segundo posto no ranking de unidades da federação com estas indicações, o Rio Grande do Sul pode atingir em breve a liderança nacional. Novos processos de registro, em trâmite no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), podem mudar essa posição em breve, assim como pesquisas neste sentido desenvolvidas em diferentes regiões do Estado ou à espera de associação de produtores para oficialização da candidatura.

Uma dessas possibilidades é o registro da IG do vinho dos Campos de Cima da Serra, região que compreende os município de Bom Jesus, Cambará do Sul, Campestre da Serra, Capão Bonito do Sul, Esmeralda, Ipê, Jaquirana, Lagoa Vermelha, Monte Alegre dos Campos, Muitos Capões, Pinhal da Serra, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes e Vacaria. O pesquisador da Embrapa Uva e Vinho Jorge Tonietto é um dos participantes no trabalho de pesquisa em parceria com um grupo de produtores voltados a esse objetivo. Segundo Tonietto, o diagnóstico da Embrapa é de que é possível criar uma IG para a região. Para isso, diz ele, as próximas etapas são estudar o clima e o solo dos Campos de Cima da Serra e montar um sistema de controle do que é produzido, para então mandar um pedido de registro ao Mapa.

Um outro estudo, para o registro de Indicação de Origem da erva-mate do Alto Taquari, está para ser iniciado no segundo semestre deste ano, por pesquisadores da área de Desenvolvimento Rural, Solos, Agrometeorologia e Meteorologia do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA) da SEAPDR. Os pesquisadores pretendem produzir resultados para embasar um dossiê que vai ser usado pelos produtores da região para obter a IG, como informa Larissa Ambrosini. 

Já em trâmites para obtenção de registro no INPI, a Identificação de Origem do espumante natural de Altos de Pinto Bandeira está quase concluída. Além dela, o Estado trabalha para conquistar a IG do abacaxi de Terra de Areia, cultivo tradicional do Litoral gaúcho, que tem pesquisas finalizadas pela Secretaria de Agricultura, as quais atestam sabor e doçura da fruta obtidos a partir de variações específicas de solo e temperatura da região onde é plantado. 

Pioneirismo do vinho introduziu as IGs

Portugal e França foram os primeiros países a estabelecerem requisitos para indicação de origem de vinhos e espumantes com o objetivo de proteger a reputação das bebidas fabricadas em suas regiões

A região do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, foi a primeira do Estado a obter a Indicação Geográfica, em 2002, num processo que levou sete anos para ser concluído, conforme o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho Jorge Tonietto. Foto: Gilmar Gomes / Especial / CP Memória

As origens das Indicações Geográficas (IGs) remontam ao século 18, quando foi criada a IG do vinho da região de Douro, em Portugal. O objetivo da distinção era proteger a reputação dos vinhos da região, como explica a pesquisadora em desenvolvimento rural do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) Larissa Ambrosini. A Indicação Geográfica da época já continha critérios de caracterização e de identificação de fraudes parecidos com os usados atualmente. “Esse sistema inspirou o modelo francês, que foi instituído pelo mesmo motivo: proteger a qualidade de alguns vinhos”, diz Ambrosini. Criado em 1905, o modelo francês deu origem às famosas IGs Champagne e Cognac, em 1908. 

Esse pioneirismo dos produtores de vinho também ocorreu no Brasil, onde a IG do Vale dos Vinhedos foi a primeira a ser reconhecida, em 2002. O pesquisador da Embrapa Uva e Vinho Jorge Tonietto trabalhou por esse reconhecimento desde o início do processo, em 1995. De acordo com Tonietto, é em razão desse pioneirismo que o Estado está à frente em quantidade de IGs registradas. “Quando o Vale dos Vinhedos foi reconhecido, a região começou a se notabilizar por esse trabalho e produtores de outras regiões se interessaram e demandaram a Embrapa para ter esse reconhecimento”, conta o pesquisador. 

Tonietto ressalta a importância mundial das Indicações Geográficas para a proteção dos vinhos, o que motivou interesse e tornou o Vale dos Vinhedos o primeiro a reivindicar a IG. Para o pesquisador, o Brasil ainda está em etapa de consolidação das indicações e de reconhecimento da distinção dos vinhos produzidos em território nacional. “O Brasil abriu para a importação de vinhos nos anos 1990, com isso passou a ser importante que os vinhos brasileiros ganhem mais respeito no Brasil, para fortalecer e dar competitividade à produção nacional”, destaca o pesquisador. 

O pesquisador lembra, ainda, que o consumidor vem buscando tomar vinhos que ele acredita que são de melhor qualidade, e ressalta que o vinho não é uma commodity, no sentido de que tudo é igual, e cada marca sempre traz para o consumidor uma descoberta. Segundo Tonietto, cada vinho se diferencia por suas técnicas de produção, solo e variedades de uvas próprios, por isso é importante que as IGs sejam reconhecidas.

Ao mesmo tempo, comenta o pesquisador, há um processo pelo qual o produtor precisa passar antes de adquirir o selo, com avaliações e especificações que abrangem qualidade da uva, técnicas exigidas para preservação da qualidade e controle sensorial da bebida. “A Indicação Geográfica procura levar as garantias de origem e qualidade justamente para que esse nome tenha imagem preservada em benefício de um conjunto de produtores”, esclarece Tonietto.

*Sob supervisão de Nereida Vergara

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895