Polarizada, nova Câmara é palco de vitórias de Melo

Polarizada, nova Câmara é palco de vitórias de Melo

Por
Flávia Simões*

Nos primeiros meses de trabalho da atual legislatura da Câmara de Porto Alegre, os projetos do Executivo dominaram a pauta. Com reformas consideradas polêmicas, como a da Previdência, em discussão, os vereadores – tanto da base, como os independentes e os da oposição – divergiram entre si sobre as propostas do governo de Sebastião Melo (MDB).  Dos 14 projetos enviados pelo governo e que foram à votação, todos foram aprovados – e, alguns, com uma larga maioria dos votos, garantindo 100% de aprovação. No entanto, no plenário, o tom combativo dos parlamentares de linhas ideológicas diferentes tornaram as sessões, muitas vezes, tensas. E, para os próximos meses, com a mobilidade urbana em pauta, a tendência é que o clima se mantenha, ou até piore.

A reportagem integra uma série de matérias especiais que o Correio do Povo publica sobre o primeiro semestre de trabalhos no Legislativo porto-alegrense em 2021.

Assumindo em meio à pandemia, os 36 vereadores iniciaram os trabalhos de forma remota e só em maio foi possível o retorno, em formato híbrido, ao plenário Otávio Rocha. Apesar da quantidade significativa de propostas apresentadas pelos vereadores, cerca de 350 segundo o último levantamento da Diretoria Legislativa, foram sobre as proposições do Executivo que eles mais se debruçaram ao longo destes sete primeiros meses.

Dentro do plenário, essas propostas movimentaram os ânimos e foram precursores de embates desde o início dos trabalhos. A Reforma Administrativa, aprovada com 24 votos favoráveis e 10 contrários – placar, aliás, que se repetiu, mais de uma vez, ao longo das votações – foi motivo de confronto entre base e oposição. O mesmo ocorreu durante as discussões acerca do projeto que acabou com o monopólio da Procempa e o da Reforma da Previdência, aprovada, em segundo turno, no início do mês.

Com uma ampla base, o governo Melo, diferente do seu antecessor, não tem encontrado grandes dificuldades dentro do Legislativo. Apesar do expressivo número de vereadores de base – 17 no total, o líder do governo, Idenir Cecchim (MDB), atribui a boa relação a uma construção feita “na base do diálogo”, mesmo com as críticas da oposição que, segundo ele, “entendem que diálogo é só fazer o que eles querem”.O presidente da Casa, Márcio Bins Ely (PDT), que faz parte dos independentes, concorda com  Cecchim. “Tem se mostrado um governo de diálogo”, diz.  Na outra ponta, contudo, as avaliações são outras. Para o líder da oposição, Pedro Ruas (PSol), o diálogo que o governo vem fazendo é unilateral. “Só dialoga com os seus.”

Essa relação espinhosa com os partidos de oposição foi um dos motivos que levou os parlamentares a recorrerem ao Judiciário, mais de uma vez, contra Melo. A primeira, em fevereiro, resultou na proibição da distribuição, pela prefeitura, dos remédios do chamado “kit Covid”. Mais recentemente, no pedido de representação endereçado ao Ministério Público, em que alegam que o prefeito teria cometido crime de prevaricação, após a recusa em fiscalizar o cumprimento das medidas sanitárias, instituídas no decreto municipal, durante o ato realizado na Capital, no início de julho, que teve a participação do presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. 

Embates acirrados dentro e fora de Plenário

Vereadores discutem durante a primeira sessão do ano. Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA / CP

Adiantando o que estava por vir, a posse da nova legislatura, no 1º dia do ano, teve um início turbulento. Em uma sessão que demorou mais do que o esperado, os vereadores de oposição, independentes e da base encabeçaram uma calorosa discussão sobre a composição da Mesa Diretora. Em um bloco previamente formado, dos seis cargos da presidência, nenhum foi para a oposição. O movimento foi acusado de ser um desrespeito à proporcionalidade prevista em regimento e fez com que os vereadores do PCdoB, PT e PSol se retirassem do plenário durante as votações para as Comissões. 

Em reação, os partidos da oposição recorreram ao Judiciário e garantiram um cargo na Mesa. A manobra se deu da seguinte forma: para acomodar um integrante da oposição, sem que fosse necessário retirar da Mesa alguém da base, foi criada uma 4ª secretaria. Nas danças das cadeiras, a vereadora Laura Sito (PT) ficou com a vaga da 3ª secretaria; e o cargo novo ficou com o vereador Clàudio Janta (Solidariedade). A articulação gerou uma enxurrada de críticas por parte de integrantes da base e movimentou o plenário Ana Terra, onde ocorria a sessão. A judicialização por parte da oposição se repetiu em outra ocasião e adiou a votação, em março, da quebra do monopólio da Procempa. 

Ao longo dos meses, os embates também seguiram dentro e fora da Câmara. Pelas redes sociais, mais de uma vez, os vereadores trocaram acusações diretas entre si. Em plenário, não foi diferente. Vereadores já zombaram de vídeos feitos por opositores e houve discussões com dedo em riste. Inclusive, numa das situações, foi necessário que seguranças afastassem os vereadores, como ocorreu na discussão entre Roberto Robaina (PSol) e Mauro Pinheiro (PL). Em discursos na tribuna também ocorreram acusações e críticas endereçadas nominalmente. 

O  caso mais recente envolveu o vereador Felipe Camozzato (Novo) e a vereadora Mônica Leal (PP). Após a manifestação da vereadora do Progressista, no microfone de apartes, em que ela criticava uma publicação de Camozzato, sobre a aprovação da proposta da Mesa Diretora que autorizava a contratação de estagiários, o vereador chamou a colega de “histérica” no chat interno dos vereadores. A fala mobilizou tanto integrantes da base quanto da oposição, que declararam apoio à Mônica e repudiaram a atitude considerada “machista” por alguns. 

Também envolvendo a bancada do Novo, em abril, após o vereador Jonas Reis (PT) encaminhar um áudio a um grupo de trabalhadores em que ele orientava aos servidores que, caso algum parlamentar aparecesse nas escolas e desacatasse algum trabalhador, eles poderiam lhe dar voz de prisão e “fazer uso da força policial”. Mesmo sem citar o seu nome, o comentário foi endereçado à vereadora Mari Pimentel (Novo), que vinha fazendo visitas às escolas naquela época. Em reação, a bancada do Novo solicitou uma interpelação judicial, que não foi respondida por Reis. A partir disso, estudam agora mover uma ação dentro da Casa alegando quebra de decoro parlamentar por parte do petista. 

O clima acirrado do dia a dia no Legislativo também ficou evidenciado em um ofício, assinado por vereadores da base e independentes, no qual eles criticam como “omissa” a condução dos trabalhos pela presidência da Casa. “Recebo críticas como uma ação positiva, sempre vamos aperfeiçoando as condutas. Procuro fazer uma gestão democrática que não será voltada para a força política. Talvez quem me critique seja quem não consegue me manipular. Quem estiver insatisfeito com certeza não está se referindo a uma crítica por omissão ou falta de participação”, justifica o presidente da Casa, Márcio Bins Ely. "Seguiremos trabalhando com isenção. Se grito resolvesse, o porco não morria”, completou.

Um passa tudo, o outro quase nada

Os vereadores comemoram a aprovação do projeto de Reforma da Previdência. Foto: Ederson Nunes / CMPA / CP

Somando vitórias e com uma larga vantagem, a base, assim como Melo, avaliam que o primeiro semestre no Legislativo fechou no saldo positivo. “Aprovamos reformas que são necessárias e eram muito urgentes para a cidade”, classifica o líder do governo, Idenir Cecchim. Para ele, foram meses “muito produtivos”. Por parte da presidência da Casa, a perspectiva é a mesma. Com mais de 150 projetos apreciados em plenário, o presidente da Câmara, Márcio Bins Ely, avalia os primeiros meses como “de intenso trabalho”. 

Do outro lado, porém, o saldo é visto como devedor. Classificado como “muito negativo” pelo líder da oposição, Pedro Ruas, as principais críticas quanto à conduta de Melo se referem à ausência de projetos no combate à pandemia. Segundo ele, a única proposta enviada – e aprovada em 72 horas, um tempo recorde –, que poderia ter efeitos reais neste caso, foi a autorização para a compra de vacinas. “O único projeto que ele (Melo) encaminhou resultou em zero. Ele não teve nenhuma atitude na busca de compra da vacina”, avalia Ruas. 

O líder da oposição amplia as críticas: “Esse primeiro semestre é marcado por uma negação dos efeitos brutais da pandemia. Eu elogiaria o prefeito com a maior tranquilidade se ele enviasse projetos no combate à pandemia, e a gente aprovaria. Mas ele não encaminha. Eu lamento”.  

Dos 38 projetos de autoria de vereadores que foram votados nos sete primeiros meses, cinco foram da Mesa Diretora; 18 foram apresentados por integrantes da base e oito, por independentes. Todos foram aprovados. Enquanto isso, a oposição conseguiu levar sete dos seus projetos para votação e desses, só um foi aprovado. “Isso é determinação do Executivo. Essa linha do radicalismo, não deixa aprovar nada”, denuncia Ruas. “Ele (Melo) se baseia em uma maioria matemática real e ignora toda a ideia da democracia.”

Na prática, apesar da renovação dentro do Parlamento e do aumento da representatividade dos partidos de oposição – uma vez que tanto o PSol quanto o PT compõem duas das três maiores bancadas da Casa, com quatro vereadores cada – eles ainda perdem para o conjunto total. O que se agrava considerando que na maioria das vezes os vereadores independentes, ou seja, que não são da base governista oficialmente, têm votado ao lado do Executivo. Por exemplo, na Reforma Administrativa, o placar foi de 25 a 10. Dos 25, nove são dos independentes. O placar se repetiu durante a votação que quebrou o monopólio da Procempa e, mais recentemente, no Recupera PoA.

“O que a gente procura fazer é trabalhar com emendas, só que não tem tido ressonância. A base cumpre o que o prefeito define”, explica Ruas, dando como exemplo a emenda proposta – que não foi aprovada – ao projeto Recupera PoA, que propunha um teto de renda às empresas que tivessem as suas dívidas perdoadas ou parceladas. “O projeto do prefeito é antidemocrático: é transformar a Câmara, que é um poder legislativo histórico, em uma instância homologatória. Simplesmente homologa o que o prefeito quer. Não tem nada mais antidemocrático que isso”, lamenta Ruas. “É uma tristeza isso.”

O líder da oposição, Pedro Ruas, critica a maneira de dialogar do governo Melo. Foto: Ederson Nunes / CMPA / CP

O líder do governo, porém, rebate e diz que este processo é natural. Segundo ele, as matérias não foram aprovadas porque eram projetos “que nem não mereciam ser apreciados”. Cecchim alega que muitas das propostas enviadas pela oposição eram leis já existentes ou que já haviam sido protocoladas pelo Executivo. “Colocar ovo no ninho dos outros”, classifica o emedebista. 

Segundo ele, os projetos não são bons e acabam não sendo aprovados. “Não é por falta de maioria que a oposição não aprova, é porque os projetos não são bons”, diz, reforçando que alguns projetos seriam a favor de determinados sindicatos ou entidades, ao invés do que é bom para a cidade: “Muitos projetos que aprovamos não são simpáticos para a população, mas são necessários para a cidade”.

Líder do governo na Casa enaltece as vitórias em plenário. Foto: Ederson Nunes / CMPA / CP

Índice de apoio

Segundo os dados fornecidos pela Diretoria Legislativa da Câmara, dos 14 projetos do Executivo que foram deliberados, em apenas nove deles a votação ocorreu em formato nominal. Os demais foram aprovados em votação simbólica, por isso não possuem a planilha, disponibilizada pela Câmara, com os votos de cada parlamentar. Alguns projetos, como a autorização para compra de vacinas pelo Executivo, contou inclusive com os votos da oposição.

Na tabela a seguir, constam, além dos 36 titulares, dois vereadores suplentes: Reginete Bispo (PT) e Conselheiro Marcelo (PSDB). A vereadora petista assumiu durante quatro meses, no lugar de Laura Sito, e votou: a quebra de monopólio da Procempa; programa CREATIVE; primeiro e segundo turno da Reforma da Previdência; as alíquotas da Previdência e o Recupera PoA. Já o tucano Conselheiro Marcelo, na suplência de Kaká D'Ávila, votou com a base no primeiro e segundo turno da Previdência, nas alíquotas e no Recupera PoA.   

Assim, estabeleceu-se valores de 0% a 100%, sendo 100% quem votou com o governo todas as vezes e 0% quem não votou nenhuma das ocasiões. O índice realizado leva em consideração os votos dos vereadores nos nove projetos que foram apreciados nominalmente. São eles:

  • Reforma Administrativa (PLCE 001/21)
  • Reforma Administrativa (PLE 001/21)    
  • Isenção às empresas de ônibus (PLCE 002/21)    
  • Quebra de monopólio da PROCEMPA (PLE 003/21)    
  • Programa CREATIVE (PLCE 003/21)    
  • Reforma da Previdência (PELO 002/20) 1º turno    
  • Reforma da Previdência (PELO 002/20) 2º turno    
  • Reforma da Previdência - Alíquotas (PLCE 018/20)    
  • Recupera POA (PLCE 004/21)

O imbróglio da previdência

Airto Ferronato (acima) garantiu o voto que aprovou a Reforma da Previdência. Ramiro Rosário (abaixo) em um gesto de crítica à oposição. Fotos: Elson Sempé Pedroso e Ederson Nunes / CMPA / CP

Apesar de não ter encontrado grandes resistências dentro do plenário, o projeto que pautou boa parte do primeiro semestre foi o mesmo que causou mais dificuldade ao governo. Por se tratar de um projeto que alterava a lei orgânica do município e, com isso, necessitar de dois terços do Parlamento, 24 dos 36 vereadores, o caminho para a conquista dos votos foi espinhoso. Com uma base de 17 vereadores e o apoio de quase todos os independentes, o prefeito foi negociando o texto – desarquivado do governo de Nelson Marchezan Júnior, seu antecessor – e realizando uma série de alterações a fim de atender a pedidos da categoria e demais parlamentares.

O problema, contudo, se deu na conquista pelo voto final. Com a bancada do PDT, formada por dois integrantes, impedida de votar favorável em função de uma decisão da executiva municipal, e uma posição assertiva do vereador Airto Ferronato (PSB) de que não seria o 24º voto, o governo deu uma última cartada: protocolou uma proposta que alterava as alíquotas de contribuição, para servidores ativos, inativos e pensionista, para os valores máximos de até 22%. A medida foi anunciada por Melo em seu discurso no plenário.

O prefeito, na última última tentativa de reverter o voto dos vereadores, passou uma tarde na Câmara e alertou, em tom urgente, que sem a reforma, os salários do funcionalismo poderiam sofrer atraso, já que ele iria “pagar tudo que fosse preciso antes”. O movimento foi duramente criticado pela oposição e foi acusado de “chantagem”. 

Já os parlamentares favoráveis ao projeto, passaram a circular pela Casa, no início de junho, utilizando adesivos com os dizeres “sim aos 22% de alíquotas”, acusando a oposição de  ser responsável pelo futuro aumento das alíquotas. Ainda para ganhar tempo, retiraram o quórum durante duas semanas consecutivas, três sessões ao todo, para evitar que a previdência fosse votada – já que ela estava como pedido de urgência e, portanto, trancava a pauta. 

Por fim, após a derrota autodeclarada do governo e com o projeto das alíquotas prestes a ser votado, líderes de entidades ligadas ao funcionalismo se reuniram e fecharam acordo optando pelo “dos males, o menor”. Com isso, Ferronato, em ampla articulação, deu o último voto necessário e, novamente, o governo conquistou a aprovação – mesmo que no limite – do projeto que pautou boa parte dos primeiros meses. A virada do vereador socialista foi duramente criticada pela oposição e líderes de sindicatos, que tentaram, até o final, reverter seu voto.

Conforme prometido, a proposta de elevação das alíquotas foi retirada da pauta e novos pontos foram adicionados ao projeto de lei complementar – graças ao vereador do PSB – que foi aprovado em uma das últimas sessões do semestre. O prefeito, que já tinha aceitado a derrota, conferiu ao vereador socialista os créditos. “É importante dizer que as conquistas vieram no processo que deve-se aos 24 vereadores, mas as últimas se devem muito ao Ferronato. Teve a atitude correta que foi olhar para o conjunto da cidade”, disse. 

Um peso, duas medidas?

Vereador Moisés Barboza compara a relação executivo e legislativo da gestão anterior. Foto: Jeannifer Machado/CMPA

O governo Melo reapresentou, no mínimo, três importantes projetos da gestão de Marchezan: Reforma da Previdência, alíquotas da Previdência e monopólio da Procempa. Apesar de algumas alterações, a essência dos textos seguia na mesma linha. A diferença é que todos foram aprovados, inclusive por vereadores que na antiga gestão foram contrários. O feito tende a se repetir no próximo semestre com o pacote de projetos sobre o transporte público da Capital, que também foram propostas pelo seu antecessor. Assim, uma das grandes diferenças, a se confirmar, é que o emedebista conseguiu a aprovação de projetos que Marchezan não. 

Para o líder do PSDB, vereador Moisés Barboza, que estava na gestão passada, o motivo é só um: puramente político. Barboza explica que quando as propostas foram enviadas ao Legislativo estavam “contaminadas” pelas eleições. “O objetivo era desgastar um oponente eleitoral. E não falo de um grupo só. Falo tanto da oposição, que estava aglutinada desde o início e durante os quatro anos foi aguerrida contra o prefeito Marchezan, mas também de alguns outros adversários. Faz parte do processo político”, analisa.  

Com as eleições municipais, o último ano da gestão de Marchezan foi marcado pelas disputas eleitorais, além das críticas de que ele não dialogava com os vereadores. O tucano tentou a reeleição enquanto enfrentava um desgaste político cada vez maior na Câmara, em função da abertura e do andamento do pedido de impeachment. Nesse cenário, o então prefeito do PSDB não conseguiu avançar em nenhum projeto enviado ao Legislativo. Na disputa eleitoral, Marchezan teve Melo, que contava com a maior coligação, como um dos adversários mais próximos, inclusive acabou perdendo a vaga para o segundo turno para o emedebista.

Agora, com o encaminhamento de pautas do antigo governo, Melo segue mantendo o apoio da bancada tucana e levando o voto dos quatro vereadores, que integram o grupo de sete vereadores independentes. “Se os projetos são a sequência dos projetos do Marchezan, nós, por óbvio, vamos aprovar. A bancada perdeu a eleição mas não pode perder a coerência”, disse Barboza. 

Por ora, a relação entre o Executivo e o Legislativo também mudou de um governo para o outro. Enquanto Marchezan terminou o mandato com poucos aliados, Melo tem uma ampla base e segue com o apoio dos independentes, como o PSDB. Essa relação, para o ex-líder da oposição na gestão do tucano, Roberto Robaina (PSol), é o que ele chama de “jogo do Centrão”, tendo como base a política da concessão de cargos em troca de aprovações. 

“Tanto o Melo quanto o Marchezan transformaram o Legislativo em um reprodutor dos seus interesses e do seu programa, que tem sido um ataque ao pobre e ao serviço público. É uma combinação do Centrão no Executivo e do bolsonarismo no Legislativo”, pontuou. “Talvez o único mérito do Marchezan fosse esse, ele não era tão ativo nesse sentido”, criticou, fazendo referência a concessão de cargos.

O que está por vir?

Sessões híbridas deverão permanecer no segundo semestre. Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA / CP

Além da privatização da Carris, os demais projetos que compõem o pacote de reestruturação do transporte público na Capital deverão dominar a pauta na retomada dos trabalhos legislativos, na primeira semana de agosto. Apesar do polêmico assunto já ter sido pauta durante a gestão anterior, o líder do governo, Idenir Cecchim, aponta que a crise no transporte público “já vinha cambaleando por muitas razões”, e, portanto, precisa de medidas efetivas o mais rápido possível. “Não tem outra saída”, diz. 

Entre as propostas já definidas está o projeto que propõe a revisão nas isenções e gratuidades. Segundo o governo, atualmente, 30% dos usuários não pagam tarifa, representando o maior índice do país. Com a revisão das isenções, o Executivo acredita que poderá ocorrer uma redução no valor da tarifa de R$ 0,21. 

A extinção da função de cobrador, proposta que foi apresentada pela gestão anterior e rejeitada, no prazo de quatro anos é ponto definido. Considerando o cenário atual, apenas com a remoção dos cobradores que estão na ativa, a passagem seria reduzida em R$ 0,80. A proposta recebe críticas de trabalhadores. Uma série de questões estão sendo analisadas por Melo e secretários. 

Quanto à privatização da Carris, “é uma necessidade”, avalia o governo. “Tem dois motivos que fazem com que hoje tenhamos a passagem mais cara do Brasil: são os 30% de isenções e a Carris, que é uma empresa que encarece o sistema muito por ser uma empresa pública. Acho que o cidadão quer ter um transporte de qualidade. Ele não está preocupado se a empresa é pública ou privada. Quer um transporte que caiba no bolso dele. Então estamos muito convencidos que é muito importante para a cidade que a Carris possa ser vendida”, explica o prefeito Sebastião Melo, ao defender o projeto. 

Mas não será um caminho fácil. As alternativas apresentadas pelo governo para a companhia, no momento, são a privatização total, ou, no caso da falta de interesse do mercado, a liquidação, por lotes ou individualmente, das 21 linhas da Carris. Neste caso, os funcionários passariam por um plano de demissão, o município assumiria as dívidas remanescentes e os bens da empresa seriam vendidos. O assunto faz com que, além da oposição em plenário, o governo encontre resistência nas ruas também, e trabalhadores da categoria  já iniciaram suas mobilizações. 

Na mesma linha de Cecchim, o líder do PSDB, Moisés Barboza, prevê que será “uma peleia difícil”. “Vai ser um grande desafio e a Câmara vai ter um grande problema. A pauta (do transporte) é a mesma (que a do governo Marchezan). Espero que (alguns vereadores) revejam os seus posicionamentos, porque se forem contra só porque era o nosso governo, que agora eles se sintam, pelo menos, mais confortáveis em votar com o que é melhor para cidade”, avalia. 

A oposição, contudo, se mantém confiante em uma mudança no tom das discussões no segundo semestre. “Nossa esperança é que mude e nós vamos lutar por isso. Para que o prefeito perceba as reais dificuldades do nosso povo em Porto Alegre”, afirma Pedro Ruas.

Apesar de desgastante, o momento para tratar do tema é oportuno. Segundo a colunista política do Correio do Povo, Taline Oppitz, o tema da mobilidade urbana deve ser encarado no primeiro ano de mandato, quando o aval que o gestor obteve nas urnas ainda lhe garante um reforço político. “Isto porque, quanto mais o tempo passa, maior o desgaste no Legislativo”, aponta. 

Mesmo com uma ampla base aliada - a maior dos últimos tempos -, não existem garantias, relembra Taline, fazendo referência à proposta da Reforma da Previdência que, apesar do resultado favorável, enfrentou dificuldades até conseguir os votos necessários para ser aprovada. Além disso, a proximidade com o calendário eleitoral “é um ingrediente que não pode ser subjugado em todo o cenário que vai ser enfrentado pelo governo Sebastião Melo na Câmara dos Vereadores no segundo semestre deste ano", avalia. 

Com as eleições gerais de 2022, apesar de não sofrerem um impacto direto, os vereadores possuem um papel estratégico, seja em função das suas próprias aspirações políticas ou no apoio aos seus candidatos na disputa eleitoral.

O primeiro semestre do Legislativo em números: 

Em 68 sessões, foram 157 matérias apreciadas em plenário. Destas 55 eram projetos, 93 requerimentos e 4 vetos. 

Dos projetos, 15 foram de autoria do Executivo e 40 do Legislativo, sendo 5 de autoria da Mesa Diretora, 18 de integrantes da base, 8 de independentes e 7 da oposição. 

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), realizou 26 sessões e emitiu o parecer de 98 projetos.

Expediente
Texto: Flávia Simões 
Supervisão: Mauren Xavier 
Ediçao: Mauren Xavier e Tiago Medina 
Gráfico: Giullia Piaia 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895