Privatização em meio a batalha judicial

Privatização em meio a batalha judicial

O leilão da Corsan está previsto para esta terça-feira, na Bolsa de Valores (B3), em São Paulo. Concretizada a operação, haverá diferentes impactos entres os municípios gaúchos e as incertezas ainda são grandes

Por
Mauren Xavier

Em meio a discussões e batalhas jurídicas, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) poderá ser vendida, durante leilão, na Bolsa de Valores (B3), em São Paulo, nesta terça-feira. Na quinta-feira passada, a confirmação de que a companhia recebeu interessados foi mais um passo para concretizar a operação. Porém, no mesmo dia, nova liminar, desta vez na Justiça do Trabalho, suspendeu o leilão. Governo irá recorrer. Ampliando as incertezas. Confirmada a venda, haverá impactos diferentes nos municípios atendidos pela companhia e as incertezas são grandes. 

Apesar de ter prometido na campanha de 2018 que não venderia a Corsan, o então governador Eduardo Leite (PSDB) mudou de posição e, em março de 2021, anunciou a desestatização da companhia. A decisão teve como base aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção presidencial do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. A legislação estabeleceu, entre outras coisas, metas de universalização dos serviços até 2030, além de aumentar espaço para a participação da iniciativa privada. Assim, no caso do Rio Grande do Sul, o governo diz que a companhia não teria condições de cumprir as metas e a desestatização seria o caminho. O primeiro projeto envolveria a venda de ações na Bolsa de Valores. Após contestações e apontamentos do Tribunal de Contas do Estado, o governo mudou a maneira da negociação e optou pela venda integral da companhia. 
Foi neste panorama que se deu uma das mais recentes batalhas jurídicas envolvendo a venda da empresa. Com a data do leilão marcada e anunciada, o Sindiágua-RS conseguiu uma liminar no Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS) suspendendo o processo no último dia 9 de dezembro. A base da ação era de que, com a venda, o Estado ficaria “sem nenhum órgão de execução do saneamento básico, o que viola o artigo 249 da Constituição Estadual”. “O governo deve repensar o que está acontecendo”, afirmou o presidente do Sindiágua, Arilson Wünsch.

Apesar da suspensão judicial, o governo, por meio da Procuradoria-Geral do Estado, conseguiu derrubar a liminar no TJ-RS seis dias antes do leilão. O desembargador Alexandre Mussoi Moreira acatou os argumentos do governo, revendo a decisão inicial. Apesar disso, a assinatura do contrato de venda, concretizando a operação, só deverá ocorrer após análise em plenário do processo, o que pode representar uma preocupação aos possíveis investidores. 

Uma das contestações do Sindiágua foi a de que não haveria justificativas para a pressa na realização da operação. Além disso, para ele um dos impactos, caso a operação seja concretizada, é a elevação da tarifa paga pelos usuários. “A Corsan tem imunidade tributária (por ser empresa pública). O valor do aumento (com a cobrança dos impostos) será repassada ao contribuinte”, acredita. Apesar da ponderação, em audiência pública, no início de novembro, o presidente da Corsan, Roberto Barbuti, disse que a privatização poderá reduzir o valor, diante da melhoria da prestação do serviço, reduzindo perdas. “Trará impactos altamente positivos, inclusive em termos socioambientais. Isso vai mudar o patamar da prestação do serviço de saneamento, permitindo avanços na lucratividade e na contenção de perdas, beneficiando o consumidor final”, afirmou Barbuti, na oportunidade, ao lado de representantes do BNDES e da Genial Investimentos, que assessoram o Estado, respectivamente, na estruturação e na organização financeira do projeto.

O pedido para que o governo não realizasse nesse momento o leilão também partiu da bancada do PT na Assembleia Legislativa, tendo como justificativa a mudança no comando do governo federal. O líder da bancada petista, deputado Pepe Vargas, ressaltou que a nova administração federal acenou que pretende reabrir financiamentos públicos para obras em saneamento no país, que estavam suspensos. Também há a sinalização de que as metas estipuladas no Marco Legal poderiam ser revistas, porém, não há definição no momento. Assim, seria uma fonte para viabilizar os projetos necessários. 

A demanda foi apresentada e entregue ao governador Ranolfo Vieira Júnior (PSDB). Apesar da sinalização feita pela bancada, o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, que foi secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura no início da gestão, ponderou que existem decisões que não dependem apenas do governo eleito, mas de uma discussão no Congresso Nacional. Cita, por exemplo, o caso do financiamento público de estatais que encontra vedação na legislação. Lemos reforça ainda a necessidade do universo de investimentos no setor no país, e como, neste cenário, está a Corsan. “Mais do que ser pública ou privada, ela precisa levar esse serviço para a sociedade, o usuário, que terá como benefício, entre outros, o meio ambiente”. 

Nesta semana na Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização da Assembleia Legislativa, o tema voltou a ser discutido. Segundo o deputado Jeferson Fernandes (PT), uma das ponderações é que o valor de avaliação da companhia para a operação estaria abaixo do valor de mercado. Também destacou que muitos municípios não renovaram o contrato com a Corsan e que estariam ainda analisando fazer concessões com outras empresas. 

A questão da renovação ou atualização dos contratos dos municípios com a Corsan é um ponto levantado também pelo presidente do Sindiágua. Arilson Wünsch ressalta que 198 municípios que são atendidos pela companhia ainda não fizeram essa adesão. Dependendo da decisão dessas cidades, a companhia pode ser prejudicada. 

Criada em 1965, a Corsan atua em 317 das 497 cidades, por meio da realização de estudos, projetos, construção, operação, exploração e ampliação dos serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário. A estimativa é de que cerca de 6 milhões de pessoas sejam atendidas. A venda também encerra a trajetória pioneira da companhia, criada na década de 60 com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população por meio do abastecimento de água e tratamento de esgoto, em um momento que o assunto ainda engatinhava. Segundo traz a edição de 29 de março de 1966 do Correio do Povo, a companhia foi instalada pelo então governador Ildo Meneghetti, que destacou a sua importância para o Estado por ter condições de resolver problemas relacionados a abastecimento de água e esgotamento. Passadas mais de cinco décadas, os desafios seguem, na prática, mais concentrados em relação ao esgoto. Em dados da companhia, a cobertura está em 20,1%.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895