Proteção e prevenção garantem produtividade

Proteção e prevenção garantem produtividade

Chegada do inverno exige mudanças na estrutura física e operacional da produção de aves e derivados para levar conforto térmico aos animais, manter a constância no fornecimento e não perder rentabilidade

Por
Camila Pessoa*

Ainda faltam alguns dias para o equinócio de 21 de junho, que marca oficialmente a chegada do inverno. Mas os avicultores, já acostumados com as tradicionais temperaturas de um dígito nessa época do ano, tratam dos últimos reparos e ajustes nas estruturas operacionais e financeiras para enfrentá-las. O desafio de manter a produtividade e a rentabilidade do negócio diante da alta sensibilidade térmica dos animais não é novo, mas fica ainda maior frente à elevação nos custos de produção.

Segundo o veterinário especialista em gestão do agronegócio e gerente agropecuário da Seara, Jovani Felipetto, o primeiro prejuízo observado quando não há controle de temperatura adequado na produção de aves está na perda de desempenho do animal. Assim, além de alcançar produtividade aquém da necessária para cobrir os custos com nutrição e manejo, o produtor perde o que investiu em genética e a uniformidade dos lotes. “Dependendo da severidade das condições climáticas, é possível que haja uma redução de mais de 100 gramas no peso médio final das aves que não tiveram ambiência adequada em comparação às que tiveram”, relata Felipetto. As baixas temperaturas também podem causar prejuízos sanitários, principalmente os provenientes das doenças respiratórias e das dermatoses. “Geralmente, o índice de dermatose gera de 5% a 6% de condenações na fiscalização federal”, alerta Felipetto. As partes condenadas são, então, retiradas das carcaças pelos agentes para que o problema não chegue à mesa dos consumidores. 

O pesquisador da Embrapa Suínos e Aves Paulo Abreu alerta que é fundamental manter as criações aquecidas no inverno, pois os animais precisam direcionar mais energia para seu sistema termorregulador. “Então, qualquer descuido, principalmente no início da criação, pode afetar a produção e levar a um prejuízo no final do lote”, explica. Enquanto a temperatura ideal do aviário, para o desenvolvimento dos animais adultos, fica entre 22ºC e 24ºC, para as aves com poucos dias de vida situa-se entre 32ºC e 34ºC. “Nos primeiros dias de vida, as aves não possuem sistema termorregulador desenvolvido. Assim, é preciso dar conforto térmico a elas”, destaca. Os cuidados devem abranger também os animais de corte e os de postura. “O frio na fase de desenvolvimento das aves retarda o atingimento da fase adulta”, lembra Felipetto. 

A complexidade material, técnica e operacional para controlar constantemente a temperatura dos aviários faz com que os avicultores tenham de adotar diferentes estratégias. Cada fase da vida do animal necessita de um perfil de ambiente específico, e cada galpão tem características distintas. Enquanto em galpões tradicionais a manutenção do equilíbrio térmico é feita de forma manual, em modelos mais modernos, como o “dark house”, ele se dá de forma automatizada e pode ser controlado à distância. “Esses modelos geram estabilidade”, diz Felipetto. Para isso, um software é abastecido com informações referentes a cada fase da vida das aves e, a partir daí, determina as condições ambientais. “No primeiro dia, você coloca a temperatura e vai mudando ao longo da vida da ave”, esclarece Felipetto. 

Uma das premissas ao se construir um sistema de criação é fazer com que a temperatura do aviário seja diferente da temperatura externa. Paulo Abreu indica que, para isso, haja a instalação de isolantes de poliuretano, de poliestireno, de lã ou de materiais similares sobre o telhado e, se possível, nas laterais do aviário. Outra prática recomendada, inclusive para que se tenha redução de gastos com calefação, é diminuir o volume de ar a ser aquecido por meio da utilização de forro na instalação. O pesquisador da Embrapa cita os aquecimentos a partir de madeira, gás ou elétricos e outros menos comuns, como os que utilizam biomassa e energia solar. 

Segundo Eduardo Etgeton, supervisor de Agropecuária para frango de corte da BRF na região de Lajeado, entre os produtores integrados da indústria, por exemplo, o material usado é sempre a madeira, variando entre os formatos de cavaco (galhos e troncos triturados), lenha convencional e pellet (combustível de biomassa feito a partir do beneficiamento da madeira). “É fundamental prestar atenção à qualidade da matéria-prima utilizada”, alerta. Felipetto destaca a eficiência do sistema à base de pellets, em que o material é colocado em silos e depois em caldeiras que se autoabastecem. “O pellet dá mais estabilidade e ajuda o produtor no período da noite, porque ele não precisa acordar para abastecer o sistema de aquecimento”, diz.

A vedação adequada do galpão também é fundamental ao controle térmico do plantel. Os materiais de vedação mais indicados são as lonas e as cortinas permeáveis e impermeáveis. No sistema dark house, o material, que é prateado por fora e branco (ou preto) por dentro, tem a função de refletir a luz solar e garantir o controle térmico da estrutura por meio da distribuição equalitária da luminosidade. Esse, assim como outros sistemas mais modernos, conhecidos como climatizados, utiliza a chamada “ventilação negativa”. O processo ocorre a partir de exaustores, em vez dos tradicionais ventiladores. Os equipamentos são ajustados para puxar o ar de fora e expulsar o ar saturado do aviário. Assim, eles renovam o ar e, se necessário, resfriam o ambiente, principalmente para aves mais velhas, que necessitam de temperaturas mais baixas.

Projetos de aquecimento são recomendados

Tecnologias disponíveis contemplam o uso de cortinas duplas de vedação dos galpões e sistemas a gás ou a lenha que garantam a renovação do ar no aviário de forma a não prejudicar a saúde dos animais

Perus são animais que não evoluíram da mesma forma que os pintos e necessitam de modelos de aquecimento que simulem o aconchego das aves com suas mães. Foto; BRF / Divulgação / CP

Construir para as aves mais jovens uma estufa ou uma área separada do aviário, com cortinas duplas, é uma das principais medidas recomendadas para proteger os pintos e manter a produção no frio. Essa área é conhecida como pinteiro. Que, na prática, segundo o médico veterinário e gerente agropecuário da Seara, Jovani Felipetto, “nada mais é do que mais cortinas para vedar o galpão e permitir maior concentração de ar, economizando em aquecimento”. O pesquisador da Embrapa Suínos e Aves Paulo Abreu aconselha que seja criada mais uma área dentro do próprio pinteiro para que as aves não sejam atingidas diretamente pela ventilação, que é essencial em todas as épocas do ano para a renovação do ar e proteção das aves contra gases tóxicos.

O aquecimento da área também pode ser feito a gás, combustível menos comum nas criações de frango, mas essencial para o início da vida dos perus de corte, que precisam de um aquecimento suplementar, com campânulas a gás distribuídas pelos galpões. De acordo com Felipetto, isso se deve à necessidade de haver um hot spot, ou “ponto quente”, no qual o animal se aninha, pela semelhança com o corpo de sua mãe. A explicação para isso, diz o gerente, é que, ao contrário do frango, o peru ainda não perdeu a necessidade de estar aquecido junto à mãe. E não se acomoda bem sem o substituto. Além disso, em granjas de recria de matrizes, o gás é utilizado para garantir a biosseguridade, uma vez que não é possível desinfetar a lenha e essas granjas devem respeitar padrões sanitários mais rigorosos. Há outra variação no aquecimento nos Estados Unidos, onde o propano é mais utilizado, por haver menos lenha disponível.

Mesmo com uma disponibilidade maior no Brasil, aqui este combustível também tem estado escasso. Esta é uma das principais dificuldades que os produtores enfrentam hoje para aquecer os galpões. “É um momento difícil porque choveu demais, a disponibilidade (da madeira) baixou e o preço subiu", diz Felipetto. Outra dificuldade citada é a defasagem de tecnologia nos galpões, “principalmente em propriedades antigas, que têm fornalhas que queimam muito mas não geram muito calor”, relata. “Outro problema é com vedação: quando a temperatura externa influencia a interna e não tem troca de ar com eficiência”, finaliza. 

Nos pinteiros de produtores integrados à BRF, são colocados 50 pintos por metro quadrado. Nessa área, as extremidades são fechadas com cortinas, isolando no cumprimento uma parte do galpão que é inutilizada. “É como o sistema de bolsão de ar de uma garrafa térmica”, explica Eduardo Etgeton, supervisor de agropecuária para frango de corte na BRF.

Sistemas modernos facilitam gestão

Nos modelos modernos de aquecimento, existem paineis que controlam a temperatura do galpão. “Tem um ‘setup’ onde se coloca uma temperatura desejada, aí o software vai trabalhar para manter essa temperatura”, explica Eduardo Etgeton, supervisor de agropecuária para frango de corte da BRF na região de Lajeado. “Quando a temperatura chega naquele ponto desejado, ela desliga a fornalha e liga a ventilação. E quando a temperatura cai, liga a fornalha e desliga a ventilação. Isso tira a necessidade de o produtor ficar checando a temperatura”, completa.

Conforme o supervisor da BRF, nesse sistema a entrada e saída de ar são controladas e as aberturas laterais direcionam o ar, além de controlar a umidade, os volumes de ar quente e frio e a velocidade do ar. “No sistema convencional o produtor mistura o ar manualmente”, esclarece. 

“O desafio para o produtor é controlar a ambiência em cada tecnologia”, destaca Maria Goretti Buzanello, gerente de agropecuária da BRF em Lajeado. “Numa criação de aves temos processos determinantes, em cada um dos processos o produtor tem os padrões para um melhor resultado”, complementa.

Pesquisadores afirmam que tecnologias modernas já estão habilitadas para fazer o controle de temperatura dos aviários de forma automática, mas admitem que nem todos os produtores têm a estrutura necessária para manejos deste tipo. Foto: BRF / Divulgação / CP

Outro sistema mais moderno, ainda em testes pela Embrapa Suínos e Aves, é o Aviário 4.0, que utiliza energia solar para abastecer o aquecimento. Segundo o pesquisador Paulo Abreu, o modelo tem a proposta de ser energeticamente autosustentável e emitir baixas quantidades de carbono.

Adilson Szady cria 14 mil aves em Barão de Cotegipe e diz nunca ter tido prejuízos pelo inverno. O produtor utiliza aquecimento a lenha e ventiladores apenas para a circulação de ar no aviário, intercalando entre períodos de 45 segundos ligados e 15 segundos desligados. “O inverno normal não tem problema, o problema é quando os pintos se amontoam, por isso mantemos o aviário fechado e a lenha seca”, ressalta Szady.

*Sob supervisão de Thaise Teixeira

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895