Retorno aos padrões

Retorno aos padrões

Depois da pouco aproveitada disparada das cotações do arroz no ano passado, produtores plantam a safra 2021/2022 com custos maiores e perspectiva de estabilidade nas cotações

Por
Patrícia Feiten

 

Os produtores de arroz do Rio Grande do Sul iniciaram o plantio da safra 2021/2022 em meio a uma disparada de custos e incertezas sobre a rentabilidade das lavouras. Se no ciclo passado a conjuntura traçada pela pandemia deu impulso às exportações brasileiras e levou os preços do grão a patamares recordes no mercado nacional, desta vez o horizonte à frente das plantadeiras é bem diferente. Com a desaceleração dos embarques, a perspectiva é que o próximo ano comercial seja marcado por uma maior oferta interna, o que deve afetar as cotações do produto.

De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), o preço médio mensal da saca de arroz em casca verificado pelo indicador Esalq/Senar-RS para setembro variou de R$ 45,54 em 2019 para R$ 104,39 em 2020 e R$ 74,98 em 2021. A cotação diária chegou a R$ 106,34 em 13 de outubro do ano passado e se tornou a maior da série histórica iniciada em 2005. Nesta semana, o valor da saca estava em R$ 72,77 na quinta-feira (14 de outubro).

O presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, diz que a safra 2020/2021 garantiu rentabilidade aos produtores, mas apenas uma minoria conseguiu aproveitar os preços recordes. O dirigente lembra que “não se acreditava em tamanha valorização e, por isso, muitos venderam a maior parte da sua produção por preços abaixo de R$ 70,00”.

O coordenador da Comissão do Arroz da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Francisco Schardong, vê o cenário do mercado atual como um retorno à “normalidade” após um ano atípico. “No primeiro semestre de 2021, o produtor achava que ia trabalhar com os preços de 2020, mas aquilo foi uma bolha que causou até um certo prejuízo, em função da expectativa que criou. Então, a gente tem de olhar a próxima safra dentro do que nos ensinou a safra colhida este ano”, avalia o dirigente.
Na mesma perspectiva, o analista da consultoria Safras & Mercado, Gabriel Viana, aposta em normalização tanto da oferta quanto da demanda. Ele lembra que o aumento de consumo interno nos primeiros meses da pandemia influenciou as cotações. “Tivemos os preços subindo de forma muito forte num momento em que costumam cair, que é logo na entrada de safra brasileira”, explica.

O analista observa que o Brasil entrará no próximo ano com um estoque de passagem maior – a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que o país encerre 2021 com 2,49 milhões de toneladas disponíveis, ante 1,88 milhão de toneladas do final de 2020. “Até pelo menos janeiro, devemos ter uma leve alta de preços, não acho que a gente vá passar muito de R$ 80 (a saca)”, calcula. Viana acredita que, a partir do final de janeiro e em fevereiro, com a entrada da nova safra no mercado, os preços devam recuar novamente e ficar “parecidos” com os atuais.

Nesta safra, os arrozais dividem um maior espaço com a soja. De acordo com as projeções do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), a área plantada com arroz no Estado deverá ser de 957,4 mil hectares, um avanço pouco superior a 1% sobre a área semeada na última safra, que foi de 945,9 mil hectares e resultou na colheita de 8,5 milhões de toneladas do grão.

Já o plantio de soja em lavouras de arroz deve crescer 15,3%, passando para 408.124 hectares. A mudança reflete um novo momento do setor, diz o dirigente da Farsul. “O produtor está acreditando na produtividade. Ele diminui a área e aproveita melhor o seu espaço, se reciclou, conseguiu vencer problemas históricos do passado, (como manter) oito lavouras vendendo abaixo do custo de produção”, destaca Schardong.

Fenômeno La Niña deve voltar mais moderado

As chuvas ocorridas em setembro retardaram o plantio do arroz na maioria das regiões produtoras do estado, mas deixaram os reservatórios em situação favorável na comparação com a mesma época do ano passado. As atenções agora se voltam para o La Niña, que pode alterar a regularidade das precipitações no Sul do país. Um novo episódio do fenômeno, porém, teria duração e intensidade menores que em 2020, segundo a meteorologista Jossana Ceolin Cera, do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).

A meteorologista explica que hoje o nível da maioria dos mananciais gaúchos está em 90% e, apesar de a temperatura do Oceano Pacífico estar perto dos limiares de formação do La Niña, o diagnóstico ainda é de neutralidade climática. Mas modelos de previsão indicam 80% de probabilidade de retorno do fenômeno entre outubro e dezembro, com chuvas abaixo do padrão histórico. “A partir da metade de outubro já devemos observar uma redução na frequência das chuvas, elas serão mais espaçadas”, observa Jossana.

Para minimizar os efeitos do clima, o produtor deve ficar atento ao calendário. “O Irga preconiza que a semeadura seja feita até 31 de outubro, no máximo até 10 de novembro, para que se atinjam melhores produtividades”, recomenda a meteorologista.

Custo cobra eficiência

Desembolso para custeio da lavoura cresceu 51,5% em um ano e impôs ao produtor as necessidades de tornar a gestão mais eficiente, recorrer à integração com a pecuária e apostar na rotação com a soja

Pragas, plantas daninhas, intempéries. Da semeadura à colheita, são muitas as ameaças à exuberância e rentabilidade dos arrozais. No início da nova safra, porém, o grande desafio para os produtores está na planilha de custos. Um levantamento do Irga, com base em preços coletados em julho, mostra que apenas as despesas de custeio da lavoura – como combustíveis, manutenção de máquinas, sementes, insumos e mão de obra – chegavam a R$ 4.613 por hectare na época, um aumento de 51,5% ante o valor apontado na pesquisa anterior, de novembro de 2020.

O peso da adubação no orçamento da safra está embutido na cifra. No período apurado pelo Irga, os preços dos fertilizantes subiram 118,7%. Para o diretor comercial da autarquia, João Batista Gomes, esses dados acendem um sinal de alerta. “O produtor mais planejado, mais capitalizado, que conseguiu comprar (os insumos) lá atrás, está com a rentabilidade diferente. (Quem comprar agora) vai ter uma dificuldade de cobrar um preço que cubra o custo de produção”, afirma.

Outro levantamento, da Farsul, mostra que para cobrir o custo de produção o agricultor terá de vender a saca de 50 quilos a no mínimo R$ 76,32 ao final da colheita, em 2022. Em agosto, esse valor de equilíbrio era de R$ 70,37, e no mesmo mês de 2020, de R$ 60,54. A projeção usa como referência a região de Uruguaiana. “Hoje, estamos vendendo o arroz bem abaixo disso. O produtor terá de fazer uma lavoura com muita parcimônia”, diz o coordenador da Comissão do Arroz da Farsul, Francisco Schardong.

O presidente da Federarroz, Alexandre Velho, enfatiza a necessidade de gestão eficiente da lavoura. “Esses custos obrigam o produtor a plantar somente em áreas muito produtivas, em função de que o valor que a gente precisa para pagar os custos é cada vez maior”, observa.

O consultor Carlos Cogo, da Cogo Inteligência em Agronegócio, alerta que a alta de custos e a retração dos preços médios do arroz deverão estreitar as margens de lucro nesta safra, o que reforça a atratividade do revezamento com a soja. “Primeiro, gasta-se menos no hectare de soja do que no hectare de arroz. Segundo, a liquidez da soja é muito maior. E, com o preço futuro da soja apontando tão alto no ano que vem como neste ano, os argumentos são todos a favor de botar a balança mais para o lado da soja”, diz.

Para a diretora técnica do Irga, Flávia Miyuki Tomita, mesmo com o forte avanço da soja nos arrozais gaúchos, ainda existe espaço para a expansão da oleaginosa. A terra também tende a ser dividida com outros cultivos, como milho, trigo e pastagens. “Há um interesse crescente na cultura do milho em áreas de várzea, acredito que teremos uma área expressiva na próxima safra”, destaca Flávia.

Arroz perde terreno em lavoura de Cachoeira do Sul

No município de Cachoeira do Sul, que deverá cultivar 25,5 mil hectares de arroz irrigado nesta safra, as lavouras começaram a ser semeadas em 5 de setembro, mas as chuvas atrapalharam a continuidade do processo, segundo o agrônomo Jerson Santos. Até o final do mês passado, apenas 11% da área total prevista tinha sido plantada. Santos teme que o atraso afete a produtividade das plantações, já que na região se considera ideal a semeadura chegar a 30% da área ainda em setembro. “Em anos normais, já estaríamos com 5 mil hectares semeados no sistema de plantio direto com cultivo mínimo e mais 5 mil no sistema de semeadura com sementes pré-germinadas”, compara o agrônomo.

A situação inversa, sinalizada pela possibilidade de um novo La Niña, também gera apreensão. “Muitos usam água de rios e arroios com baixa vazão, que poderão secar no verão e comprometer a irrigação de suas lavouras”, explica Santos. Segundo o agrônomo, outra preocupação dos produtores são variações de preços de insumos. “Fertilizantes que foram comercializados na safra passada por R$ 2 mil a tonelada atualmente custam R$ 4 mil. Considerando um preço de venda de R$ 80,00 por saca, precisamos colher 175 sacas por hectare (8.750 quilos) para cobrir todo o custo de produção.”

Felipe Brendler Corrêa da Silva vai reservar uma parte da área para plantar soja na várzea. Foto: Arquivo Pessoal

O agricultor Felipe Brendler Corrêa da Silva se prepara para começar a semeadura entre os dias 20 e 25 de outubro. Ele conta que adquiriu em fevereiro a maior parte dos insumos e encontrou itens até 20% mais caros em relação a 2020. No ano passado, Corrêa da Silva plantou arroz em 140 hectares, mas no ciclo 2021/2022 a lavoura arrozeira será reduzida para 90 hectares e deixará de ter exclusividade. “É o primeiro ano em que vou colocar soja em várzea, em 60 hectares, para não ficar com a área parada dentro da propriedade e ter um retorno maior”, diz o produtor.

Na última safra, Corrêa da Silva obteve R$ 87 pela saca. “Foi um ano atípico, mais seco, em que o arroz teve uma resposta boa (em produtividade) e um preço de venda mais alto. O produtor conseguiu pagar dívidas velhas e ter um lucro um pouco maior”, recorda. Para esta safra, ele acredita que a cotação do grão caia ainda mais e considera difícil a possibilidade de venda antecipada da produção. “O mercado do arroz é volátil, é muito difícil conseguir travar algum preço agora. No ano passado, ninguém esperava que a saca chegasse a R$ 100. Se desse para travar alguma coisa agora a R$ 60, R$ 70, seria um bom negócio”, avalia.

Atentos ao mercado, produtores anteciparam a compra de insumos

É nos campos da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul que o trabalho das máquinas está mais adiantado. Na região, que representa 30% da área de arroz projetada pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) para o ciclo 2021/2022 no Estado, o grão deve ocupar 287.148 hectares. Desse total, a semeadura já atinge 54,48%, de acordo com a autarquia. No município de Uruguaiana, o plantio começou nos primeiros dias de setembro e, apesar da escassez de insumos, metade das lavouras já foi semeada, diz o presidente da Associação dos Arrozeiros de Uruguaiana, Roberto Fagundes Ghigino.

“Alguns ainda não iniciaram o plantio porque não chegou o fertilizante”, constata. “A chuva (do final de setembro) regularizou os reservatórios, já estamos praticamente com todas as áreas prontas no sentido de preparo do solo”, afirma Ghigino. Segundo o agricultor, Uruguaiana deverá manter a área plantada da safra anterior, de 103 mil hectares.

Na lavoura da agricultora Mônia de Almeida Schlüter, no distrito de Imbaá, as plantadeiras entraram em cena na segunda quinzena de setembro e 50% dos 420 hectares destinados ao arroz já foram plantados. Agrônoma, ela adquiriu a propriedade de um cliente em dezembro de 2019, em parceria com os sócios Edgar Pozzebon e Luciano Pivetta. Na safra passada, eles colheram mais de 10 mil quilos de arroz por hectare, produtividade superior à média recorde das seis regiões orizícolas gaúchas no período, que foi de 9.060 quilos por hectare. “Utilizamos a variedade IRGA 424 RI, que é altamente produtiva. Fizemos investimentos em adubação, semente e tecnologia, sempre aliados à pesquisa. E o clima ajudou”, relata a produtora.

Mônia de Almeida Schlüter e seus sócios obtiveram produtividade superior à média na primeira colheita. Foto: Miyuki Pons / Divulgação / CP

Neste ano, a área cultivada com arroz na propriedade foi mantida, mas os três agrônomos decidiram iniciar também o plantio da soja, que será cultivada em 120 hectares. “Trabalhamos com assistência técnica, já temos a experiência com a soja, então estamos fazendo o dever de casa na nossa propriedade”, explica Mônia. Para driblar as altas de custos, a agricultora afirma que uma das estratégias foi antecipar a compra de insumos, feita ainda no passado. “No cedo, já estávamos com a lavoura em andamento e preocupados em adquirir os produtos para a próxima safra. Não sabemos quanto vai ser o custo da irrigação, da energia elétrica, da manutenção de maquinário. Então, o que dependeu de gestão a gente fez”, destaca.

Na hora de negociar a produção, Mônia diz que opta por estabelecer preços médios como uma referência para o alcance de rentabilidade. Após a colheita passada, os sócios chegaram a obter R$ 90 pela saca e a última parte do estoque foi vendida a R$ 79. “Conseguimos fechar um preço médio bom. Se a tua saca custou R$ 60 e o preço está em R$ 80, R$ 90, por que esperar chegar a R$ 115? Pode ser que não chegue a isso, tu vais vender a R$ 60, R$ 70 e o teu custo pode estar muito acima disso”, raciocina.

Exportações perdem fôlego

Vendas de arroz ao exterior foram favorecidas por ruptura da oferta de outros grandes fornecedores no ano passado e agora enfrentam alta dos custos dos fretes marítimos e escassez de contêineres

Após um avanço de 30% nas exportações em 2020, a indústria brasileira de arroz teve de pisar no freio e, mesmo com um aumento dos embarques no segundo semestre, deve encerrar 2021 com queda em relação ao ano anterior. Entre as razões para o recuo estão o aumento dos custos de fretes marítimos e a escassez de contêineres, decorrente da retomada de negócios internacionais que haviam sido impactados pela pandemia de Covid-19.

De janeiro a agosto, o Brasil exportou 687,1 mil toneladas de arroz (base casca), ante 1,45 milhão de toneladas no mesmo período de 2020, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz). Se considerado o ano comercial agrícola da cultura (de março a fevereiro), os embarques diminuíram de 1,303 milhão de toneladas de março a agosto de 2020 para 583,835 mil no mesmo período deste ano.

O presidente da Abiarroz, Elton Doeler, lembra que, na primeira metade do ano passado, a pandemia provocou uma ruptura na oferta de grandes fornecedores mundiais de arroz, como Tailândia, Índia e Vietnã, o que favoreceu as exportações brasileiras. “O dólar estava alto, nosso produto estava competitivo, e o Brasil entrou nesta janela, pela qualidade do arroz”, comenta. “Neste segundo semestre, há um aumento nas operações, mas por outro lado estamos vivendo a crise dos contêineres, que está impedindo o Brasil de atingir mercados que vinha atingindo com muita tranquilidade”, explica.

De janeiro a agosto, Brasil embarcou 687,1 mil toneladas de arroz (base casca), ante 1,45 milhão de toneladas no mesmo período de 2020, de acordo com a Abiarroz. Foto: Gerson Pantaleao / CP Memória

O arroz brasileiro chega hoje a 75 países. Segundo o presidente da Abiarroz, os principais destinos são Peru, Cuba, Venezuela e países africanos, mas já há embarques para os Estados Unidos e o Canadá. “Também vimos recentemente a declaração do primeiro-ministro da Inglaterra (Boris Johnson) sobre a expectativa de fazer negócios com o Brasil. O Reino Unido é uma possibilidade importante para nós, mas estes são mercados extremamente competitivos, que o Brasil vai ter de continuar tendo qualidade e preço para atingir”, diz o executivo, explicando que, além dos custos logísticos, o país enfrenta barreiras sanitárias e fitossanitárias de países importadores.

Cenário Interno

No cenário interno, Doeler está otimista para a safra 2021/2022. “Acho que teremos um nível de reservatórios (hídricos) melhor, o que vai no mínimo fazer com que a produção seja equilibrada em relação ao ano anterior. A expectativa é de um mercado muito próximo da estabilidade, com preços (no varejo) entre R$ 4 e R$ 5 o quilo, que são justos para todos os elos da cadeia e atrativos para o consumidor. O mercado vinha trabalhando com altos e baixos, hoje começamos a perceber uma certa estabilidade”, avalia.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895