Riqueza oculta no Sul

Riqueza oculta no Sul

Pesquisas acadêmicas mostram que o Pampa tem mais espécies vegetais por metro quadrado que biomas como o Cerrado e o Pantanal

Por
Carolina Pastl*

Pesquisas lideradas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) têm descoberto altos índices de biodiversidade no bioma Pampa, que ocupa a Metade Sul do Rio Grande do Sul e parte dos territórios da Argentina e Uruguai. Em uma delas chegou-se a encontrar 56 espécies diferentes de vegetação, sendo 54 delas nativas, em apenas um metro quadrado de uma propriedade rural voltada para a atividade econômica da pecuária, no município gaúcho de Quaraí. Ainda assim, atualmente, o bioma continua sendo o menos protegido e o segundo mais degradado do país.

“A maioria das pessoas associa a biodiversidade às florestas tropicais, não aos campos, e isso se reflete em poucas políticas públicas voltadas a vegetações campestres”, observa o professor e pesquisador na área de Botânica e Ecologia Vegetal na Ufrgs, Gerhard Overbeck, que coordenou o levantamento. Segundo ele, ainda que as 56 espécies encontradas se constituam num recorde para o ecossistema, não é incomum detectar de 30 a 35 espécies no mesmo espaço, números bem superiores aos encontrados no Cerrado e no Pantanal, por exemplo. O trabalho foi feito em oito sítios de pesquisa no Estado, que aparentavam ter sua vegetação nativa mais conservada.

Para especialistas, o principal motivo que pode ser atribuído ao fato da vegetação campestre nativa ainda estar conservada em muitas regiões gaúchas é justamente a pecuária familiar, que ocupa, em especial, as regiões da Campanha, Zona Sul, Depressão Central, Fronteira Oeste e Campos de Cima da Serra, segundo a Emater/RS-Ascar. “Os bovinos e ovinos domesticados exercem um papel ecológico semelhante ao dos herbívoros nativos que se extinguiram com o passar dos anos”, explica Overbeck. Isso ocorre porque, ao se alimentar do pasto, esses animais evitam que haja alguma dominância de espécie. "A conservação da biodiversidade é importante porque ela é responsável pelo equilíbrio e pela estabilidade dos ecossistemas, que cada vez mais dependemos", esclarece ainda o professor. O campo conservado presta também outros serviços ambientais, como a prevenção da erosão, a fixação de carbono no solo e a proteção de recursos hídricos.

Além da Ufrgs, pesquisadores das universidades federais do Pampa, de Pelotas, de Santa Maria, de Santa Catarina e da Fronteira Sul e estadual de Ponta Grossa participaram do trabalho, que integrou a Rede Campos Sulinos. A iniciativa foi fomentada pelo Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Nos próximos meses, a Rede Campos Sulinos, coordenada pelo professor da Ufrgs Valério Pillar, divulgará um levantamento maior da biodiversidade do Pampa, agora envolvendo espécies de animais. “Ainda não existe esse tipo de informação para este bioma”, justifica o pesquisador. Em paralelo a isso, o Laboratório de Estudos em Vegetação Campestre, da Ufrgs, coordenado por Overbeck, está abastecendo um site com informações sobre todas as espécies vegetais do Pampa. A iniciativa é do mestrando Filipe Ferreira.

Espécies como a Polygala timoutoides Chod. (acima) e a Flor-de-quaresma (abaixo) misturam-se ao pasto nativo ocupado pela pecuária na Metade Sul do Rio Grande do Sul e em áreas do Uruguai e Argentina | Foto: Fábio Piccin Torchelsen/Divulgação

Contradições

A falta de informação e, consequentemente, de políticas públicas voltadas ao Pampa continuam sendo o principal desafio da atualidade, na visão de ambientalistas. “Trabalhos como esses são relevantes para mudarmos esse cenário no futuro. Ainda temos muito o que fazer pela frente”, avalia Overbeck.

Hoje, o Pampa ainda não é considerado Patrimônio Nacional, o que implica em uma legislação não específica para o bioma. Além disso, a área ocupa apenas 33,6% da original no país, o que equivale a 6,5 milhões de hectares, devido ao avanço da fronteira agrícola, segundo pesquisa de Pillar em 2018. Também é o bioma o com a menor área nacional (3,3%) localizada dentro de Unidades de Conservação (UCs), segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). E só foi reconhecido oficialmente como bioma em 2004.

*Sob supervisão de Elder Ogliari

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895