Safra de expectativas

Safra de expectativas

Mesmo que os altos preços obtidos pelo arroz nesta época caiam, deverão remunerar o produtor

Por
Cíntia Marchi

O plantio da safra do arroz, que está chegando ao fim em algumas regiões do Rio Grande do Sul, maior produtor do país, gera mais expectativas neste ano do que em todos os ciclos anteriores mais recentes. A cotação média da saca de 50 quilos do grão em casca, que se mantém acima de R$ 100,00 desde a primeira semana de setembro, leva especialistas do setor a preverem que a largada da comercialização, em março do ano que vem, se dará com preços nunca antes registrados para a época nas séries históricas. A sustentação de valores remuneradores ao longo do ano que vem, no entanto, dependerá do câmbio, que pode se tornar incentivo ou desestímulo às exportações, com consequências para a oferta interna, e também do comportamento do consumidor brasileiro. Neste momento, depois de um período de crescimento, a demanda do varejo pelo cereal enfraqueceu, segundo o Sindicato da Indústria do Arroz do Estado (Sindarroz/RS).

Entre os especialistas, o ponto de convergência sobre a safra que será colhida em 2021 é que se trata da grande chance da maioria dos arrozeiros gaúchos ter rentabilidade, depois de safras seguidas sufocadas por custos de produção superiores aos preços pagos pelo grão. Em 2020, nem todos se beneficiaram dos recordes nas cotações. Estima-se que 80% dos produtores haviam comercializado toda a produção antes da disparada dos valores, em agosto. “A maioria viu preços a R$ 100,00 somente pela televisão, uma ficção científica”, afirma o presidente do Sindicato Rural de Pelotas, Fernando Rechsteiner, revelando que os orizicultores do Sul do Estado fecharam negócios a R$ 60,00 pela saca.

Estimando uma produção nacional de 12 milhões de toneladas em 2020/2021, 7,2% a mais do que a colheita do último ciclo, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) calcula que a saca de arroz será vendida por R$ 67,00 em março. Para a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), há vários motivos para acreditar que o valor não se depreciará e se manterá nos R$ 100,00 ou muito próximo disso. Qualquer uma das projeções, até a menos otimista, desbanca a melhor cotação já alcançada na arrancada de um ano comercial – que, para a cultura, vai de março a fevereiro –, de R$ 51,92 no final do primeiro trimestre deste ano, segundo indicador do arroz em casca Esalq/Senar-RS.

Para o presidente da Federarroz, Alexandre Velho, se os arrozeiros, entusiasmados com os preços, não elevarem a área plantada para além dos 3,5% projetados pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) – total de 969 mil hectares –, é provável que a produção fique igual ou menor que a de 7,8 milhões de toneladas colhidas no último ciclo, quando a produtividade média foi a maior da história do Rio Grande do Sul. Caso este volume venha a se confirmar, Velho diz que a oferta será novamente discreta no ano que vem. Este fator, combinado com a exportação de parte do produto nacional e preços internacionais e câmbio valorizados, tende a levar o produtor a receber preços de três dígitos em março, no entendimento do dirigente. Velho lembra ainda que a retirada da tarifa de importação do arroz pelo governo federal, em setembro, não mexeu nas cotações.

Para o diretor executivo do Sindarroz/RS, Tiago Barata, o cenário ainda é nebuloso por conta da incógnita a respeito da demanda pelo grão. Ele lembra que a pandemia criou novos hábitos de consumo na população e fomentou o uso do arroz nas refeições feitas em casa. No entanto, afirma que as vendas do grão pela indústria ao varejo caíram nas últimas semanas. Até a metade de outubro, segundo Barata, as empresas comercializaram apenas 40% do planejado. “A tendência é que (a demanda se) recupere com a redução dos estoques dos supermercados”, prevê. “Mas não se sabe se haverá uma segunda onda de ampliação das medidas de isolamento e se haverá continuidade da distribuição de recursos federais para a população (auxílio emergencial)”, acrescenta.

Em relação aos valores pagos pelo consumidor, o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Elton Doeler, estima que poderão variar entre R$ 5,00 e R$ 7,00 o quilo no ano que vem – até o início deste ano, giravam entre R$ 3,00 e R$ 4,00. Para ele, este novo nível de preço viabiliza os negócios de todos os elos da cadeia orizícola. “O nosso arroz, de excelente qualidade, vai continuar sendo um alimento bastante acessível para a população”, assegura. Ao acreditar que o preço pago pela saca de arroz se estabilizará na casa dos R$ 70,00 a R$ 80,00 em 2021, Doeler comenta que as indústrias não correrão para armazenar grandes volumes e farão compras ao longo dos 12 meses. “Formar um grande estoque pode ser um risco porque envolve valores muito altos”, raciocina.

Recuperação financeira depende de série de anos bons

Embora a conjuntura aponte para rentabilidade dos produtores na safra 2020/2021, o presidente da Câmara Setorial do Arroz do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Daire Coutinho, afirma que o endividamento do campo continuará. O setor estima que cerca de 70% dos arrozeiros têm passivos a cobrir e não conseguem acesso ao crédito rural oficial. Coutinho destaca que houve prejuízos nas lavouras em dez das últimas 13 safras. “Para que o produtor se recupere financeiramente vai precisar contar com preços bons pelos próximos quatro, cinco anos”, afirma.
O presidente da Federarroz concorda. Para Alexandre Velho, o orizicultor somente vai resolver sua situação financeira na medida em que conseguir produzir acima de 160 sacas por hectare (média dos últimos ciclos), continuar apostando na rotação de culturas e reduzir custos por meio da gestão profissional do negócio.

 

Produtor vende colheita futura

Embora restrito a casos pontuais, fechamento de contratos com preços pré-fixados para entrega no ano que vem já é usado em negociações no Rio Grande do Sul

Estoque restante da colheita passada será de 537 mil toneladas ao final de fevereiro de 2021, menor volume dos últimos cinco anos. | Foto: Wenderson Araujo Trilux / Divulgação.

A baixa disponibilidade de arroz no país, as altas cotações e a perspectiva de o estoque de passagem para o novo ano comercial (que começa em março de 2021) ser o menor dos últimos cinco anos – 537 mil toneladas, segundo estimativa da Conab – vêm dando margem para algo novo na safra 2020/2021. Especialistas do setor informam que há casos de indústrias beneficiadoras fechando compras antecipadas do produto com produtores a preços pré-fixados. Embora isto esteja ocorrendo de forma bastante pontual, há negócios futuros sendo fechados a valores entre R$ 70,00 e R$ 80,00 pela saca de 50 quilos do arroz em casca.

Estas informações foram repassadas por produtores à Federarroz e são confirmadas pelo corretor Giuliano Ferronato, da Corretora Mercado, que há mais de 30 anos atua no ramo. Ele diz que de 2% a 3% dos arrozeiros estão trabalhando com venda antecipada para assegurar preços remuneradores no início do ano comercial. Ao mesmo tempo, também há interesse da indústria neste negócio para garantir o suprimento da sua demanda. “O contrato futuro envolve produtores pequenos, que precisam se financiar com a indústria”, comenta o corretor. “Já os produtores capitalizados irão esperar melhores preços em 2021 para fazer a comercialização”, acrescenta.

Ferronato alerta, no entanto, que é necessário que as tratativas de mercado futuro envolvendo arroz sejam formalizadas para ganhar credibilidade, assim como já acontece com a cultura da soja, que tem os contratos registrados na Bolsa Brasileira de Mercadorias. “Os negócios, para serem confiáveis, têm que estar bem amarrados entre o produtor e a indústria”, aconselha.

Para o presidente da Federarroz, Alexandre Velho, a popularização das vendas antecipadas entre os arrozeiros seria o mundo ideal. O dirigente argumenta que, ao travar negócios no mercado futuro, o produtor pode usar os contratos como garantia de preço e tentar buscar recursos para viabilizar a safra a juros menores do que aqueles que paga hoje. “Com o contrato pré-fixado, ele deixa de se financiar com a indústria e passa a se autofinanciar”, comenta. Velho explica que as vendas antecipadas ainda não são corriqueiras no setor por conta do histórico de excedente do produto no mercado interno, oferta internacional a preços competitivos e consumo retraído entre os brasileiros, fatores que se alteraram em 2020.

O agrônomo Jerson Santos, que há décadas acompanha o cenário do arroz em Cachoeira do Sul, considera que o travamento de preços ajudaria a reduzir a especulação neste meio. “Vendendo antecipadamente, o produtor conseguiria ter uma noção clara da sua rentabilidade, além de informar ao mercado um balizador, um nível razoável de preços”, avalia. Já o presidente da União Central de Rizicultores de Cachoeira do Sul, Ademar Kochenborger, diz não ter conhecimento de nenhum negócio de arroz fechado antecipadamente e recomenda aos produtores que não travem o preço a R$ 70,00 por acreditar que haverá valores melhores do que este em 2021. Ele lembra que a limitação de água nos reservatórios freou a intenção dos arrozeiros de ampliar a área plantada. “A colheita vai ser limitada e a procura por arroz vai ser grande”, acredita.

O presidente da Abiarroz, Elton Doeler, diz que desconhece a existência de empresas pré-fixando preços com os produtores, mas não vê problema em contratos deste tipo. “Cada agente de mercado pode fazer suas apostas e opções”, ressalta.

 

Estratégia para 2021 inclui cautela nos investimentos

Em Dom Pedrito, Forsin quer guardar volume maior da colheita para o segundo semestre do ano que vem. | Foto: Lisiane Forsin.

Acostumado com a depreciação dos preços do arroz e sem poder imaginar que as cotações pudessem alcançar os R$ 100,00, o produtor Luiz Salvador Forsin, com propriedade em Dom Pedrito, vendeu apenas 10% da sua produção a valores acima dos três dígitos. A maior parte foi comercializada antes, a R$ 70,00. Trabalhando com recursos próprios, sem a pressão do vencimento de compromissos financeiros na arrancada do ano comercial, Forsin diz que em 2021 terá como estratégia negociar um volume menor no primeiro semestre e aguardar o desempenho do mercado nos meses finais do ano para fazer a venda da maior parte da produção. Ele plantou 700 hectares de arroz e 1,5 mil hectares de soja.

Mesmo podendo aguardar os melhores momentos de preço para negociar a safra, Forsin prefere ter cautela quanto a novos investimentos na propriedade. “Não dá para pensar que teremos preços bons sempre”, comenta. O arrozeiro, neste ano, comprou um trator e optou por não aplicar mais recursos em outros maquinários, nem em silos e secadores.

Em Arroio Grande, Silveira prepara o plantio e diz que pode pensar em renovação do maquinário em 2021. | Foto: Ladislau Horner Silveira.

Produtor em Arroio Grande, Ladislau Horner Silveira também resolveu não fazer investimentos em maquinários, mesmo sabendo que a renovação da frota da propriedade é necessária e ajudará a reduzir custos. “Se no ano que vem vendermos a safra bem, aí poderemos pensar nisso”, ressalta. Silveira optou, neste ano, por investir no solo, tendo aplicado calcário em toda a área. Ele calcula que seu custo de produção aumentará em relação ao último ciclo por conta do avanço dos preço dos fertilizantes e defensivos agrícolas, mas acredita que esta variação ficará dentro das previsões que já fez para o cultivo.

Silveira plantou 350 hectares de arroz, além de 250 hectares de soja. Embora tenha disponibilidade hídrica para a lavoura, que será banhada com as águas da Barragem do Arroio Chasqueiro, diz que preferiu não ampliar o cultivo de arroz. “O que temos que fazer é produzir mais por hectare e não plantar mais”, argumenta o produtor, que também preside o Sindicato Rural de Arroio Grande. No entanto, Silveira calcula que, no município, a intenção é de um incremento de área de cerca de 10% sobre os 30 mil hectares cultivados nas últimas três safras. “A maioria do pessoal não conseguiu comercializar o arroz nos preços de hoje e se entusiasmou para plantar mais”, constata.

Silveira foi mais um caso de produtor que não conseguiu se beneficiar das cotações recordes em 2020. A média de preço que obteve ficou em R$ 70,00 pela saca do grão. “Mas não foi ruim”, avalia.

 

Busca por máquinas dá sinais de aquecimento

Vendedores observam que renovação da frota tem sido lenta e pode deslanchar com a safra. | Foto: Fagner Almeida / Divulgação.

Enquanto os trabalhos seguem nas lavouras, o setor de máquinas aguarda que a comercialização de unidades destinada à cultura do arroz cresça significativamente em 2021. O presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers), Claudio Bier, afirma que neste ano já houve um incremento de vendas. “Diante dos preços do produto, os arrozeiros voltaram a comprar bem porque estão com necessidade de renovar a frota”, constata o dirigente.

O diretor da Concessionária Verdes Vales, Guilherme Kessler, comenta que a venda de máquinas para os orizicultores estava estagnada há cinco anos em função dos preços baixos do grão nas últimas safras. A elevação da cotação neste ano, no entanto, reativou este mercado. “Só que foram poucos os produtores que conseguiram aproveitar os preços históricos”, lembra Kessler. Ele aposta que um bom número de negócios deslanchará mesmo no ano que vem. “Acreditamos que as vendas para o arroz poderão crescer 30% em 2021”, revela, ao sustentar que, ao fazer a renovação do seu parque de máquinas, o produtor insere tecnologias novas na lavoura. “Ele consegue plantar e colher mais rápido, usar agricultura de precisão e obter melhores resultados”, comenta.

O auxiliar administrativo na Revenda Redemaq, em Itaqui, Luiz Eduardo Prestes Patias, também diz estar observando o alto interesse dos produtores na aquisição de máquinas novas. Entretanto, muitos vão esperar para ver qual será o desempenho da safra e que margem para investimento terão. Patias lembra ainda que muitos produtores estão receosos em função da limitada disponibilidade de água, embora as chuvas do final de outubro nas regiões produtoras tenham ajudado no desenvolvimento da cultura.

A suspensão dos repasses de recursos do Moderfrota, anunciada nesta semana pelo BNDES, pode se tornar um obstáculo porque o programa é voltado à aquisição de máquinas. Uma mobilização de fabricantes e parlamentares vai tentar convencer o governo federal a liberar mais recursos para a linha.

O presidente da Federarroz, Alexandre Velho, pede cautela aos produtores para fazer novos investimentos. Lembra que o mesmo dólar que favorece os preços também aumenta os custos de produção. “O produtor precisa planejar bem uma compra, porque toda vez que não houve planejamento ele se endividou”, alerta. “Só depois de atualizar seus custos e ter um sistema de produção eficiente com soja e outras culturas é que ele deve decidir sobre novas aquisições”, recomenda Velho.

 

Cultivo deste ano exige bom senso no uso da água

Para o diretor administrativo e coordenador da Comissão de Arroz da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Francisco Schardong, será necessário bom senso por parte dos produtores para se chegar a uma colheita satisfatória em 2021. “Eles têm que trabalhar de acordo com as condições que a natureza oferece”, aconselha Schardong, ao lembrar que a baixa disponibilidade de água nos reservatórios é uma grande preocupação desta safra em vários pontos do Rio Grande do Sul. “O preço atual do arroz é desafiante porque estimula a aumentar a área plantada, mas a falta de água é limitante”, alerta Schardong.

O Conselho Permanente de Meteorologia Aplicada do Estado informou, em outubro, que é alta a probabilidade de que o fenômeno La Niña provoque estiagem entre esta primavera e o verão de 2021.

A oferta limitada de água próxima à sua propriedade, em Dom Pedrito, fez com que o produtor Luiz Salvador Forsin pudesse semear arroz nas últimas semanas somente em 60% da área de 1,2 mil hectares que costumava ser destinada ao grão. Para Forsin, é frustrante ter que recuar bem no momento em que as cotações se apresentam diferenciadas. No entanto, ele prefere trabalhar com segurança. “Plantar sem água suficiente não dá porque é um risco muito grande em função do alto custo da lavoura”, comenta.

Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o custo total para produzir um hectare de arroz foi de R$ 10 mil na safra passada, valor que tende a ser ainda mais alto no atual ciclo.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895