Sustento prejudicado

Sustento prejudicado

O número de pessoas que entrou na linha da pobreza cresceu durante a pandemia

Por
Gabriel Guedes

À medida que os números de casos e de mortes por Covid-19 crescem, mais brasileiros também vão sendo empurrados para a pobreza. Nos últimos 12 meses, sem um tratamento eficaz contra o novo coronavírus e no compasso da espera da vacina, o enfrentamento à doença vem sendo feito necessariamente por intervenções não farmacológicas, como o distanciamento social e todas as medidas correlatas para reduzir a circulação da população. Segundo economistas, isso, sem um auxílio econômico, provoca um efeito colateral na vida de muitas pessoas. De acordo com o Observatório das Metrópoles, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o número de pobres pode ter aumentado em mais de 17 milhões no país, passando de 51,8 milhões para 68,8 milhões de pessoas neste começo de ano, cerca de um terço dos mais de 210 milhões de brasileiros.

Com a ajuda do auxílio emergencial, uma compensação de R$ 600,00 paga pelo governo federal até o final do ano passado às pessoas que ficaram sem poder trabalhar em decorrência da suspensão de algumas atividades econômicas, a pobreza diminuiu, atingindo a marca de 39,2 milhões no segundo semestre de 2020. Entretanto, com a demora na chegada de uma nova rodada da ajuda, sem a retomada da renda por meio do mercado de trabalho e com uma terceira e mais intensa onda de contágios, além do ritmo ainda lento da vacinação, a situação tem se deteriorado neste começo de 2021, especialmente entre os mais pobres, que mal têm conseguido matar a fome. Mas estes fatores não afetam apenas quem já estava em situação de vulnerabilidade – pessoas que sobrevivem com até R$ 450,00 por mês, de acordo com critérios do Banco Mundial para países como o Brasil –, mas também parte da classe média-baixa, que, ao perder seus empregos ou ter seus pequenos empreendimentos inviabilizados, percebeu a qualidade de vida cair acentuadamente nos últimos meses, com algumas famílias tendo até que se desfazer de bens para poder viver.

Conforme a segunda edição do boletim Desigualdades nas Metrópoles, fruto de uma parceria entre a PUCRS, Observatório das Metrópoles e Observatório da Dívida Social na América Latina (RedODSAL), a taxa de pobreza na Região Metropolitana de Porto Alegre chegou a 10,8% em agosto de 2020. Sem os auxílios emergenciais, no entanto, teria subido para 18,8%. Em 2019, havia 406.766 indivíduos em situação de pobreza na região e, em agosto de 2020, eram 454.157. Uma diferença equivalente à população de uma cidade como Capão da Canoa. Nesta mesma simulação da ausência dos auxílios emergenciais – situação ainda enfrentada durante o mês de março –, entretanto, o estudo estimou que seriam 791.984 pessoas em situação de pobreza em agosto de 2020 na Grande Porto Alegre.

Toda a Região Metropolitana, composta por 34 municípios, soma 4,4 milhões de habitantes. A desigualdade de renda, medida pela média do coeficiente de Gini das regiões metropolitanas do país, caiu de 0,538 para 0,477 entre 2019 e agosto de 2020, apresentando uma redução de 11,3%, considerando todas as fontes de rendimento, segundo o estudo. Essa redução foi garantida pela implementação dos auxílios emergenciais, pois sem eles a desigualdade de renda teria aumentado para 0,560, um resultado 17,3% maior ao efetivamente encontrado. Mas, apesar de a desigualdade ter caído, isso ocorreu em paralelo a uma redução do rendimento médio nas metrópoles, que diminuiu de R$ 1.860 para R$ 1.582 per capita, uma queda de 14,9%, que foi percebida em quase todas as regiões metropolitanas no país. Mas este dado engana por sua aparência otimista. O cenário real é onde a imensa maioria da população sofreu uma queda expressiva em seus rendimentos. Assim, a redução das desigualdades, verificada no estudo, não se traduz em maior bem-estar para a boa parcela da população, mas revela um nivelamento por baixo. “A situação é extremamente grave e exige medidas urgentes. Tem famílias precisando muito de ajuda, famílias passando fome”, destaca André Salata, um dos coordenadores do estudo e professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS.

Em Porto Alegre, não é difícil encontrar situações como as descritas pelo professor Salata. Vizinha à própria PUCRS, na vila São Judas Tadeu, em uma comunidade de cerca de 700 famílias espremida entre as avenidas Ipiranga e Bento Gonçalves, vive a senhora Sandra Mara, 52 anos, cozinheira e faxineira desempregada desde 2016. Seu último emprego foi em uma pizzaria, na rua José de Alencar, no Menino Deus. Na pequena moradia, acessada por um estreito beco, convivem ainda duas filhas, de 20 e 29 anos, mães de seus quatro netos, que têm idades entre 5 e 10 anos. As duas ainda não conseguiram nem o primeiro emprego. Além de brigadeiros e beijinhos feitos por elas e vendidos nas ruas do bairro, todas dependem do Bolsa Família, programa federal de distribuição de renda, recebido por Sandra e que, segundo ela, tem sido de cerca de R$ 80,00. O valor do benefício básico, por pessoa, de acordo com a Caixa Econômica Federal (CEF) é de R$ 89,00 e pode chegar a, no máximo, R$ 205,00 por família. “Eu compro gás e já acaba o dinheiro”, lamenta. Sem ter o que comer, ela conta, chorando, que às vezes tem que pedir comida ao vizinho. “Tem dia que as crianças pedem para comer e não tem. Há dias em que eu só rezo. Em outros, penso em fazer alguma besteira. Mas não dá para desanimar”, confessa, ao mencionar que já desejou morrer. A única sorte desta família, nos últimos meses, foi ninguém ter contraído Covid-19, mas, em compensação, as chances de achar um trabalho, que já eram ruins, pioraram ainda mais com a expansão da pandemia.

Sandra Mara, 52 anos, está desempregada desde 2016. Em sua casa, enfrentando dificuldades econômicas, vivem ela, duas filhas e seus quatro netos. Foto: Ricardo Giusti

“O termômetro aqui é como o pessoal compra no mercadinho. Quando a gente fica sabendo que alguém comprou só um ovo e um pouco de arroz já é algo que a gente acompanha e vai na família, ver se precisa de ajuda. Estamos sabendo que mais pessoas não estão conseguindo pagar o aluguel em dia. E isso tem acontecido mais”, constata o presidente da Associação de Moradores da Vila São Judas Tadeus (Amovita), Alexandre Santos Silveira. “As pessoas estão pedindo doação, a gente tenta conseguir”, acrescenta.

Na sinaleira da avenida Ipiranga com a Praia de Belas, no sentido bairro-Centro, pouco antes das 19h da última terça-feira, Jorge Amagor Freire de Ávila, 56 anos, pedia ajuda para conseguir dinheiro e poder, ao menos, alimentar o filho. Profissional do ramo de higienização hospitalar, o trabalhador da saúde está buscando há um ano um novo emprego e, mesmo em meio a pandemia, não consegue. Diz já ter deixado currículos, procurado o Sine e nada. “Nunca fiquei tanto tempo desempregado”, conta.

Ele era servidor do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) e estava lotado no Hospital de Pronto-Socorro (HPS) quando o instituto, ligado à Prefeitura de Porto Alegre, foi obrigado a encerrar as atividades por força de uma ação judicial. O dinheiro da rescisão foi insuficiente para cobrir as despesas de medicamentos e aluguel no tempo em que permanece sem trabalho. Além disso, a esposa, de 42 anos, portadora de uma doença crônica, também enfrenta o mesmo drama. Eles têm um menino, de 6 anos de idade, que fica chateado quando o pai tem que sair diariamente para pedir esmola, em uma jornada que vai das 7h às 19h, sob sol e chuva, em meio aos carros, para conseguir cerca de R$ 30,00. “Ele gosta de leite. Mas olhar para ele, para ela, e não ter nada para viver é triste. Ele fica magoado por eu passar tanto tempo fora. Só peço a Deus que passe logo”, relata Ávila, que se mudou de Dom Pedrito, onde nasceu, para Porto Alegre aos 12 anos de idade.

Não muito longe do “local de trabalho” do pai de família, no coreto da Praça Piratini, em frente ao Colégio Estadual Julio de Castilhos, no bairro Santana, estava o auxiliar de serviços gerais desempregado André Luiz de Freitas Schervenski, 45 anos. No dia 26 de março, ele completou uma semana “residindo” naquele local, junto com outros moradores de rua. “Minha mãe morreu e eu não quis ficar morando de favor com minha irmã. Ela tem uma filha especial. Ela precisa mais do que eu. Vim de Cidreira pra cá, para ver se conseguia trabalho. Mas não deu certo. Achei um primo no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) do Partenon e ele me deu abrigo aqui”, relata. Schervenski diz que já trabalhou como auxiliar de cozinha e entregador. Mas sem emprego, morando na rua e dependendo de algumas doações que as pessoas deixam com eles, a saúde do ex-morador do Litoral Norte piorou. “Tem dias que nem consigo caminhar”, se queixa, sobre a dor nas costas. Entretanto, mesmo com os problemas, ele não deixa de acreditar em dias melhores. “Estamos todos aqui querendo mudanças. Ah, se eu conseguisse um trabalho.”

A dificuldade de reingressar no mercado de trabalho é uma situação que se repete para as pessoas que enfrentam as dificuldades econômicas também em decorrência do agravamento da pandemia. “Este é um aspecto cruel. Se olharmos para as atividades que podem ser feitas a distância, estão em empregos de maior escolaridade e pessoas de maior renda. As pessoas de baixa renda já ocupavam posições que eram mais difíceis para o home office. A simples queda na atividade econômica gera perda de renda para esta faixa”, avalia o economista e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Guilherme Stein. Muitas das atividades que exigiam um quantitativo maior de trabalhadores foram suspensas em razão das medidas para evitar a disseminação da Covid-19. “Pandemia atingiu setor de viagens, hospedagem, grandes eventos e festas, que são setores que empregam muita gente. E tem o aspecto da demanda, se as atividades fecham, as pessoas perdem emprego e os empresários investem menos. O principal responsável no aumento do desemprego é a pandemia”, ratifica Stein. A diarista Marlene Camargo dos Santos, 44 anos, moradora e uma das lideranças comunitárias do Beco do Côco, na Restinga, zona Sul de Porto Alegre, é exemplo dessa situação. “Eu trabalhava em um mercadinho, fazendo a limpeza. Trabalho só um dia por semana. Até isso piorou, diminuiu o movimento e aí diminuiu a carga horária para mim”, lamenta.

A mudança forçada na rotina dos jogos de futebol, que ainda seguem sem público, já que não é possível haver aglomerações, também acertou em cheio o bolso daqueles que sobreviviam das partidas. Na região do bairro Farrapos, por exemplo, bares e lanchonetes que costumavam lotar nos dias de jogos na Arena do Grêmio, agora estão à míngua. No estabelecimento de Bernadete dos Santos, 60 anos, na avenida Voluntários da Pátria, restou vender máscaras e itens de primeira necessidade, transformando o local praticamente em um bazar e mercearia. As geladeiras, que costumavam estar sempre cheias de cervejas geladas para venda nos dias de jogos, agora estão vazias. “Antes da pandemia estava tudo indo bem. Mas agora eu levanto às 5 horas, a gente perde o sono nesta crise. A gente não vende nada e estamos esperando o retorno dos jogos”, adianta Bernadete. Para ajudar, a tão sonhada aposentadoria está demorando a ser concedida. Já transcorreu 1 ano e 9 meses de espera. No final das contas, a única renda dela é a contribuição do ex-marido, o eletricista de manutenção aposentado Ademir Cardoso de Lima Barbosa, 69 anos, que mora em um imóvel nos fundos da casa dela e que costuma vender artigos temáticos do Grêmio como complemento à aposentadoria. Agora ele divide com Bernadete o que ganha, mas sem vender muitos produtos do tricolor, o dinheiro também ficou mais curto para todo mundo. “Mas se eu me aposentar, vou querer ajudar. Tem gente que precisa ainda mais do que eu”, planeja a dona do bar. Do mesmo modo que o ex-casal das proximidades da Arena soma forças para dar conta do orçamento e não empobrecer, outra família do Humaitá teve até que se desfazer do imóvel onde morava para poder resistir à crise.

Nas proximidades da Arena, Bernadete dos Santos (acima), 60 anos, costumava ter as geladeiras de seu estabelecimento cheias de cerveja para vender nos dias de jogos, agora, estão vazias. Seu ex-marido, o eletricista de manutenção aposentado Ademir Cardoso de Lima Barbosa, 69 anos, a ajuda, mas também teve sua renda prejudicada, já que também vende artigos temáticos do Grêmio como complemento à aposentadoria. Fotos: Guilherme Almeida

Segundo o professor André Salata, o auxílio emergencial teve muito sucesso em evitar que os estratos mais pobres e vulneráveis, entre os quais a renda média já é baixíssima, sofressem um grande impacto em virtude da crise provocada pelo coronavírus. Por outro lado, as demais medidas não tiveram tanto sucesso em impedir que os estratos médios sofressem perdas. O que é um indicador de que as medidas voltadas à população mais pobre, inserida de modo informal no mercado de trabalho, foram mais eficientes do que aquelas para as camadas médias e formalmente inseridas no mercado.

Na classe média, as dificuldades também foram grandes. Gabriela Pedroso, 35 anos, secretária executiva trilíngue, estava sem emprego e o marido, Tiago Dambrós Vargas, 39 anos, que trabalha agenciando passagens aéreas internacionais, estava recebendo apenas 30% do salário. Neste primeiro trimestre, as coisas melhoraram um pouco, pois Gabriela conseguiu um novo emprego. Foto: Guilherme Almeida

Gabriela Pedroso, 35 anos, secretária executiva trilíngue e com pós-graduação em gestão de negócios, tinha pedido demissão para poder engravidar e, depois do nascimento do nenê, estava enfrentando dificuldade em retornar ao mercado no ano passado. O marido, Tiago Dambrós Vargas, 39 anos, que trabalha agenciando passagens aéreas internacionais, estava recebendo apenas 30% do salário, por causa do enorme impacto no setor aéreo. A saída, durante a crise, foi começar a fazer bolo, pizza, cuca e sobremesas. Também ajudou as irmãs a vender vasos de plantas, com pequenos cactos e suculentas. “Foi bem difícil. Um período complicado. Vendemos nosso imóvel, que era financiado, e estamos morando temporariamente em um outro, que pertence aos meus pais”, resume Gabriela. Mas neste primeiro trimestre, as coisas melhoraram um pouco. Ela já não trabalha mais na cozinha e conseguiu um novo emprego, no centro internacional de uma universidade. Mas Dambrós segue com salário reduzido, já que a crise ainda não arrefeceu no setor aéreo.

“Estamos com planos de juntarmos um dinheiro e, até o fim do ano, comprarmos outro imóvel financiado”, adianta. O padrão de vida, a secretária executiva espera também recuperar. “Não temos o mesmo padrão que tínhamos há alguns anos, pois eu sempre tive bons salários, durante dez anos. Mas, graças a Deus, as coisas irão melhorar”, torce. “Em geral, todo mundo perdeu. Classe média e média-alta perderam. E a questão é o quanto perdeu. Têm ocupações mais fáceis de serem feitas de modo remoto, que são profissões mais atreladas à classe média. E isso depende do grau de qualificação. Pessoas menos qualificadas são descartadas mais facilmente pelo mercado de trabalho”, analisa Salata.

Sem auxílio emergencial, situação seria dramática

O fim do auxílio emergencial deixou o Brasil entre o medo da pandemia e do desemprego neste ano. Vencer 2020 não foi fácil, mas com o auxílio emergencial, pago entre o final do primeiro semestre e o mês de dezembro do ano passado, a situação ficou um pouco melhor para os mais pobres. Na quarta-feira passada, dia 31, o governo federal anunciou que pagará mais quatro parcelas de auxílio, com valores de R$ 150,00, R$ 250,00 ou R$ 375,00 limitado a um benefício por família. Serão beneficiadas 45,6 milhões de pessoas, 22,6 milhões a menos do que no auxílio emergencial de R$ 600,00 pago ano passado a 68,2 milhões de pessoas. “O auxílio mais que compensou as perdas da pandemia. Quando se tira o auxílio, o que se vê é uma situação muito pior. Para este ano, o governo esperava que a pandemia fosse arrefecer e a renda viria do mercado trabalho. Isso não aconteceu e se passaram três meses sem auxílio. Automaticamente aumenta a pobreza”, diz o professor André Salata.

Se não fosse o auxílio emergencial, a taxa de pobreza teria aumentado de modo bastante acentuado em todas as regiões metropolitanas do país, segundo o estudo com a participação da PUCRS, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No caso da Região Metropolitana de Porto Alegre, sem o auxílio emergencial, a renda domiciliar per capita dos 40% mais pobres teria caído 34,6% entre 2019 e agosto de 2020. Com o benefício, no entanto, esta queda foi bem menor, de 9,6%. Ou seja, o auxílio foi capaz de amenizar substantivamente os efeitos da crise entre os mais pobres, ainda que a perda de renda tenha sido significativa.

Mesmo nos valores propostos pelo governo, abaixo do que foi pago em 2020, Salata afirma que o benefício irá ajudar. “Quando tu colocas R$ 150,00, R$ 200,00 em uma família pobre, não é pouca coisa, mas não terá o mesmo impacto que no ano passado”, aponta.

A economista e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Gláucia Campregher também vê benefícios na concessão da ajuda governamental. “O quanto teria aumentado a pobreza e encolhido o PIB (Produto Interno Bruto) se não tivesse o auxílio emergencial?”, indaga. Gláucia entende ainda que o auxílio emergencial deveria ser o elemento fundamental no elo entre a crise sanitária e econômica. “Se este lockdown tivesse uma compensação financeira, as famílias poderiam ficar em casa. A economia está sendo prejudicada pelo não tratamento correto da crise sanitária.”

Contudo, ela afirma que o momento não é de aposta na austeridade e que é necessário um mecanismo de distribuição de renda mais consistente e compatível com a crise, assim como é defendido pelos Bancos Centrais dos Estados Unidos e do Reino Unido. “Esta noção de que o dinheiro está em um cofre e vai acabar não existe. O debate no mundo é para que se faça o endividamento, se faça dinheiro. O governo deveria estar emitindo títulos. O momento é para isso. Não faz sentido teórico nem empírico que o país está quebrando”, desafia Gláucia.

A nova rodada de ajuda, anunciada nesta última semana, não permitirá novos cadastros, o que acaba limitando a quantidade de beneficiados. “Políticas de transferência de renda são importantes para amenizar os impactos da crise. Mas este tipo de política é muito cara. Foram gastos bilhões de reais e isso gera uma pressão nas contas públicas, o que acarreta em dúvidas sobre a sustentabilidade fiscal brasileira. E aí tu acaba tendo outros problemas macroeconômicos. As políticas de transferência de renda deveriam ser mais focalizadas. Tentar encontrar quem precisa do dinheiro”, frisa Guilherme Stein, da Unisinos.

Os dois economistas não titubeiam ao afirmar que a imunização em massa e em velocidade maior é a chave para destravar o país. “Precisamos de vacina. Vacinação em massa, rápida e eficaz. É o único jeito”, reforça Gláucia. “Estamos em uma situação bem complicada e a solução para a pandemia é a vacinação, que vai permitir que a gente saia desse ciclo”, garante Stein. Entra neste coro a avaliação da economista da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do RS (Fecomércio-RS) Patrícia Palermo. “A vacinação vai curar a economia das dores da pandemia, mas nossa economia tem muitas doenças crônicas. A gente não vê uma agenda de reformas muito claras, nem avançam no ritmo que a gente gostaria. Mas a fala da Fecomércio tem sido uníssona: a vacinação é o que vai retomar a economia”, resume. E se a economia voltar a crescer, o cenário pesado relatado ao longo desta reportagem tende a ceder. “Quando tu consegues gerar renda em uma família, tu terás um efeito catalizador, com um monte de coisas positivas. Tudo isso tem efeito sobre o hoje e o amanhã. Se tivermos crescimento econômico, teremos a recuperação destas famílias”, prevê a economista da Fecomércio.

Hora de ajudar: doações têm chegado cada vez menos

Na dura realidade do Beco do Côco, uma comunidade da zona sul de Porto Alegre onde não existe qualquer infraestrutura, muito menos qualquer presença do poder público, as doações são a forma de amenizar os impactos da miséria extrema. “Nossa situação é bem complicada. Não temos uma associação nem uma pessoa que represente a gente. Ninguém de governo para nos ajudar. E tem bastante gente com dificuldade. Maioria reciclador, pedreiro, tem muita gente sem trabalho. A gente recebia cestas básicas bem boas, mas agora, com a Covid, começou a chegar menos ajuda”, afirma a diarista Marlene Camargo dos Santos, que atua como uma facilitadora da iniciativa Pão de Irmão pra Irmão, que auxilia a comunidade a atravessar dificuldades.

O jornalista e coordenador do curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS, Fábian Chelkanoff, dirige a Associação Aliança do Bem, responsável pelo projeto na Pão de Irmão para Irmão nesta comunidade da Restinga. Nas redes sociais, ele vem divulgando uma rifa que vai sortear no dia 12 de junho, um agasalho da Seleção Brasileira autografado pelo técnico Tite. São 10 mil bilhetes, cada um vendido a R$ 10,00 e o dinheiro arrecadado será utilizado na compra de cestas básicas, kits de higiene e limpeza, roupas e brinquedos que beneficiarão cerca de 150 famílias. “A gente, e todas as entidades têm perdido muita doação com o passar dos tempos nessa pandemia. Tem caído muito e, na contramão, aumentado demais o número de famílias necessitadas. E a rifa foi uma maneira de tentar potencializar as doações. Falei com o Cleber Xavier (auxiliar do Tite) e apresentei o projeto. Ele topou na hora e apresentou ao Tite, que também concordou de pronto e agora temos 10 mil rifas para vender”, anuncia o jornalista.

Na Vila São Judas Tadeu, a situação é um pouco melhor, segundo o presidente da Amovita, Alexandre Santos Silveira, mas o poder público é ainda ausente. “Não recebemos nenhuma ajuda do governo municipal ou do estado com as cestas básicas. Mas temos o pessoal do Sanatório Partenon que nos ajuda bastante. Temos uma corrente de solidariedade aqui”, assegura Silveira. Entretanto, o estoque é pequeno, com cerca de 20 de cestas, guardadas em uma pequena sala da secretaria da entidade. “Mas estamos abertos a receber ajuda”, conclui Silveira.

Como ajudar

- Rifa do Pão de Irmão para Irmão.

- Associação de Moradores da Vila São Judas Tadeu (Amovita): (51) 98615-3922 e (51) 98210-8774

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895